- O Globo
Católico devoto, Eduardo Campos operou com sua morte alguns "milagres". O primeiro foi tornar-se conhecido nacionalmente de um dia para o outro, o que não conseguiu em vida, apesar de seus esforços. Outro foi reunir em torno de seu caixão adversários inconciliáveis, como os candidatos Dilma e Aécio, em clima de harmonia e respeito à diferença (Lula, muito amigo de seu ex-ministro, chegou a chorar). Será que vai perdurar na campanha esse ambiente de civilidade? O choque e a comoção da tragédia também serviram para reaproximar do processo eleitoral pessoas que estavam descrentes do voto. Ouvi gente dizendo: "Por ele, voto na Marina", o que foi confirmado na pesquisa de anteontem do Datafolha, quando o número de votos nulos e em branco caiu de 13% para 8%, e o de indecisos, de 14% para 8%.
Durante o enterro, pôde-se observar que a morte do marido tirou a alegria de Renata e de seus filhos, mas não o entusiasmo e a energia dessa família admirável, que acabou transformando o cortejo numa impressionante cerimônia cívica, mais do que fúnebre, com músicas, slogans, Hino Nacional e palavras de ordem - um astral que tinha tudo a ver com o "guerreiro do povo brasileiro", sempre otimista.
Esse temperamento leve e tolerante ajudou-o muito a manter estável uma parceria cheia de contradições com sua vice, aparando arestas com aliados e atenuando seu viés conservador em matéria de religião e de temas como casamento gay. Marina deu muito trabalho a Eduardo. Mas agora quem vai ter é ela, ao enfrentar resistências internas e precisar pôr em prática um programa que não é incondicionalmente o seu e manter alianças do PSB com as quais não concordava, como no Rio e principalmente em São Paulo, onde se recusava a subir em palanque com Alckmin, cujo vice é o socialista Márcio França. Como se comportará quando a condição de candidata à Presidência exige mais flexibilidade e uma posição mais ampla?
Ainda sob o impacto de uma perda trágica, é cedo para se fazer sentir o "efeito Marina" em toda a sua extensão, embora nesse levantamento do Datafolha ela já tenha mexido com o cenário eleitoral. Os 21% de intenção que teria, contra 20% de Aécio e 36% de Dilma, seriam suficientes para levar as eleições a um segundo turno, com chances de ela ir junto. Se fosse, a projeção hoje é que ganharia da candidata do PT por 47% a 43%.
Mas esse talvez ainda seja o "efeito Eduardo Campos", o resultado positivo de seu legado - uma espécie de retribuição pelo fato de o Brasil ter desistido de quem tão generosamente se dispunha a não desistir dele.
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