Dois erros opostos estão sendo cometidos na reação ao julgamento do
mensalão. Aproveitar-se politicamente do momento doloroso para um grupo
político, dizendo que ele é a condenação de um único partido; acusar o Supremo
Tribunal Federal de ser um tribunal de exceção. Setores da oposição cometem o
primeiro; o PT é responsável pelo segundo, e pior, dos erros.
O segundo é mais perigoso porque enfraquece a confiança na democracia.
Alguns dos que fazem a acusação ao STF já enfrentaram tribunais de exceção e
sabem exatamente a diferença de ser julgado pela Justiça Militar, sem direito
de defesa e com leis criadas pela ditadura. Agora, todos têm amplo direito de
defesa, as leis que recaem sobre eles são legítimas, o devido processo legal
tem sido seguido, todo o debate é aberto e transparente, a sentença é
colegiada.
O primeiro é um equívoco de quem não entende, ou não quer entender, o
sentido da travessia que o país está fazendo. A lei da ficha limpa e o
julgamento do mensalão são etapas do processo de aperfeiçoamento da democracia
representativa. O país quer representantes nos quais confiar, quer critérios de
exercício de poder que separem o público do privado, quer transparência e
prestação de contas no uso do dinheiro coletivo.
Há vários sinais de que a nova etapa da busca de maior qualidade da
democracia é uma exigência do país como um todo. Os condenados têm feito
acusações de que há uma suposta conspiração da "mídia conservadora" e
que o Supremo se comporta como uma corte das ditaduras. O mais correto é que
vissem o que cometeram de errado, para aprender com os erros. A acusação é
lesiva, perigosa, injusta e falsa.
Provavelmente a imprensa cometeu erros na cobertura e tem que humildemente
ver onde estão os equívocos e eventuais excessos para corrigi-los. Mas a acusação
de conspiração é um delírio. A imprensa está acostumada com as críticas,
algumas fundamentadas, outras resultado da natural tendência de culpar-se o
mensageiro. Imprensa não é um conceito monolítico, há vários meios, opiniões
diferentes e escolhas editoriais divergentes.
O mais perigoso para a democracia é que os réus e seus apoiadores acusem o
órgão máximo do Poder Judiciário. As acusações são mentirosas e minam a
confiança num pilar da democracia. A cúpula do PT quando faz isso reproduz a
mesma atitude torta do início de sua vida como partido, quando costumava não
reconhecer as derrotas e levantar aleivosias de fraude.
Até a imprensa internacional já entendeu a impossibilidade de ser tudo um
golpe contra o governo. Primeiro, porque ele já concluiu seu mandato. Segundo,
porque o Supremo tem a maioria de integrantes nomeados nos mandatos de Lula e
Dilma e os procuradores-gerais foram escolhidos pelo ex-presidente e a atual
mandatária. A tese não tem a mínima plausibilidade e é um atentado à confiança
no Estado de Direito.
É um momento doloroso para o Partido dos Trabalhadores. Dois dos seus
ex-presidentes e dirigentes estão sob a ameaça concreta de irem para a prisão.
Alguns já estiveram presos por motivos que engrandecem suas biografias. Mas, como
bem explicou a ministra Cármen Lúcia, não se está julgando biografias. E alguns
dos réus têm muito do que se orgulhar em suas trajetórias de vida. Os acertos
antigos não lhes deram imunidade. Os erros atuais não tiram o mérito dos velhos
atos de bravura.
O que está sendo condenado é o uso do aparato de Estado como propriedade
partidária para um projeto de perpetuação no poder. Isso é inaceitável em
qualquer partido. Essa é a grande lição.
Fonte:
O Globo
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