As declarações da presidente Dilma Rousseff contra os argumentos do ministro conselheiro Eduardo Saboia foram descabidas e contraditórias. Uma chefe de Estado não deveria estar em público debatendo com um funcionário e, pior, ao negar o que ele disse, acabou confirmando. Segundo ela, o governo brasileiro "tentou negociar" (o salvo-conduto) diversas vezes "e não conseguimos".
A Convenção de Caracas determina que se o asilo é concedido por um país, o outro, dentro de um tempo razoável, dá o salvo-conduto. Não é preciso mendigar por isso, considerando normal um prazo longo como 450 dias. Nesse período, o asilado ficou literalmente prisioneiro e comprovou-se a tibieza da diplomacia brasileira.
A presidente Dilma disse que a embaixada do Brasil em La Paz "é bastante confortável" e nisso mostrou uma inesperada insensibilidade para quem viveu o que ela viveu. O senador Roger Pinto Molina não tinha direito de ir e vir, seus aposentos tinham 20 metros quadrados, não tomava banho de sol, não podia dar entrevistas, tinha as visitas controladas. Isso não é nada "confortável". Pior ainda é a espera indefinida. Por quanto tempo mais o Brasil acha que seria razoável esperar por esse salvo-conduto? Se o governo tivesse demonstrado firmeza na negociação, certamente isso já teria sido resolvido da maneira convencional há muito tempo.
O governo brasileiro poderia não ter concedido asilo, se considerasse que Molina não era um perseguido político, e sim um criminoso comum. Dado que concedeu, tinha que lutar para que fosse respeitado o Direito Internacional. Até as ditaduras latino-americanas permitiram que os asilados saíssem das embaixadas para o avião. Mesmo após alguma relutância.
Segundo a presidente - na bronca dada através da imprensa ao funcionário do Itamaraty, o "Brasil não poderia colocar em risco a vida de uma pessoa que estava sob a sua guarda". A dúvida é quem colocou em risco a vida do senador boliviano: foi o diplomata que o tirou de uma situação insustentável ou o Itamaraty com sua indiferença?
O embaixador brasileiro Marcel Biato foi afastado do posto por exigência feita pelo governo boliviano à qual vergonhosamente cedemos; o encarregado de negócios, ministro Eduardo Saboia, veio duas vezes ao Brasil e nunca conseguiu demonstração de interesse dos seus superiores pelo caso. O asilado, em depressão, ameaçava suicídio. E se ele se matasse na embaixada do Brasil? Saboia pode ter livrado o Brasil de um constrangimento internacional.
O caso é revelador de uma política externa equivocada, inaugurada há dez anos, e que não tem relação com a tradição e o passado do Itamaraty. O Brasil sempre se relacionou com seus vizinhos de forma pacífica, mas se fazendo respeitar. E por se fazer respeitar me refiro ao uso adequado dos instrumentos diplomáticos de persuasão. E há um cardápio enorme deles. Nenhum é aceitar desaforos indefinidamente.
Só para ficar no caso da Bolívia, lembremos a desrespeitosa revista ao avião do ministro Celso Amorim e a invasão, com tropas do Exército, das refinarias que a Petrobras tinha na Bolívia. Se quisesse comprar de volta as empresas que havia privatizado, bastaria o governo da Bolívia avisar. Sua proposta seria aceita. O ato de força, com fanfarra política, foi inexplicável. Mas mais espantosa foi a maneira cordata como o Brasil reagiu, sem sequer uma demonstração de desagrado. Ficou autorizado o presidente Evo Morales a impor ao Brasil qualquer humilhação a partir daquela data. E é o que tem feito.
Fonte: O Globo
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