sexta-feira, 10 de janeiro de 2025

Governo de minoria - Vera Magalhães

O Globo

Aliados admitem que Lula precisará colaborar, na retórica, com o esforço do ministro da Fazenda

Um diagnóstico curioso parece ter se consolidado em diferentes gabinetes de Brasília, nos três Poderes, no raiar deste 2025 que abre o segundo biênio de Lula 3: trata-se de um governo de minoria, e assim terá de navegar até a eleição.

A lógica que conduzirá a reforma ministerial será a de tentar virar esse jogo, mas os mais realistas com quem se conversa não acreditam que isso acontecerá, por vários motivos.

O principal deles é o que os mais experimentados nos meandros do poder chamam de parlamentarismo de fato — que teria sido implementado com a captura de um naco substancial do Orçamento pelo Congresso.

Nem Rosa Weber nem Flávio Dino conseguiram, com suas sucessivas decisões tentando disciplinar as emendas parlamentares, fazer o gênio voltar para a lâmpada.

Diante disso, ministros de Lula e do STF coincidem no receituário realista que deveria ser adotado pelo presidente para seguir nos dois próximos anos: tentar encontrar um mínimo de equilíbrio para o futuro e deixar que a Polícia Federal cuide dos escândalos sobre o que foi derramado em estados e municípios sem nenhum controle até agora.

Também existe na capital federal um clima de otimismo meio ingênuo, de que a saída de Arthur Lira e sua substituição pelo mais afável Hugo Motta vá mudar a tática de faca permanentemente no pescoço do Executivo para que se vote qualquer coisa na Câmara.

Pode até ser — embora não se deva esquecer que Motta só se viabilizou quando foi colocado debaixo da asa de Lira. Mas não se pode ignorar que, na Casa ao lado, sai Rodrigo Pacheco, que sempre procurou manter uma aura de estadista, e entra Davi Alcolumbre, que pode fazer qualquer um suspirar de saudades de Lira, dada sua voracidade por poder e recursos orçamentários.

Como, então, fazer com que vigore a lógica de governabilidade mais comezinha, aquela que determina que a um ministério ocupado por um partido correspondam os votos daquela sigla nas duas Casas do Legislativo?

Ninguém sabe ao certo, e o risco real é que a reforma troque seis por meia dúzia, e Lula siga tendo uma maioria nominal folgada, que não existe na hora em que se abrem os placares de votação.

Só uma ampla reforma constitucional, admitem próceres do Judiciário e da política, poderia reverter a anomalia implantada na gestão orçamentária pelo menos desde Dilma Rousseff, agravada sob Jair Bolsonaro. Mas fazer esse tipo de mexida num governo de minoria, apontam os mesmos observadores, pode resultar num desastre ainda maior.

Melhor ir tocando a bola de lado, então, e apostar que a economia estará bem em 2026 para levar os partidos que estão ganhando muito e entregando pouco a subir no palanque de Lula 4 ou de quem o presidente escolher, caso decida não ser candidato ou não tenha saúde para tanto.

A aposta, nesse ponto, recai sobre o sucesso das medidas de Fernando Haddad no sentido de demonstrar aos agentes econômicos que o governo é fiscalmente responsável. Aliados admitem que Lula precisará colaborar, na retórica, com o esforço do ministro da Fazenda, até para não agravar um cenário externo a cada dia mais turbulento, que pode jogar por terra esse mesmo trabalho de convencimento e manter o dólar nas alturas e em fuga acelerada do Brasil.

Portanto é como se ao presidente restasse um cenário de ceder ao Centrão muito para obter um apoio sempre incerto, e medir as palavras diante de um mundo cada vez mais complexo e refratário ao charme que ele já exerceu no tabuleiro global.

Parece um receituário ortodoxo que, se levado ao sempre mercurial Lula, capaz de fazer uma metáfora machista até num ato em defesa da democracia, será rasgado. A mudança de comunicação anunciada não vai nessa linha, e sim na de vender realizações do governo que uma parcela da sociedade simplesmente não enxerga. Se for isso, parece algo fadado a atingir apenas os já convertidos, o que, para um governo minoritário e que tem apoio de apenas metade da sociedade, pode ser insuficiente.

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