- O Globo
Candidato errou ao subestimar Marina Silva e enfrenta resistência do voto feminino, maioria do eleitorado
Pelo lado avesso, Jair Bolsonaro (PSL) conseguiu cristalizar na campanha presidencial o debate sobre a desigualdade de gênero no país. Isso ficou claro no debate do fim da noite de sexta-feira, na Rede TV!, quando ele escolheu desafiar Marina Silva (Rede).
Não aconteceu por acaso. Ele lidera as pesquisas de intenção de voto, nos cenários sem Lula do Datafolha, e Ibope. Ela desponta em segundo lugar, a curta distância.
Depois de um quarto de século de insossa vida parlamentar, Bolsonaro percebeu a chance de assumir o papel de porta-voz da massa conservadora e evangélica que emerge no eleitorado.
Ele aposta na suposição de uma maioria nacional ávida por um governo forte, comandado por um homem de pele branca, um tipo de ex-militar que carregue embaixo do braço o plano de aquartelamento da sociedade no fundamentalismo bíblico, com a missão de semear armas nas ruas e interditar o debate civilizatório no Congresso sobre temas como drogas, casamento entre pessoas do mesmo sexo e aborto.
Escolheu Marina, sua antítese na disputa —segunda colocada nas pesquisas, mulher de aparência frágil e pele negra, evangélica como ele, notória defensora do desarmamento e, sobretudo, da imparcialidade do Estado em assuntos religiosos. Provocou-a, à espera da discordância sobre a “liberação” da venda de armas como elixir para a insegurança pública, seu projeto de governo mais evidente.
Cometeu dois erros primários. O primeiro foi subestimar a adversária. Marina respondeu-lhe comum óbvio, ululante ,“não” às armas.
Emendou: “Bolsonaro, você disse que a questão dos salários melhores para as mulheres é uma coisa que não precisa se preocupar porque já está na CLT. Só uma pessoa que não sabe o que significa uma mulher ganhar um salário menor que os homens e ter a mesma capacidade, a mesma competência e ser a primeira a ser demitida e a última a ser promovida. E, quando vai na fila de emprego, só por ser mulher, não ser aceita. É uma questão que tem que se preocupar, sim, porque quando se é presidente da República tem que fazer cumprir o artigo 5º da Constituição, que diz que nenhuma mulher deve ser discriminada. E não fazer vista grossa, dizendo que não precisa se preocupar.”
Titubeante, Bolsonaro negou ter dito algo parecido. Irritou-se, e cometeu o segundo erro. Rotulou Marina como “evangélica que defende plebiscito para a legalização do aborto e da maconha”.
Marina retrucou citando uma recente fotografia estampada nos jornais, com Bolsonaro ensinando uma criança a simular com as mãos o gestual de atirador: “A coisa que uma mãe mais quer é educar os filhos para que eles sejam homens de bem. Você é um deputado, pai de família. E você um dia desses pegou a mãozinha de uma criança e ensinou como é que se faz para atirar. É esse o ensinamento que você quer dar ao povo brasileiro?”
Foram 105 segundos. O suficiente para deixar Bolsonaro exposto no aspecto mais frágil do seu desempenho nas pesquisas — a desconfiança das mulheres.
Nas mais recentes sondagens, Ibope e Datafolha indicaram que ele se apoia majoritariamente no voto masculino, na proporção de três homens para cada mulher.
A resistência feminina sinaliza uma situação complexa. As mulheres têm inflado as taxas de rejeição a Bolsonaro. Nada menos que 34% das eleitoras declaram não votar nele “de jeito nenhum”. Entre homens, o “não-voto” fica na faixa de 29%. O resultado deixou Bolsonaro na disputa pela liderança entre rejeitados, competindo em igualdade com os ex-presidentes Fernando Collor (32%) e Luiz Inácio Lula da Silva (31%).
Com a imagem moldada num discurso arcaico, rudimentar e percebido como hostil às mulheres, como ocorreu no confronto com Marina Silva no debate da RedeTV!, o candidato Jair Bolsonaro parece ter se esquecido de um detalhe no planejamento de campanha: nem à bala conseguiria subtrair a desigualdade de gênero da agenda nacional. Elas são 77,3 milhões e detêm maioria (52,5%) dos votos. Agora, o poder feminino é decisivo nas urnas.
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