Imaginar
que seu governo seja capaz de organizar um plano coerente, como o Bolsa
Família, é querer demais
Jair
Bolsonaro administra a própria ignorância com o pior dos temperos, a teimosia.
Em março passado ele disse que a Covid-19 era uma “gripezinha”, vá lá que
fosse, os mortos em Pindorama eram apenas cinco. Em dezembro, ele disse que a
pandemia estava no “finalzinho” (os mortos passavam de 150 mil) e um mês antes
classificara a segunda onda de contágios de “conversinha”. Veio a tragédia do
Amazonas, os mortos já são mais de 233 mil, e a média móvel ficou acima de mil
por dia por mais de duas semanas. Conversinha?
O
ministro da Saúde, um general da ativa, gosta de brigas. Seu
secretário-executivo, um coronel, disse que o governador João Doria estava
“sonhando acordado” quando anunciou que a vacinação começaria em janeiro no seu
estado. Começou.
Bolsonaro
acredita em muitas coisas. A cloroquina ajuda contra a Covid-19, a Amazônia não
pode ter queimadas porque é úmida, e a eleição americana foi fraudada. Todas
essas crenças têm devotos e, salvo os agrotrogloditas que tocam fogo na mata,
nenhum deles causa grandes prejuízos aos outros. No caso da pandemia, a
superstição presidencial causa danos. O coronel do Ministério da Saúde talvez
não tivesse pulado na jugular de Doria se o Planalto falasse outra língua.
Talvez o general Pazuello também não saísse por aí com sua maleta de
cloroquina.
O
estrago feito, feito está. A eleição para as presidências do Senado e da Câmara
mostrou que Bolsonaro não está condenado a perder todas. Ele pode ganhar mais
uma: basta esperar o dia em que começará a vacinação dos sexagenários e, em vez
de ir a uma padaria numa de suas sortidas cenográficas, para entrar no fim de
uma fila de vacinação.
Será um gesto de humildade, exemplo para sua infantaria e desestímulo a seus guerreiros sem causa.
O
capitão encantou-se com a popularidade que lhe trouxe o auxílio emergencial e
agora está correndo atrás de uma forma de alívio social para as vítimas da
crise econômica agravada pela “gripezinha”. Melhor assim, até porque viu sinais
de fumaça que poderiam lhe custar um retorno antecipado ao condomínio Vivendas
da Barra.
Imaginar
que seu governo seja capaz de organizar um plano coerente, como o Bolsa
Família, é querer demais. Escravizado pela marquetagem, seu projeto tem um
slogan incompreensível — Benefício de Inclusão Produtiva — e vem sendo
concebido como uma árvore de Natal de jabutis para serem digeridos pelo
Congresso.
A
ideia de um benefício acompanhado de contrapartidas voluntárias perdeu-se na
confusão da marquetagem. Afinal, um governo que se apresenta como se fosse
capaz de fazer um “Plano Marshall” brasileiro é capaz de tudo. Se o general
Braga Netto, chefe da Casa Civil e pai da marca de fantasia, levasse uma ideia
dessas ao general George Marshall, chefe do Estado-Maior do Exército americano
durante a Segunda Guerra, seria atingido por um dos acessos de fúria daquele
grande chefe militar. E as broncas de Marshall eram mais pesadas que a de Paulo
Guedes: “Não chamem de Plano Marshall, porque revela um despreparo enorme”.
Por
falar no general Marshall, vale repetir a orientação que ele deu ao diplomata
George Kennan quando o chamou para dirigir o planejamento político do
Departamento de Estado: “Evite trivialidades”.
Se Bolsonaro e suas falanges evitassem trivialidades, o governo seria outro.
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