Desafio
será agrupar polo de oposição ao governo Bolsonaro
Rodrigo
Maia agora serve o seu próprio café, comprova a fotografia que ilustrou a
entrevista do agora ex-presidente da Câmara dos Deputados ao Valor. Não que ele possa ter
deixado de fazê-lo quando sozinho, em sua intimidade, na companhia da família
ou de amigos mais próximos. Mas, é possível apostar sem chances de errar que
poucas vezes precisou servir-se em público desde 2016, quando assumiu um dos
cargos mais importantes do país. O poder traz mordomias e estas se vão das
vidas daqueles que as usufruem assim que seus mandatos expiram.
Outro fator que entra nessa conta é a perspectiva de poder ou a falta dela. Quando o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva passou a faixa para a sucessora, a brincadeira que se fazia em Brasília era que o petista teria que reaprender a abrir e fechar portas. Até por isso foi de certa maneira impactante ver Maia abaixo do batente, após a porta entreabrir-se e a maçaneta girar, para receber os repórteres que foram ouvi-lo falar sobre a derrota que sofrera dias antes na disputa pela mesa diretora do Legislativo, reclamar da conduta de aliados históricos e tratar do seu futuro político.
O deputado fluminense não pode contar mais com o apoio do estafe da residência oficial, a ampla casa às margens do Lago Paranoá que hospeda o presidente da Câmara. O imóvel já tem um novo inquilino. Maia também estará de volta ao chão do plenário. Desta vez, com o intuito de se posicionar em relação aos grandes temas nacionais e desempenhar um papel central no processo de construção de um polo de oposição.
Será
difícil imaginar que lhe seja confiada a relatoria de algum projeto importante,
fundamental para o combate à pandemia de covid-19 ou garantir os alicerces
necessários à retomada da atividade econômica. Isso porque a designação de
relatores depende do presidente da Câmara, seu sucessor, com quem indica querer
manter uma relação cordial. Não significa que poderá dele esperar algum regalo.
Voltando
ao café: a luta de qualquer ex-mandatário é tentar mantê-lo quente, e Maia
enfrentava essa batalha diária desde o segundo semestre do ano passado. Uma
obstrução impediu por diversas semanas o avanço dos trabalhos da Câmara, por
exemplo.
Na
reta final do processo sucessório, seus adversários faziam troça do seu ocaso e
buscavam de todas as formas evidenciar a redução do seu poder de influência
entre os colegas de mesa diretora. Discordavam do sistema de votação, do
horário da eleição, discordavam por discordar ou em função de alguma
estratégia. A regra era divergir e vencê-lo, numa prévia do que seria o
resultado da eleição. E venceram.
Depois
do triunfo, lançaram dúvidas sobre a manutenção dos relatores por ele
indicados. Observa-se, aqui, uma diferença em relação ao que se passa com Davi
Alcolumbre (DEM-AP). O ex-presidente do Senado trabalhou para manter-se em
alta, primeiro eventualmente como ministro, mas agora na presidência da
Comissão de Constituição e Justiça (CCJ). Se de fato eleito, além de participar
da discussão de todos os projetos importantes que tramitam no Senado, ele pode
desempenhar papel fundamental para evitar novas investidas contra ministros do
Supremo Tribunal Federal (STF). Continuaria, assim, sendo um interlocutor dos
outros Poderes dentro do Congresso.
No
Planalto, aguardavam com ansiedade a conclusão da gestão de Maia. As
resistências ao sobrenome no entorno do presidente são anteriores às discussões
entre Rodrigo e o presidente Jair Bolsonaro, um antagonismo que perdurou
durante parte considerável dos dois últimos ano. Remontam ao pai do
ex-presidente da Câmara, o vereador Cesar Maia, que foi membro do Partido
Comunista Brasileiro e precisou exilar-se no Chile durante a ditadura militar.
Tudo
indica que, pelo menos num primeiro momento, irá lhe restar a tribuna. Seu
principal desafio será evitar o que parece ser a sina dos ex-presidentes da
Casa: a maioria dos antecessores de Maia caiu no ostracismo ou teve problemas
com a Justiça. Alguns conseguiram as duas coisas, uma façanha.
Vale
lembrar quem são: Waldir Maranhão, Eduardo Cunha, Henrique Eduardo Alves, Marco
Maia, Michel Temer, Arlindo Chinaglia, Aldo Rebelo, Severino Cavalcanti, João
Paulo Cunha, Efraim Morais, Aécio Neves, Luís Eduardo Magalhães, Inocêncio de
Oliveira, Ibsen Pinheiro, Paes de Andrade e Ulysses Guimarães, para ficar com
aqueles do período da redemocratização.
Poucos
se lembram de Waldir Maranhão, por exemplo. Foi aquele que assumiu
interinamente no lugar de Eduardo Cunha e pegou a todos de surpresa ao, numa
canetada, tentar anular a sessão que aprovou a admissibilidade do processo de impeachment
da ex-presidente Dilma Rousseff.
Caberá
ao próprio Maia, portanto, construir um caminho que o reconduza ao poder. Sua
missão primordial será aglutinar um grupo de políticos disposto a ocupar o
centro do espectro ideológico, para diferenciar-se da agenda econômica da
esquerda e, ao mesmo tempo, fazer oposição a Bolsonaro.
Não
será uma tarefa fácil. O deputado está de saída do DEM, ainda não tem destino
certo e, por enquanto, não recebeu o apoio público de seus aliados e futuros
parceiros de jornada. Alguns deles têm, neste momento, mais a perder com uma
eventual exposição. Outros ainda estão buscando assimilar a derrota, ocorrida
no primeiro turno e de uma forma que, para muitos, teria abalado o prestígio de
Maia e sua imagem de articulador.
No
entanto, deve-se levar em consideração a bem sucedida amarração conduzida pelo
vencedor. O presidente Arthur Lira (PP-AL) teve o apoio do Palácio do Planalto,
mas durante dezenas de meses trabalhou incansavelmente. Ainda é cedo para fazer
algum julgamento a respeito do tamanho que Maia sai desse embate.
Por um lado, ele não conseguiu fazer seu sucessor, talvez diminuindo de porte perante os colegas de Parlamento. Por outro, pode ter crescido para fora dos limites do Distrito Federal e do Rio de Janeiro, tendo agora a chance de ocupar um espaço de maior referência na oposição. Ao engajar-se num projeto vitorioso em 2022, inevitavelmente estará credenciado para ocupar pelo menos um ministério de destaque no próximo governo.
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