O fator Bolsonaro – Editorial | Folha de S. Paulo
É difícil mensurar o impacto de atitudes do presidente na letargia econômica
Enquanto se consolida o fiasco econômico deste 2019, analistas do setor privado começam a abandonar expectativas de um desempenho mais robusto no próximo ano.
Como noticiou esta Folha, profissionais de bancos e consultorias já projetam taxas de crescimento do Produto Interno Bruto abaixo de 2% em 2020. Desde o fim da brutal recessão de 2014-16 o país não atinge esse patamar medíocre.
Não se pode acusar o mercado de pessimismo. Ao longo desta década, os resultados do PIB têm sido sistematicamente inferiores às previsões iniciais. Não será diferente neste ano, em que a expansão esperada rondava os 2,5% em janeiro.
O desapontamento chegou à percepção geral. Segundo o Datafolha, a parcela do eleitorado que diz acreditar na melhora da situação econômica recuou de 65% para 40% ao longo de 2019.
Inexiste um diagnóstico completo e consensual para a letargia. Sabe-se que ela está associada à míngua dos investimentos: dados publicados por este jornal apontam que as obras de infraestrutura têm representado pouco mais de 1,8% do PIB, menos da metade do que se considera necessário em estudo da Inter.B Consultoria.
Na conjuntura atual, o cenário externo acrescenta dificuldades. O conflito comercial entre EUA e China provoca impacto imediato nos mercados financeiros, e a crise da Argentina prejudica exportações da indústria brasileira.
Outro fator, menos palpável, tem sido citado com alguma frequência —o efeito de declarações disparatadas e atitudes erráticas do presidente Jair Bolsonaro (PSL) sobre o ânimo de empresários e investidores domésticos e estrangeiros.
É preciso boa dose de cautela diante de tal análise, e não apenas pela virtual impossibilidade de mensurar o fenômeno com os indicadores disponíveis. As decepções com o PIB, repita-se, não vêm de agora.
Entretanto o presidente de fato fomenta a instabilidade política e torna menos previsível a agenda de seu governo. A reforma da Previdência avançou graças ao senso de sobrevivência do Congresso, mas não se pode garantir o mesmo em relação a outros projetos cruciais.
Temem-se ainda consequências negativas da piora da imagem do país no exterior, em particular na área ambiental. Nesse caso, a conta viria a prazo mais longo.
A melhor hipótese é que Bolsonaro compreenda o quanto a economia tende a ser decisiva na recuperação de sua popularidade —e que isso baste para moderá-lo.
O motor enfraquecido – Editorial | O Estado de S. Paulo
Motor principal da economia brasileira por várias décadas, a indústria foi o setor mais castigado pela recessão, mal começou a recuperar-se em 2017 e de novo, em 2019, opera com muita dificuldade. Pelas últimas projeções do mercado, a produção industrial deve encolher 0,29% neste ano. Uma semana antes ainda se estimava um crescimento de 0,08%, resultado quase nulo, mas ainda no terreno positivo.
A economia continua fraca e o Produto Interno Bruto (PIB) deve crescer 0,87% – mediana das projeções de economistas do setor financeiro e de grandes consultorias. Esse número, divulgado no boletim Focus do Banco Central (BC), já havia aparecido na semana anterior.
A novidade é mesmo a taxa negativa calculada para a indústria, sinal da pouca importância conferida, até agora, à ação de estímulo ao consumo programada pelo governo.
No Brasil, como em vários outros países emergentes, a industrialização intensificou-se depois da 2.ª Guerra Mundial. A atividade industrial diversificou-se, a produção cresceu e o setor dinamizou a economia, funcionando como gerador de empregos qualificados e como polo de absorção, criação e difusão de tecnologia. Na maior parte dos emergentes, mesmo naqueles mais avançados, a indústria continua com grande peso na composição do PIB.
A chamada desindustrialização – perda de participação do setor industrial na atividade econômica – é ainda observável principalmente nos países mais desenvolvidos e ricos, como os Estados Unidos e as nações da Europa Ocidental.
Não há, no Brasil, nada comparável à desindustrialização do mundo rico. Há, sim, um fenômeno patológico, o enfraquecimento de um setor essencial para o crescimento e a modernização da economia nacional. Essa anomalia fica bem clara quando se compara o peso da indústria na formação do PIB de vários emergentes. Dados de 2018 reunidos pela Confederação Nacional da Indústria (CNI) confirmam a anomalia do caso brasileiro.
No Brasil, no ano passado, a produção industrial correspondeu a 21,6% do PIB. Excetuado um caso, a participação da indústria no conjunto da produção foi muito maior em outros países: 23,1% na Argentina, 40,7% na China, 35,1% na Coreia do Sul, 27% na Índia, 31,2% no México e 32,1% na Rússia.
A fraqueza relativa da indústria argentina está obviamente associada a conhecidos erros políticos. Alguns desses erros, como o protecionismo comercial excessivo e o pouco estímulo à inovação e à busca de produtividade, são característicos também do Brasil.
No caso brasileiro, no entanto, a atual fraqueza da indústria é em boa parte explicável por fatores conjunturais. Depois de um início de recuperação, o setor perdeu dinamismo no ano passado, em parte por causa da crise no transporte rodoviário, em parte pela persistência do desemprego elevado e da incerteza quanto ao futuro da economia. O quadro piorou neste ano, porque o governo foi incapaz, em mais de um semestre, de proporcionar qualquer estímulo e qualquer segurança a consumidores, comerciantes e industriais.
Nos 12 meses terminados em julho, a produção física foi 1,3% menor que no período imediatamente anterior. A de bens de consumo semiduráveis e não duráveis – aqueles mais presentes no dia a dia das famílias – encolheu 0,3% nessa comparação. Isso reflete claramente as péssimas condições de emprego, com 24,7 milhões de pessoas desocupadas, subempregadas e desalentadas no trimestre findo em julho.
O efetivo fortalecimento da indústria dependerá de um longo período de investimentos em ampliação e modernização da capacidade. Isso deverá incluir esforços voltados para a inovação e, de modo geral, para a busca de eficiência e competitividade. Será necessário, portanto, mais que um estímulo de curto prazo. Mas esse estímulo, embora de efeito limitado, será indispensável para o arranque inicial do consumo, da formação de estoques e da produção.
A criação de empregos poderá vir com alguma defasagem, mas só virá se houver esse primeiro impulso. Ao negligenciar essa necessidade evidente, o governo aceitou a piora da economia e impôs um custo enorme aos brasileiros.
Gasto crescente com pessoal enfraquece os investimentos – Editorial | Valor Econômico
A crise fiscal está tendo impacto fulminante nos investimentos em todos os níveis de governo, não só da União, com reflexos negativos no crescimento econômico e no emprego. Levantamento elaborado pelo Valor (2/9) mostrou que os investimentos feitos pelos Estados, pelo Distrito Federal e por 24 das 26 capitais somaram apenas R$ 9,21 bilhões no primeiro semestre. O valor é praticamente a metade dos R$ 19,49 bilhões investidos nos primeiros seis meses de 2015, que também marcam o início de um novo governo estadual.
Os investimentos despencaram 52,5% nos Estados, para R$ 6,96 bilhões. Um dos casos mais dramáticos é o do Rio, que teve que reduzir essas despesas em 96%. Até mesmo Estados mais ricos fizeram cortes, como o de 47% no caso de São Paulo. Nas 24 capitais que enviaram informações ao Tesouro Nacional, a queda foi de 53,4% para R$ 2,25 bilhões.
O fraco desempenho da arrecadação não ajuda. As receitas correntes dos Estados cresceram apenas 0,6% em termos reais do primeiro semestre de 2015 para o mesmo período deste ano. Por outro lado, as despesas com pessoal e encargos sociais aumentaram 4,2% reais em igual base de comparação. Pode-se constatar que o comprometimento crescente das receitas com as despesas correntes, sobretudo as de pessoal, é um dos principais motivos da redução dos investimentos dos Estados e municípios - além da mudança na política de concessão de aval pelo Tesouro a partir de 2015, que dificultou a tomada de empréstimos.
Embora abarque um período diferente, outro levantamento do Valor (9/9) confirma o diagnóstico. As despesas com a folha do Executivo dos 26 Estados e Distrito Federal cresceu 4,86% nominais nos 12 meses encerrados em abril em comparação com o mesmo período terminado em 2018, ligeiramente abaixo dos 4,94% da inflação nesse espaço de tempo. Já a despesa com inativos e pensionistas avançou bem mais, quase o dobro, com uma alta nominal de 8,22%, no mesmo espaço de tempo.
Nada menos do que 16 Estados gastam mais com aposentados e pensionistas do que com servidores ativos. Essa tendência deve se disseminar, agravando o déficit previdenciário estadual que, no fim de 2018, já somava R$ 101,3 bilhões nos Estados, considerando os dados dos programas de ajuste fiscal, de acordo com o Tesouro.
O quadro sublinha a importância da mudança das regras da previdência que, para alguns analistas ouvidos pelo Valor, seria mais necessária e urgente para os Estados e municípios do que para a própria União. A proposta original da reforma da previdência chegou a prever que as novas regras seriam automaticamente aplicadas aos servidores dos governos regionais. Mas, em consequência das disputas políticas, o projeto aprovado pela Câmara acabou deixando os Estados de fora, embora número relevante de governadores fosse a favor da inclusão.
O Senado retomou a proposta e a consolidou na chamada PEC paralela, estabelecendo que os Estados poderão aderir à reforma previdenciária nos mesmos termos da União. Para isso, porém, terão de aprovar lei ordinária em suas respectivas Assembleias Legislativas. Caso o Estado aprove a mudança, a adesão de seus municípios será automática. O município que desejar poderá desfazer a adesão à mudança de regras por meio de lei aprovada na Câmara de Vereadores.
Apesar de imperfeita, a PEC paralela é a saída que sobrou. Mas há dúvidas em relação a sua tramitação, que pode enfrentar resistências ou atrasar. Até porque contém outros dispositivos polêmicos como a cobrança gradual de contribuições previdenciárias das exportadoras do setor do agronegócio. Ela exigirá também que os governadores interessados se empenhem em aprovar a legislação no âmbito estadual. A influência das eleições municipais no próximo ano não pode ser menosprezada no jogo político.
O pior de tudo é que o governo federal está em situação igualmente calamitosa em relação ao déficit previdenciário e aos investimentos. Na União, os investimentos pagos de janeiro a julho somaram R$ 21,6 bilhões, com queda de 45,9% em relação a igual período de 2015, de acordo com recente relatório do Tesouro. No acumulado em 12 meses até julho de 2019, os investimentos foram de R$ 49,4 bilhões. Em percentual do PIB, o nível de investimento nesse período é de 0,71%, inferior ao do ano de 2007, quando atingiu 0,8%. A proposta orçamentária para 2020 é ainda mais dura e prevê investimentos de R$ 19 bilhões, o menor valor em dez anos.
A necessária reação do STF à censura – Editorial | O Globo
Decisões dos ministros Dias Toffoli e Gilmar Mendes contra ato de Crivella reforçam o peso da Carta
O Supremo Tribunal Federal tem se notabilizado na devida intransigência em defesa dos dispositivos constitucionais que garantem as liberdades civis, em que se destacam a de expressão e a de imprensa. Ao mesmo tempo, a Corte mostra-se aberta à evolução dos costumes e aos desafios que se colocam no avanço da ciência—o exemplo é a aprovação das pesquisas com células embrionárias, sob condições. Neste caso, o STF de alguma maneira reafirmou a laicidade do Estado brasileiro.
A decisão do prefeito do Rio, Marcelo Crivella, anunciada na quinta-feira, de despachar fiscais para a Bienal do Livro, no Rio centro, afim de recolher uma publicação supostamente para “proteger nossas crianças”, teve a necessária resposta do Supremo Tribunal, acionado pela Procuradora- Geral da República, Raquel Dodge.
O que atrai a ira censória é uma história em quadrinhos de heróis da Marvel em que há acena de um beijo gay. Pode chocar o bispo licenciado da Igreja Universal do Reino de Deus (IURD), mas não deveria espantar o prefeito do Rio, uma cidade aberta.
Pode ser que não passe de estratégia político- eleitoral, voltada à tentativa de reeleição, para dar ordem unida ao seu rebanho de conservadores, mas isso não importa do ponto de vista da Constituição, agredida por um ato de censura, seja qual for sua origem.
Areação do ministro Dias Toffoli, presidente da Corte, seguida por Gilmar Mendes, e acompanhada por Celso de Mello, em nota enviada à “Folha de S.Paulo”, serviram para reafirmar o peso dos balizamentos estabelecidos pela Constituição.
Anota de Celso de Mel lo, decano do Supremo, pontilhada por algumas exclamações, ressalta que “(...) sob o signo do retrocesso, um novo e sombrio tempo se anuncia: o tempo da intolerância, da repressão ao pensamento, da interdição ostensiva ao pluralismo de ideias e do repúdio ao princípio democrático!!!”
Algumas tentativas de censura têm sido feitas com base no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Aconteceu neste caso do livro — que gerou um embate de liminares contra e a favor no âmbito do Tribunal de Justiça fluminense —, mas o encaminhamento foi rebatido por Dias Toffoli. A imagem do beijo entre dois homens (ou mulheres) não viola o Estatuto.
O ministro lembrou ainda que, em 2011, o Supremo reconheceu o direito de pessoas do mesmo sexo terem uma união estável perante a lei. Gilmar Mendes, por sua vez, determinou que o alvará da Feira não fosse cassado, como ameaçara Crivella, registrando que a iniciativa do prefeito tem o “nítido objetivo de promover apatrulhado conteúdo de publicação artística”.
São animadoras essas demonstrações da Corte na defesa de valores vitais a uma democracia. Ajuda, neste momento de tensões político ideológicas. Reforça o papel da última instância do Judiciário.
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