sexta-feira, 12 de dezembro de 2008

O Nordeste e o colchão de votos


Maria Cristina Fernandes
DEU NO VALOR ECONÔMICO


Metade dos beneficiários do Bolsa Família estão no Nordeste. Apenas em Pernambuco e Alagoas, a renda gerada pelo programa é pelo menos oito vezes maior do que a da cana de açúcar.

Na região, os benefícios previdenciários superam o Fundo de Participação dos Municípios em 70% das localidades. Os pagamentos do INSS representam 11% do PIB regional e correspondem a valores quatro vezes maiores que os do Bolsa Família.

Somados, Previdência e programas sociais atingem mais de dois terços das famílias nordestinas. Nenhum setor econômico da região consegue se aproximar da renda gerada pelos programas federais.

Os dados, apresentados esta semana pelo professor da Universidade Federal de Alagoas (UFAL), Cícero Péricles de Carvalho, no XXXVI Encontro Nacional de Economia, em Salvador, o levam a afirmar que se o Brasil, segundo a OCDE, é, entre as grandes economias, aquela em que o impacto da crise financeira mundial será menor, o Nordeste é a região do país que menos deverá ser afetada.

Não que a economia local passe ao largo. Seu crescimento vem, há alguns anos, superando a média nacional graças também à elevação de investimentos públicos e privados. Hoje os setores industrial e de serviços somam, segundo o professor da UFAL, mais de 85% do PIB da região, com um peso relativamente pequeno de fabricantes de automóveis e bancos, que estão no topo das atividades mais afetadas.

Suas exportações, que entre 2000 e 2007 triplicaram de valor, certamente serão impactadas. Mas a expectativa é de que o perfil de consumo, fortalecido pela valorização do salário mínimo - renda de 62% dos trabalhadores da região - venha a amortizar a queda.

Se a curva de popularidade dos candidatos à Presidência da República será diretamente impactada pela evolução do PIB até 2010 e a região se constituir um foco de resistência à crise, é de se esperar que os partidos governistas lá fortalecidos venham a valorizar seu cacife.

Entre os grandes partidos nacionais, nenhum está tão aparelhado para capitalizar esse momento quanto o PSB. Entre os partidos que contam, é o único que tem crescido, ininterruptamente, em percentual de votos, em todas as eleições municipais desde 1996. Em número de prefeitos eleitos foi, depois do PT, o partido que mais cresceu nas urnas de outubro.

Em nenhuma região, o PSB é tão forte quanto no Nordeste. Foi lá que elegeu seus três governadores - Eduardo Campos (PE), Cid Gomes (CE) e Wilma Faria (RN). Nesses Estados, governa um eleitorado (13,8 milhões) superior ao dos três (Bahia, Piauí e Sergipe) comandados pelo PT (12,6 milhões) na região.

É do PSB do Nordeste o segundo nome na lembrança do eleitor para a corrida sucessória. Se não perder a cabeça no meio do caminho, uma eventual candidatura do deputado federal Ciro Gomes (CE) poderá vir a ser duplamente beneficiada pela crise. No Nordeste, pela identificação com o governo federal, ativo mais valorizado na região do que em qualquer parte. E, no restante do país, pelo estilo franco-atirador com que dispara sua fluente metralhadora de estatísticas econômicas sem a responsabilidade direta por uma administração. Esses perfis avulsos costumam crescer em tempos de crise.

O Nordeste tem 27% do eleitorado nacional, um pouco menos do que a soma dos eleitores do Sul, Norte e Centro-Oeste. Se nenhum candidato se viabiliza sem o Sudeste e seus 43% de eleitores, foi no Nordeste que o lulismo abriu uma dianteira alargada para compensar a derrota de 2006 no gigantesco colégio eleitoral paulista (22% do total).

O Datafolha desta semana mostra o quanto a região continua lulista - 40% dos entrevistados lhe dão nota 10 (média nacional é de 25%) e 81% avaliam sua administração como boa ou ótima. Mas a transferência de votos não está garantida, principalmente depois da ameaça de dura travessia em 2009.

Ciro, obviamente, tira votos da ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff. Mas a importância de sua candidatura para o presidente Luiz Inácio Lula da Silva pode crescer à medida em que ganha força o governador de São Paulo, José Serra.

Com respostas rápidas para a crise no Estado que será mais seriamente afetado, Serra já mostrou a que veio com um Orçamento para o próximo ano que, ao contrário do federal e do paulistano, como mostrou reportagem de Caio Junqueira no Valor (10/12), não prevê cortes.

A candidatura própria do PSB pode atender à simples necessidade de os governistas reduzirem o espaço de Serra em colégios eleitorais como o Nordeste e forçarem um segundo turno. O risco de que Ciro e não Dilma tome a dianteira sempre existirá e a coalizão governista terá que decidir se está disposta a corrê-lo.

A decisão começa a ser tomada este fim de semana no encontro nacional do PSB, no Recife, com a reeleição para seu comando de um dos governadores mais próximos do presidente (Eduardo Campos) e a escalação de Ciro Gomes e sua metralhadora giratória para o palanque da crise. Um e outro já mandaram seus recados na abertura do encontro. E apontam na direção da candidatura própria.

Maria Cristina Fernandes é editora de Política. Escreve às sextas-feiras

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