• Se sofreu pressões indevidas, Tombini deveria revelá-las
- Valor Econômico
O discurso do novo presidente do Banco Central (BC), Ilan Goldfajn, perante a Comissão de Assuntos Econômicos do Senado (CAE) é um sinal de que, pelo menos na área econômica, ensaia-se em Brasília uma volta à normalidade. Nos últimos cinco anos, o governo Dilma Rousseff, ao implodir o arcabouço de política macroeconômica que o país seguia com razoável sucesso desde meados de 1999, jogou o Brasil numa das mais severas crises de sua história.
"Atravessamos a pior recessão da história brasileira, com desemprego em alta e relevante desafio fiscal", disse Ilan, na CAE, sem nenhuma preocupação em dourar a pílula. "Há problemas conjunturais e dificuldades estruturais. A incerteza econômica paralisou o investimento e sequestrou a esperança de muitos."
O novo comandante do BC procurou, em seu discurso e nas respostas dadas durante a sabatina, repor o que havia antes de iniciada a aventura da "Nova Matriz Econômica", de triste memória. Disse, por exemplo, que, sem inflação na meta (isto é, baixa e sob controle), não há recuperação econômica nem muito menos progresso social.
A insistência no fato de que a inflação é o pior dos impostos porque, sendo um dos mais regressivos, penaliza principalmente os menos favorecidos é relevante porque, no Brasil, ainda há quem não acredite nisso. Ilan lembrou que a principal missão constitucional do BC é assegurar a estabilidade do poder de compra da moeda.
Não há nessa missão a exclusão da preocupação com o emprego, como fazem crer os críticos do texto constitucional brasileiro. Para assegurar a estabilidade de preços, o Banco Central segue o regime de metas para inflação, que, em sua essência, prevê a perseguição da meta ao longo do tempo, procurando suavizar choques monetários e evitar, assim, a geração de recessões profundas e duradouras. O regime é, por natureza, flexível.
Dilma Rousseff acredita que uma inflação "um pouco maior" permitiria ao país crescer num ritmo mais rápido. Em suas falas, jamais se referiu a 4,5% como a meta a ser perseguida, mas sim a 6,5%, o teto do regime. Ao fazer isso, sinalizou ao mercado e aos brasileiros em geral que, em sua gestão, o teto do regime era o piso.
A premissa estava errada. No reinado de Dilma, de 2011 a 2015, o IPCA anual médio foi o mais alto (7,1%) desde a adoção do regime de metas, em 1999, e o crescimento médio anual do Produto Interno Bruto (PIB), o menor (1%). De 1999 a 2010, quando prevaleceu o respeito ao tripé de política econômica (regime de metas, superávit primário e câmbio flutuante), a inflação anual média foi de 6,8% (inflada pela desvalorização do real em 1999 e 2002/2003), enquanto o PIB avançou, em média, 3,5% por ano.
A superação da inflação crônica e da hiperinflação das décadas de 70, 80 e 90 do século passado fez muitos acreditarem que ter um índice de preços ao consumidor "um pouco acima" da meta não faz mal. Faz, sim. No ano passado, a inflação brasileira, medida pelo IPCA, chegou a 10,7%, muito superior à média de qualquer grupo a que se compare - mercados emergentes e países em desenvolvimento (4,7%), economia avançadas (0,6%) e mundo (2,9%).
Depois de vencer, a batalha da hiperinflação com o Plano Real, lançado em 1994, o Brasil voltou a ter uma das maiores inflações do mundo. Além de desorganizar a economia, aumentar a concentração de renda e punir os mais pobres, a inflação alta diminui a competitividade do país frente à maioria de seus parceiros comerciais.
Ilan sepultou, em seu discurso, o que chama de "falacioso dilema" entre manutenção de inflação baixa e crescimento econômico. " Nossa história recente bem demonstra que níveis mais altos de inflação não favorecem o crescimento econômico, pelo contrário, desorganizam a economia, inibem o investimento, a produção e o consumo e impactam negativamente a renda, o nível de emprego e, por fim, o bem-estar social, especialmente das classes menos favorecidas", observou.
O novo presidente do BC enfatizou bastante a necessidade de se trazer o IPCA para o centro da meta, de 4,5%, porque este nunca foi um compromisso da gestão anterior. A última vez em que a inflação em 12 meses esteve na meta foi em agosto de 2010 (4,49%). Componente relevante da inflação, as expectativas dos agentes econômicos, por sua vez, estão distantes da meta desde meados daquele ano.
É possível que o trabalho de Alexandre Tombini, o antecessor de Ilan, seja julgado um dia levando-se em conta as pressões que ele sofreu do Ministério da Fazenda e do Palácio do Planalto, o consórcio inflacionário dos anos Dilma. Ele faria um enorme bem ao país se revelasse ao público o que sabe para que, daqui em diante, instituições como o Banco Central e o Tesouro Nacional não sofram de igual tirania. No afã de colaborar com o projeto político de Dilma, Tombini cometeu seus próprios erros, como, entre outros, dizer certa feita que o país tinha uma inflação "basal" de 5,5%, baixar os juros na marra, tratar o mercado financeiro com enorme preconceito e mudar a política monetária de forma abrupta, apenas para satisfazer os caprichos da primeira mandatária - ademais, se não concordava com o que Dilma lhe pedia, poderia ter pedido demissão na campanha de 2014, quando a propaganda eleitoral de sua chefe afirmara, numa sequência de peças infames, que dar independência ao BC seria como tirar comida da mesa do trabalhador.
Por causa disso, ontem Ilan defendeu abertamente a concessão de autonomia formal ao BC. "Não se trata de ambição ou desejo pessoal, mas de medida que beneficia a sociedade mediante a redução das expectativas de inflação, da queda do risco país e da melhora da confiança, todas essenciais para a retomada do crescimento de forma sustentada."
O economista deixou claro que a eficiência da política monetária que pretende conduzir depende da implantação de reformas e "na recuperação da responsabilidade fiscal". Ele também pontuou que vê numa atuação "harmônica e autônoma" entre Fazenda e BC um "fator-chave" para o sucesso da nova política, isto é, para a recuperação econômica sustentável do país.
A mensagem foi importante porque, embora seja um dos economistas mais preparados do país para comandar o Banco Central neste momento, Ilan não foi uma escolha do ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, mas, sim, do presidente interino, Michel Temer.
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