domingo, 18 de abril de 2010

Os discursos de Serra e Dilma:: Alberto Almeida

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

A cerimônia de lançamento de uma candidatura a presidente é um rito. Um rito cujo momento principal é o discurso do candidato. Uma análise visual acerca das palavras mais utilizadas por Serra e Dilma em seus respectivos eventos de lançamento revela, facilmente, as diferenças e semelhanças dos dois pronunciamentos.

Como não poderia deixar de ser, ao menos é o que pensamos toda vez que temos em mãos a análise visual do discurso já realizada, a palavra Brasil foi a mais utilizada pelos dois. É momento de campanha, ou melhor, de pré-campanha. Cumpre falar orgulhosamente do país que temos e daquele que queremos. Serra falou muito de Brasil e dos brasileiros. Dilma de Brasil e do filho do Brasil, Lula.

Eis uma diferença importante entre os dois, as menções a Lula. Obviamente, Dilma não foi econômica ao se referir ao seu principal cabo eleitoral. Serra, corretamente, o ignorou.

Aliás, corretamente do ponto de vista político, mas não necessariamente do ponto de vista da opinião pública. Lula ainda não é parte do passado. A maioria do eleitorado deseja a continuidade de seu governo. É útil para Serra, sempre que possível, referir-se elogiosamente ao governo Lula e assumir o compromisso, junto aos pobres principalmente, de dar continuidade a ele.

O recém-eleito presidente do Chile, Sebastián Piñera, próximo de nós não apenas no tempo, mas também no espaço, foi um candidato de oposição que prometeu dar continuidade ao governo da ex-presidente Michele Bachelet. Ele foi um candidato liberal que fez campanha a favor de temas não tão liberais assim, como, por exemplo, duplicar a licença-maternidade.

No Brasil, o equivalente seria um candidato de oposição prometer duplicar o Bolsa-Família, que na abrangência atual representa um gasto irrisório de 0,4% do PIB. Aliás, será que Dilma será a candidata da situação que quer acabar com o Bolsa-Família?

Dilma falou muito as palavras país, política, todos e social. Serra falou muito saúde, vida, país, governo e fazer. A presença e predominância de algumas palavras são tão reveladoras quanto a ausência ou pouca importância de outras.

Ambos falaram muito pouco dos pobres, dos pobres que sustentam a elevada popularidade de Lula. Quando se pergunta a Lula o que ele vai fazer a partir de 2011, ele diz que vai cuidar dos pobres da África. Na crise entre Bolívia e Petrobrás, Lula disse que o Brasil tinha de ceder porque há muitos pobres no nosso vizinho. Na crise de 2008, Lula afirmou que o Brasil passou bem por ela porque os pobres não pararam de consumir.

Lula, esse gênio da comunicação popular, ensina que nunca é demais falar dos pobres, defender os pobres, utilizar a palavra pobre. Aliás, foi Lula quem disse que quem precisa de governo são pobres, jamais as pessoas de renda mais elevada. Serra e Dilma fizeram seus primeiros discursos como (pré) candidatos. Faltou pobre no discurso. Pode se justificar dizendo que se tratou de um evento para o mundo político. Faz sentido. Porém, cumpre acompanhar o que vai ocorrer de agora em diante em relação aos pobres em seus discursos.

Uma ilustre ausência em ambos os discursos foi a da palavra imposto. Se alguém que não conhece o Brasil utilizar os dois pronunciamentos e suas palavras para detectar quais os principais problemas do Brasil, chegará à conclusão de que o imposto não é um deles. Saúde é. A questão social é. Mas os impostos, a carga tributária de 37% do PIB, os IPIs da vida, não são um problema grave.

O imposto foi um não-tema para os dois principais postulantes à Presidência da República. A redução do IPI da linha branca e de automóveis, com a consequente explosão de vendas desses itens, não foi suficiente para mostrar aos nossos líderes que um amplo programa de desoneração tributária sobre o consumo tem um enorme potencial de ser um excelente discurso de campanha e, assim, uma questão muito adequada para o primeiro discurso de grande importância, mesmo que fosse abordada em poucas palavras. Não houve palavra alguma sobre isso.

É sociólogo e autor do livro A Cabeça do brasileiro

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