Curioso é o caso dos nossos partidos políticos: são todos primos-irmãos. Descendem do mesmo tronco, gerado pelo regime militar durante os anos de exceção. Depois da deposição de João Goulart, em 31.3.64, investido de plenos poderes pelo Ato Institucional de abril, o presidente Castelo Branco baixou o Ato Institucional nº 2, de outubro de 1965, com o qual extinguiu os partidos existentes.
Em novembro, o Ato Complementar nº 4 fixou normas de "criação, dentro do prazo de 45 dias, de organizações que terão, nos termos do presente Ato, atribuições de partidos políticos enquanto estes não se constituírem". Assim nasceram a Aliança Renovadora Nacional (Arena) e o Movimento Democrático Brasileiro (MDB).
Para viabilizá-los, foi utilizado o Fundo Partidário, instituído pela Lei 4.740, também de 1965. Definido como "fundo especial de assistência financeira", é formado com multas aplicadas nos termos do Código Eleitoral, recursos financeiros destinados por lei, e dotações particulares. Em outras palavras: a Aliança Renovadora Nacional e Movimento Democrático Brasileiro nasceram sob os auspícios do regime, aleitados e alimentados pelo dinheiro arrecadado dos sacrificados contribuintes.
A Lei 5.882, de 1971, revogou a anterior, mas não tocou no fundo. Por último, na vigência da Constituição de 88, a Lei 9.096, de 1995, fez o mesmo. Destarte, os partidos que conhecemos são netos da Arena e do MDB, dos quais herdaram o apreço e a dependência do dinheiro público.
Partidos políticos, diz o Código Civil, são pessoas jurídicas de direito privado, como empresas, associações, fundações, organizações religiosas, Não há motivo para serem custeados pelo orçamento federal enquanto escasseiam recursos para hospitais, escolas, transporte, segurança.
Informa o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) serem 30 os já registrados e vários com pedidos de registro. Os novos, como os demais, depois de serem oficializados, não se preocuparão com falta de recursos. Religiosamente, a cada mês, verão ser creditada a parcela que a lei lhes garante para consumir e abastecer diretórios regionais e municipais.
Não bastasse, a lei garante acesso gratuito às emissoras de rádio e televisão, no falso horário eleitoral gratuito. Gratuito para os partidos, não para o povo, que arcará com os custos mediante "compensação fiscal". Em termos simples: dinheiro que deveria ser revertido em favor dos contribuintes na forma de serviços públicos eficientes, é destinado para difundir propaganda enfadonha e desacreditada. Assegura-lhes, ainda, o uso gracioso de escolas públicas e casas legislativas para reuniões e convenções.
Insatisfeitos com tantos privilégios, espertos dirigentes passaram a reivindicar financiamento público de campanhas como instrumento, segundo dizem, de combate ao caixa 2. A presença de moeda pública obriga o TSE a operar como gigantesca organização contábil, com ramificações estaduais. Em vez de se dedicar, com exclusividade, à nobre função jurisdicional, consome parte do tempo na fiscalização de balanços e balancetes de pessoas jurídicas de direito privado, investiga doações, apura receitas, examina despesas.
É fácil compreender a proliferação de legendas despidas de conteúdo ideológico, cevadas com dinheiro drenado das classes trabalhadoras, empresários, servidores públicos, aposentados e todos quantos arquem sob o peso de tributos excessivos. No discurso do Sete de Setembro, disse a presidente Dilma que "o povo tem direito de se indignar". De fato, é o que lhe resta, impotente para se proteger contra a corrupção. O paternalismo do Estado, em benefício dos partidos, engrossa os motivos de incontida revolta.
As agremiações dissolvidas pelo Ato Institucional nº 2 não dependiam do erário. Algumas nascidas no estertor do regime Vargas, outras em seguida à queda do Estado Novo, todas cumpriram o papel que delas se esperava no esforço de reconstrução do Brasil democrático. Como contribuição ao projeto da reforma política, sugiro que se indague do eleitorado se concorda com a manutenção do Fundo Partidário, do horário eleitoral obrigatório e o financiamento de campanha pelo Tesouro Nacional. Serão perguntas simples, respondidas com singelos sim ou não.
Almir Pazzianotto Pinto, advogado, foi Ministro do Trabalho e presidente do Tribunal Superior do Trablho
Fonte: Correio Braziliense
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