Valor Econômico
Política econômica é uma das áreas em que há grande incerteza sobre que caminho o novo governo seguirá
Segunda-feira passada o Congresso americano referendou o resultado da eleição de 5 de novembro, pavimentando o caminho para a volta de Donald Trump à presidência dos Estados Unidos, prevista para o meio-dia de 20 de janeiro, também uma segunda-feira. Há grande expectativa sobre que rumo Trump dará às políticas públicas do país. As alternativas em discussão cobrem um amplo espectro, dado que o Partido Republicano também controla a Câmara dos Deputados e o Senado, a Suprema Corte tem se mostrado alinhada com as visões de Trump, e o bom desempenho da economia dá graus de liberdade para experimentações.
A política econômica é uma das áreas em que
há grande incerteza sobre que caminho o novo governo seguirá. O principal
motivo para isso é o conflito que existe entre, de um lado, o que o eleitor
americano gostou e aprovou nas propostas de Trump durante as eleições e, de
outro, o quanto esse eleitor irá gostar do resultado de se colocarem essas
propostas em prática e as implicações disso para a popularidade do presidente e
de seu partido.
Como observa Bryan Caplan em seu livro “The
Myth of the Rational Voter”, em geral o eleitor vota com base em crenças e
emoções, mais do que em uma análise fundamentada das propostas dos candidatos e
de suas implicações para o bem-estar desse eleitor: “o senso comum nos diz que
a emoção e a ideologia - não apenas os fatos ou seu ‘processamento’ -
influenciam poderosamente o julgamento humano”.
Além de manter o dólar forte e os juros
altos, política econômica de Trump elevará bastante a incerteza global
A emoção explica várias das escolhas
colocadas na mesa: o protecionismo (“o pensamento protecionista é difícil de
desenraizar porque ‘feels good’”), a promessa de deportar milhões de imigrantes
ilegais (“para muitas pessoas, por exemplo, culpar os estrangeiros pelos
problemas domésticos é uma fonte de conforto ou orgulho”), o corte de impostos,
a desregulamentação e a redução do aparato estatal, que diminuem o poder da
burocracia pública.
Algumas dessas medidas podem estimular o
crescimento, como a desregulamentação e o corte de impostos. Porém, em uma
economia que já opera próxima ao pleno emprego, parte importante desse estímulo
pode simplesmente virar aumento de preços. Outras medidas, como a elevação das
tarifas sobre as importações e a expulsão de imigrantes, além de maiores
barreiras à sua entrada no país, vão reduzir o crescimento e também pressionar
a inflação.
Em um contexto em que a insatisfação com a
alta de preços observada no pós-pandemia foi um fator determinante para a
derrota dos democratas em 2024, esse parece um caminho certo para tornar o
presidente e seu partido impopulares com o eleitor. Além disso, as pressões
inflacionárias exigirão uma resposta do Fed, o banco central americano, que
possivelmente terá de voltar a subir a taxa de juros. Essa perspectiva já se
refletiu nas taxas dos títulos públicos americanos no último trimestre de 2024.
Com isso, o custo do financiamento imobiliário irá subir, mais empresas irão
quebrar e a dinâmica da dívida pública ficará ainda mais complicada.
Esse conflito entre retórica política e
consequências práticas tem levado os analistas a preverem que Trump pode
favorecer medidas que tenham grande repercussão na mídia, mas limitado impacto
sobre os preços. Por exemplo, operações focadas de expulsão de imigrantes, e
ameaças a países fronteiriços caso não bloqueiem novas entradas, mas nada que
tenha impacto relevante para setores como agricultura e construção, que
recorrem mais intensamente a trabalhadores desse grupo. Este último ponto
reflete outro pilar que Trump tentará respeitar: atender os interesses dos
grupos empresariais que o apoiaram, que vão de empresas de tecnologia às de
petróleo, todas na expectativa de pagarem menos impostos e estarem sujeitas a
regulações mais brandas.
Outra área em que devem prevalecer
iniciativas focadas, em vez de transformações universais, diz respeito às
tarifas sobre importações. Como alguns analistas têm apontado, Trump tem quatro
objetivos com estas: arrecadar tributos, extrair concessões de outros países,
desconectar a economia americana da chinesa e favorecer a produção nacional em
certos setores, em especial aqueles considerados importantes para a segurança
nacional. Um aumento universal de tarifas favorece o primeiro objetivo, mas,
para os outros três, aumentos focados em produtos, países e momentos
específicos tendem a levar a melhores resultados, além de permitir mitigar o
impacto do protecionismo sobre o bolso do consumidor e a competitividade de
empresas que dependem de insumos importados. A tendência, nesse caso, portanto,
seriam medidas pontuais e não necessariamente permanentes, que iriam pipocando
ao longo dos anos, em vez de anunciadas todas de uma vez.
Além de manter o dólar forte e os juros altos, para os padrões das últimas décadas, uma política econômica com esse perfil aumentará bastante a incerteza econômica global. Isso trará desafios não triviais para empresas e governos impactados, por exemplo, por tarifas específicas. Será preciso decidir se, e como, retaliar, se vale à pena permanecer no mercado americano com preço mais baixo, cedendo às demandas colocadas, ou procurar outros destinos para os produtos. Não vai ser fácil.
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