quarta-feira, 8 de junho de 2016

Os riscos políticos da ação de Janot

Por Raymundo Costa, Carolina Oms, Maira Magro e Letícia Casado – Valor Econômico

BRASÍLIA - O pedido de prisão das cúpulas do PMDB e do Congresso tem o poder de paralisar o Legislativo, embaralhar o processo de impeachment e, no limite, levar a uma crise institucional. Mas a aprovação do nome do economista Ilan Goldfajn para a presidência do Banco Central também mostra que a aliança que fez o impeachment da presidente Dilma Rousseff e empossou Michel Temer é um consórcio forte o bastante para se efetivar no poder, apesar da crise.

Ilan foi a terceira vitória importante de Temer no Congresso, em menos de um mês. As duas primeiras foram a aprovação da meta fiscal e da DRU, propostas que a presidente afastada não conseguiu obter. A crise, no entanto, não é subestimada no Palácio do Jaburu. A temperatura política voltou a subir. O Senado aguarda em suspense e com apreensão a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre as prisões. O plenário da Casa decidirá se acata ou não os pedidos.

O procurador-geral da República, Rodrigo Janot, pediu a prisão do presidente do Senado, Renan Calheiros, do presidente afastado da Câmara, Eduardo Cunha, do ex-presidente da República José Sarney e do senador Romero Jucá, todos do PMDB, por tentativa de obstruir as investigações da Operação Lava-Jato. No caso de Sarney, o pedido é de prisão domiciliar com uso de tornozeleira eletrônica por causa de sua idade avançada, 86 anos. Os pedidos de prisão contra Renan, Sarney e Jucá foram enviados ao ministro Teori Zavascki, relator da Lava-Jato no Supremo Tribunal Federal, na semana passada.


O procurador-geral pediu também o afastamento de Renan do cargo de senador e da presidência da Casa, conforme antecipou o Valor na semana passada. Se o pedido for acatado, Câmara e Senado ficarão acéfalas, pois o deputado Eduardo Cunha está afastado e com o mandato suspenso pelo STF. Janot apostou alto ao pedir a prisão de toda a cúpula. Pode sair com a credibilidade abalada para prosseguir com a Lava-Jato, se for derrotado.

Janot tira força de Temer em dia de vitória no Senado
O pedido de prisão da cúpula do Congresso tem o poder de paralisar o Legislativo, embaralhar o processo de impeachment e - no limite - levar a uma crise institucional. Mas aprovação do nome do economista Ilan Goldfajn para a presidência do Banco Central, pelo plenário do Senado, também mostra que a aliança que fez o impeachment da presidente Dilma Rousseff e empossou Michel Temer é um consórcio forte o bastante para se efetivar no poder, apesar da crise que ontem se abateu no Congresso.

É a terceira vitória importante de Temer no Congresso, em menos de um mês. A primeira foi a mudança da meta fiscal; a segunda, a aprovação da DRU. Mas a crise deflagrada pelos pedidos de prisão não é subestimada no Palácio do Jaburu. A temperatura política voltou a atingir grau máximo de ebulição, a exemplo do que aconteceu quando a presidente afastada tentou nomear o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva para a Casa Civil da Presidência, a fim de lhe assegurar a cobertura do foro privilegiado.

Na atual crise, não existe uma solução boa para o governo Michel Temer. O máximo que o interino pode fazer é contornar as curvas mais perigosas. A cúpula do PMDB foi atingida em cheio pela Operação Lava-Jato e pelas denúncias de que manobra para obstruir as investigações. À primeira vista, houve no Palácio do Planalto quem achasse que a ação do procurador Rodrigo Janot seria positiva, pois tirava a crise de dentro do governo e a jogava inteiramente sobre as cúpulas do Congresso. Ledo engano. Não há como apartar as crises.

O Planalto ainda deve explicações convincentes sobre por que demitiu os ex-ministros Romero Jucá (Planejamento) e Fabiano Silveira (Transparência), apanhados em conluios contra a Lava-Jato, e mantem Henrique Eduardo Alves (Turismo), enrolado até o pescoço na investigação sobre o desvio de recursos da Petrobras. Tudo o que hoje diz respeito à Lava-Jato tem o poder de arrastar o governo do interino para o centro da crise.

O Congresso ameaça parar, à espera da decisão do ministro do STF Teori Zavascki, relator da Lava-Jato. Até o início da noite de ontem não havia articulação no Supremo para votar uma decisão de Teori, a exemplo do que aconteceu quando foram votados o pedido de prisão do senador Delcídio Amaral e o afastamento do deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ) da presidência da Câmara.

O pedido de prisão do presidente do Senado, Renan Calheiros, tem o poder de embaralhar o impeachment porque, se for acatado pelo STF, deixa o comando do processo nas mãos de dois críticos do afastamento de Dilma Rousseff: o senador Jorge Viana (PT-AC), primeiro-vice presidente do Senado, e o ministro do STF Ricardo Lewandowski, que preside a comissão do impeachment na condição de presidente da suprema corte.

O impeachment não era a solução dos sonhos para Renan, mas o senador alagoano parecia cada vez mais conformado com a ideia de que a saída de Dilma era um fato consumado. Na condução dos trabalhos, Renan dá espaço para os senadores Lindbergh Farias (PT-RJ), Gleisi Hoffmann (PT-PR) e Vanessa Grazziotin (PCdoB-AM), os cães de guarda da presidente afastada, mas não deixa que eles cheguem ao ponto de impedir o andamento das sessões. O mesmo não se espera de Jorge Viana, para quem o impeachment foi um golpe.

O pedido de prisão de Janot também inclui o senador Romero Jucá, afastado do ministério por causa da Lava-Jato, um dos mais hábeis articuladores do PMDB no Senado. Não é possível dizer que o impeachment perderia um voto, com a prisão do senador, porque o suplente de Jucá também votaria a favor. O ex-senador José Sarney (PMDB-AP) não vota, mas seus aliados devem chancelar o afastamento definitivo de Dilma. O deputado Eduardo Cunha, cuja prisão também foi pedida por Janot, não vota no processo do Senado.

Trata-se de uma decisão difícil para o ministro Zavascki. A concessão dos pedidos de prisão dos senadores pode levar a um impasse institucional, se o Senado, ao examinar a decisão, resolver recusá-la: a prisão de qualquer parlamentar no exercício do mandato, mesmo em casos de flagrante delito, requer a confirmação da Casa a que pertence o congressista - Senado ou Câmara. Foi assim com Delcídio, mesmo preso em flagrante em crime inafiançável. Os líderes dos principais partidos do Senado demonstram que não devem aceitar passivamente a decretação da prisão dos senadores, sem motivos fortes e base jurídica consistente.

Para o governo, resta uma lição: não há como brigar com a Lava-Jato. Anteontem, segunda-feira, o presidente interino Michel Temer mandou recados para o ministro do Turismo, Henrique Eduardo Alves, entregar o cargo. O ministro, também foi apanhado nas investigações sobre o desvio de recursos da Petrobras, fez que não ouviu: ignorou os avisos e mais tarde foi confirmado no cargo. Esse tipo de sinal trocado é que Temer não pode mais se permitir. O governo Dilma é uma prova de que não há como brincar com a Lava-Jato.

Se Teori negar o pedido de Janot ou se aceitar apenas a parte referente a Eduardo Cunha, pouco ou quase nada diminui o tamanho da crise: o processo de impeachment no Senado passa a ser comandado por alguém (Renan Calheiros) sob a suspeição de ter interesse próprio no afastamento de Dilma. Nessa hipótese, também sairia abalada a credibilidade do procurador Rodrigo Janot, que teria acionado o Supremo num assunto com essa gravidade sem a segurança de que o pedido era aplicável. A expectativa é que haja muito mais do que o até agora revelado.

STF irá decidir prisão de cúpula do PMDB
O procurador-geral da República, Rodrigo Janot, pediu a prisão do presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), do presidente afastado da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), do ex-presidente da República José Sarney (AP) e do senador Romero Jucá (RR), presidente do PMDB, por tentativa de obstruir as investigações da Operação Lava-Jato. No caso de Sarney, o pedido é de prisão domiciliar com uso de tornozeleira eletrônica por causa de sua idade, 86 anos.

Os pedidos de prisão contra Renan, Sarney e Jucá foram enviados ao ministro Teori Zavascki, relator da Lava-Jato no Supremo Tribunal Federal, na semana passada.

Esta é a primeira vez que a PGR faz um pedido de prisão de um presidente do Congresso e de um ex-presidente da República. A informação sobre os pedidos de prisão contra Renan, Sarney e Jucá foi divulgada ontem pelo jornal "O Globo" e a de Cunha pela TV Globo.

O procurador-geral pediu também o afastamento de Renan do cargo de senador e da presidência da Casa - antecipado pelo Valor na semana passada. Neste caso, a PGR usou como base argumentos semelhantes aos que geraram o pedido de afastamento de Cunha do cargo de deputado e do comando da Câmara, feito no ano passado e deferido em maio.

Rodrigo Janot fez os pedidos com base em material da delação premiada do ex-presidente da Transpetro Sérgio Machado - incluindo gravações em que os políticos aparecem defendendo medidas para barrar as investigações do esquema de corrupção da Petrobras apurado pela Operação Lava-Jato.

Afilhado político de Renan Calheiros, Sérgio Machado disse em sua delação que pagou R$ 70 milhões desviados de contratos da Petrobras para os caciques do PMDB, usando inclusive doações em campanhas eleitorais para lavar o dinheiro.

Todos os políticos divulgaram notas nas quais dizem estranhar o pedido de prisão feito pelo procurador e rechaçam as acusações de obstruir a investigação da Lava-Jato.

A partir de agora, Teori deve submeter ao plenário do Supremo sua decisão sobre os pedidos de prisão de Renan e de Cunha, presidentes das Casas legislativas. Pelo regimento do STF, um pedido de prisão de um senador ou deputado seria avaliado pela segunda turma, composta por cinco ministros. Já no caso dos presidentes das Casas, seria avaliado pelo plenário, composto pelos 11 ministros.

Não há prazo, no entanto, para o ministro tomar alguma decisão sobre os pedidos da PGR. O afastamento de Cunha, por exemplo, foi pedido em dezembro e decidido em maio, depois que ele tinha se tornado réu. Renan é investigado mas não é réu na Lava-Jato.

Ontem, advogados dos políticos tinham a expectativa de que o caso poderia entrar na pauta de hoje da Corte, primeiro dia de sessão do plenário do Supremo nesta semana.

No caso de uma eventual prisão preventiva, como ocorreu no caso do ex-senador Delcídio do Amaral (ex-PT-MS), o Congresso deve manter ou não a decisão do Supremo. Para a prisão de parlamentar em exercício, a constituição exige a votação no Senado, no caso de senadores, ou na Câmara, no caso dos deputados.

A Constituição determina ainda que a prisão de parlamentar só pode ocorrer em caso de eventual flagrante. Em novembro, ao determinar a prisão de Delcídio, Teori acolheu a argumentação de Janot de que a atuação como organização criminosa para obstruir a Justiça seria um "flagrante permanente".

Já no caso de Cunha, o pedido está amparado principalmente em uma representação apresentada pelo deputado José Carlos Araújo (PR-BA), presidente do Conselho de Ética da Câmara, que se diz alvo de ameaças e intimidações de Cunha e seus aliados.

Araújo entregou documentos a Janot nos quais acusa Cunha de fazer manobras para intimidá-lo e atrapalhar o andamento do processo de cassação no Conselho de Ética da Câmara - por exemplo, representações protocoladas por políticos baianos contra Araújo na Corregedoria da Câmara, no momento marcado para a entrega do relatório sobre o processo.

Na avaliação de procuradores, a suspensão do mandato de Cunha, determinada em maio pelo STF, não foi suficiente para impedir o deputado de continuar atuando em seu benefício próprio e ele teria continuado atuando para interferir no comando da Câmara.

Pela manhã, ao sair de uma reunião na sede da PGR, em Brasília, Janot evitou comentar o assunto ao ser abordado por jornalistas. "Não confirmo nada", disse o procurador-geral enquanto caminhava a passos rápidos para seu gabinete.

Mais tarde, o ministro Gilmar Mendes criticou o vazamento da informação de que a PGR fez os pedidos de prisão. Os pedidos de prisão Renan, Jucá, Cunha e Sarney estão ocultos no sistema do STF, ou seja, não aparecem na busca que pode ser feita pela internet. E também estão em segredo de Justiça, o que desautoriza a divulgação do material.

"Isso é abuso de autoridade claro. É preciso ter muito cuidado com isso e os responsáveis têm que ser chamados às falas", disse o ministro a jornalistas ao entrar na sessão da turma no STF.

Gilmar criticou os recorrentes vazamentos de processos ocultos ou sigilosos à imprensa: "Isso é uma brincadeira com o Supremo. É preciso repudiar isso de maneira muito clara". Teori não quis falar com a imprensa ao chegar à sessão de julgamentos no STF.

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