quarta-feira, 12 de janeiro de 2011

Uma CPI para um problema de 500 anos:: Rosângela Bittar

DEU NO VALOR ECONÔMICO

A posição da educação na agenda de 2010, durante a campanha eleitoral, foi uma: primeiro lugar em preocupação dos candidatos, assunto preponderante nos discursos, promessa de prioridade total nos planos. Inúmeros programas da propaganda gratuita de rádio e televisão, tanto do governo quanto da oposição, foram ancorados nesta questão, uma das principais para a população, ao lado da saúde e da segurança. Depois das eleições, a educação caiu do galho. Em sua primeira manifestação após eleita, a presidente Dilma Rousseff já disse um ligeiro "a educação está encaminhada"... e passou aos assuntos seguintes.

Como o ministro da área foi um dos mantidos no cargo, não houve sequer aquela abordagem de fôlego renovado que as autoridades imprimiram às suas cerimônias de posse, aqueles votos de recuperação de erros passados e certeza de acertos futuros.

Este início, mais do que anódino com assunto de tamanha relevância, só reforçou um projeto do ex-governador, ex-ministro da Educação, ex-reitor da Universidade de Brasília, ex-petista, senador em segundo mandato Cristovam Buarque (PDT-DF). Ele havia apresentado, em 2007, uma proposta de criação de Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Educação, conseguiu um número folgado de assinaturas, a mesa do Senado promoveu sua aprovação mas, quando os trabalhos iam começar, o ministro da Educação, Fernando Haddad, convenceu a base governista a retirar as assinaturas e negar seu apoio à medida.

Segundo Cristovam, o ministro não compreendeu que sua iniciativa não era contra o governo Lula nem a administração Haddad no MEC, mas uma forma de utilizar instrumento contundente para chamar atenção para a gravidade de um problema que tem, no mínimo, 500 anos.

Este ano, na reabertura da sessão Legislativa, em fevereiro, o senador pretende retomar o projeto pois considera insuficientes os sinais emitidos pelo governo de que promoverá a necessária revolução na educação.

"Tenho a sensação de que pelos passos iniciais vai continuar uma simples e ligeira evolução. Evolução que é tão simples e ligeira que continua deixando a gente cada vez mais para trás", diz. Na sua análise, isso ocorre por duas razões: "Os outros estão fazendo um esforço maior e vão deixando o Brasil para trás com relação a eles; e, depois, as exigências da educação crescem tanto que mesmo que a gente melhore um pouco ficamos para trás com relação às exigências".

Os exemplos são inúmeros, cita o senador, e refere-se a alguns deles: até poucos anos atrás uma pessoa que não soubesse ler conseguia fácil um emprego de empregada doméstica. Hoje, não consegue mais. A exigência aumentou. Hoje um garçom precisa saber mexer com um pequeno equipamento eletrônico, um computadorzinho.

Cristovam conta que estava em viagem a Maragogi (AL) quando foi apresentado a dois europeus que acabavam de desistir de fazer investimentos na região, no ramo da criação de cavalos, porque não encontraram mão de obra qualificada. Conversou com eles sobre o que seria necessário saber para desempenhar as tarefas de vaqueiro e ouviu, como resposta, algo que só reforça sua ideia de que a educação precisa passar por uma revolução: "Eles informaram que os cavalos custam de três a quatro milhões de reais, não podem ficar nas mãos de quem não saiba, por exemplo, ler em inglês as bulas de remédios, todos importados. Além disso, contaram que os cavalos são acompanhados com registros, de hora em hora, no computador, sobre o que comeram, o que beberam, remédios, quanto saltaram, quanto correram, para que sejam acompanhados da Europa".

Na transição de governo, Cristovam levou suas ideias de revolução da educação e deixou-as com José Eduardo Cardozo, o atual ministro da Justiça, que era um dos coordenadores dos trabalhos. Começou sugerindo que um bom sinal de mudança seria concentrar o Ministério da Educação na educação de base, deixando o ensino superior para um ministério próprio ou retomando a antiga ideia de absorvê-lo no Ministério da Ciência e Tecnologia, como fazem vários países.

"A primeira coisa para fazer a revolução é o governo federal dizer: eu tenho a ver com a educação de base. Hoje ele diz que isso é dos Estados e municípios".

Cristovam defende, como segunda providência, a criação de uma carreira nacional do magistério. Com esta e com um programa sério de qualidade educacional - que eleve prédios, construa quadras, melhore os equipamentos, vá fazendo horário integral - vai-se fazendo a revolução, sem necessidade sequer de mudanças na Constituição.

E onde entra a CPI nesse processo? Para o senador, é preciso dar força à ideia pelo entendimento das razões pelas quais a Educação está atrasada e dar divulgação a isso. Ele poderia fazer um estudo, mas ninguém tomaria conhecimento. Na CPI, as pessoas falarão sobre o assunto, debaterão com os parlamentares, apresentarão suas avaliações pela TV Senado. "Se eu estivesse no século XIX, ia pedir uma CPI da escravidão. Como estou no 21, quero uma CPI do analfabetismo, uma CPI da educação de base".

CPI - diz - não é para investigar só corrupção, até porque há dois tipos de corrupção, "a do comportamento do político e a corrupção das prioridades erradas, que rouba mais o país".

A CPI, reafirma Cristovam, não é contra o governo, que não é o culpado. "Somos todos nós os culpados". O senador recomeça a coleta de assinaturas em fevereiro, na reabertura do Legislativos, e como toda CPI precisa de um fato determinado a justificá-la, a ementa será "o Brasil está ficando para trás, está ficando indefeso, está ficando em risco".

Uma coisa avançou na educação brasileira, diz Cristovam: a consciência de que ela está ruim.

O senador se diz muito esperançoso com Dilma. "Ninguém foi guerrilheiro à toa". Lula, a seu ver, é um gênio. "Mas a formação dele é sindical, fez a política da reivindicação e do atendimento às reivindicações. Não é da transformação, da construção do novo. Ele atendeu bem às reivindicações das famílias mais pobres, dos empresários, dos banqueiros. Mas não fez um retrato do Brasil daqui a 20 anos".

Rosângela Bittar é chefe da Redação, em Brasília. Escreve às quartas-feiras

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