O presidente eleito Jair Bolsonaro e seus filhos têm usado com frequência as redes sociais para colocar em dúvida o real tamanho das mudanças climáticas e suas causas. "O aquecimento global proporciona o dia mais frio do ano no Rio de Janeiro!", pareceu espantar-se o vereador carioca Carlos Bolsonaro, em uma mensagem no dia 17 de julho, como se o normal fossem picos de calor no auge do inverno. Reeleito com votação histórica, o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-RJ) usou um vídeo em janeiro para demonstrar, em meio à neve, diretamente de "um lugar nos EUA tão distante da linha do Equador quanto Buenos Aires", ceticismo igual ao do irmão, ignorando que a altitude corrige a latitude. (Há outros fatores, como a exigência de umidade e temperatura abaixo de zero nas várias camadas de ar, inclusive nas proximidades do solo, para evitar que partículas de gelo derretam ao longo da queda, tornando nevascas menos prováveis em grandes cidades do que em áreas fora das bolhas de calor urbanas).
Agora Bolsonaro precisará encarar a questão do clima levando mais em conta evidências científicas do que suas idiossincrasias. Ele já mostrou que pode mudar de opinião sobre um assunto tão importante como abandonar o Acordo de Paris, intenção da qual felizmente recuou. Quando falamos do frio que faz, nos referimos ao tempo, que pode flutuar de maneira independente das tendências de longo prazo. Clima designa os padrões de comportamento da atmosfera e dos oceanos, na escala de décadas, séculos, milênios.
É sobre esse último ponto que os cientistas do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) têm algo a dizer. Em outubro, no dia seguinte ao primeiro turno das eleições no Brasil, eles fizeram um alerta em tom apocalíptico: a humanidade tem mais 12 anos para limitar o aumento da temperatura a 1,5° C sobre os níveis pré-industriais. Doze anos. Para isso, é preciso alcançar, em 2030, uma redução de 45% das emissões de gases do efeito estufa na comparação com 2010 (base de referência do Acordo de Paris). Não atingir a meta significa elevar a temperatura do planeta em 2° C até o fim do século. Meio grau a mais multiplicaria os riscos de secas prolongadas, grandes inundações, calor extremo e pobreza.
O presidente eleito precisa se ater a fatos: não houve, nos bastidores da COP-21, qualquer conversa no sentido de criar a "AAA", suposto corredor de 136 milhões de hectares sob jurisdição internacional que começaria nos Andes, passaria pela Amazônia e terminaria no Atlântico, como o então candidato do PSL dizia durante a campanha. A ideia até chegou a ser lançada por um antropólogo que preside organização com sede na Colômbia, mas jamais foi objeto de debate sério entre governos, nem na ONU.
Caberá ao presidente manter o protagonismo brasileiro na questão ambiental, pelo qual obteve voz influente e atuação decisiva nas conferências do clima. Trata-se, ao fazer isso, afora cooperar com outras nações para que a ameaça do aquecimento seja contida, de proteger também sua política comercial. Emmanuel Macron, presidente da França, por exemplo, já deu um recado claro: bloqueará acordos de livre comércio da União Europeia, como o que se negocia entre UE e Mercosul, com parceiros que abandonem o Acordo de Paris.
Sem levar em conta ainda os motivos no campo da política externa e da política comercial, empenhar-se no combate ao desmatamento (principal fonte de emissões no Brasil) é crucial por razões internas. As recentes crises hídricas em São Paulo e em Brasília, por exemplo, são advertências de que a perda de cobertura vegetal na Amazônia já tem reflexos nas chuvas de outras regiões do país - essas, sim, localizadas na mesma latitude de desertos africanos e que só escapam da estiagem constante graças aos "rios voadores".
Na campanha, Bolsonaro desistiu de cometer outro grave erro, o de fundir o Ministério do Meio Ambiente com a Agricultura. Ele precisa dar demonstração de firmeza logo no início do mandato, pois o desmatamento da Amazônia voltou a crescer com força no trimestre encerrado em outubro, segundo o Inpe.
Bolsonaro tem a responsabilidade de coibir o enfrentamento ao Ibama por agricultores e madeireiros nas regiões de fronteira agrícola, e pedir para isso a ajuda de governadores - dois deles eleitos pelo seu partido, o PSL, em Roraima e Rondônia. Boa parte dos agricultores, e sua franja mais moderna, o defenderão nesta luta, pois desastres climáticos arruinarão seus negócios - e infernizarão a vida dos cidadãos brasileiros.
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