Valor Econômico
A demora de Motta, em justificar ao plenário o uso da força, coloca dúvidas sobre a sua liderança na demonstração de força dada pelo Centrão
Há um encadeamento de fatos fundamental para se entender o vencedor do jogo que se desenrolou nesta terça-feira no Congresso. A cronologia começou na quarta-feira passada, quando as chances de um impeachment futuro de ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) no Senado viraram fumaça com uma canetada do ministro Gilmar Mendes. Na sexta-feira, o ex-presidente Jair Bolsonaro pulverizou a articulação da cúpula do Centrão em torno de uma candidatura presidencial do governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), ao escolher o primogênito senador Flavio Bolsonaro (PL-RJ) como seu candidato em 2026. No domingo, Flavio declarou que sua candidatura tinha “um preço”. Na terça, o presidente da Câmara surpreendeu o Colégio de Líderes ao impor como pauta um combo que tinha como seu item número 1 o projeto da Dosimetria. Com a anuência do PL.
A proposta, uma vez aprovada a toque de
caixa, também no Senado, como sinalizou o presidente Davi Alcolumbre (União
Brasil-AP), livrará participantes dos atos golpistas de 8 de janeiro, em um
verdadeiro saidão de Natal. Mas manterá na tranca- por dois anos e quatro
meses, e não por 27 anos, como hoje- o ex-presidente, desta maneira
definitivamente fora de circulação durante o processo eleitoral.
Não é uma concessão pequena para o
bolsonarismo. Soou quase como uma rendição. Em entrevistas ao longo da tarde de
ontem, líderes bolsonaristas procuraram justificar para sua base o recuo. Mencionaram
como primeira linha de argumentação o suposto desprendimento do ex-presidente
em aceitar um projeto do qual não é o principal beneficiário. O segundo eixo
narrativo foi o pragmático: o ótimo é inimigo do bom, ou era isso, ou nada, não
há votos para aprovar a anistia. O terceiro foi o de administração de
expectativas: a dosimetria seria um “primeiro degrau”, para se obter no futuro
a liberdade plena para o ex-presidente. De concreto, o Centrão se torna credor
de Bolsonaro, acenando com um “meio termo”, como mencionou Alcolumbre ao
justificar do plenário do Senado aos seus colegas a urgência que pretende dar
ao tema.
A segunda demonstração de força do Centrão
foi um golpe mortal na esquerda, ao pautar a cassação de mandato por quebra de
decoro do deputado Glauber Braga (Psol-RJ). O pacote de Motta inclui também
enviar para a mesa diretora da Câmara o processo que cassa o mandato do
deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP) por excesso de faltas, mas há uma diferença
fundamental entre os dois casos, como o próprio Glauber destacou, antes de ser
retirado da cadeira da presidência da Câmara pela Polícia Legislativa, no meio
da tarde. Eduardo Bolsonaro perderá o mandato mantendo intacto seus direitos
políticos. Glauber se tornará inelegível por oito anos.
Projeto de Dosimetria reposiciona negociação
sobre eleição de 2026
Motta ainda pautou dois outros processos
simbólicos: o exame da perda de mandato de Alexandre Ramagem (PL-RJ) e Carla
Zambelli (PL-SP), foragidos depois de condenados com sentença transitado em
julgado. Ambos já perderam seus direitos políticos e a vida parlamentar, para
eles, já é inexequível.
A ação contra Glauber tem aspectos de
vendeta. O deputado responde por ter agredido um militante de direita que o
abordou nas dependências da Câmara, mas ninguém ignora no parlamento que o
motivo de fundo é outro: o deputado do Psol é suspeito de ter municiado o
Supremo com indícios de irregularidades em emendas parlamentares. Deu
combustível para o inquérito conduzido pelo ministro Flavio Dino no STF, que
contrabalançou o avanço do Congresso na condução do Orçamento, um dos pilares
do poder das cúpulas do Congresso sobre a base, que marcou sobretudo a passagem
do antecessor de Motta, o deputado Arthur Lira (PP-AL).
A energia com que a Polícia Legislativa agiu
contra Glauber passou a leitura para os parlamentares que Motta não usa a mesma
régua para todos os deputados que afrontam sua autoridade. Em agosto os
deputados bolsonaristas ocuparam o plenário por 30 dias sem ter havido
intervenção de força. A demora de Motta, em justificar ao plenário o uso da
força, coloca dúvidas sobre a sua liderança na demonstração de força dada pelo
Centrão. Só o fez depois de cobrado até por deputados de direita, ao ler um
tuíte publicado uma hora antes.

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