O início da vacinação, a reabertura do comércio,
das escolas e das universidades sinalizam, para o retorno das panaceias -
os discursos da cura de todos os males - conduzidos por mágicos na economia, em
geral bancários e banqueiros, e pelos salvadores da Pátria na política.
Eu juro, por Apolo, por Esculápio, Higia e Panacea,
e tomo por testemunhas todos os deuses e todas as deusas, cumprir, segundo o
meu poder e a minha razão, a promessa que se segue (...). Dois mil anos depois, o juramento de Hipócrates é ainda
acreditado no campo da medicina e sua prática inspira a sobrevivência de
muitos, no campo da política que no Brasil se constitui em uma frente de
corrupção em plena atividade, levando a Lava Jato a cair na banalidade do
cotidiano.
O novo presidente da Câmara anuncia que vai
combater a pandemia, expandir as medidas sociais e promover o desenvolvimento.
O do Supremo Tribunal Federal pretende priorizar a despolitização judicial e
fomentar a pauta de costumes – discutir o aborto, o uso de entorpecentes,
segregação e racismo.
O chefe do Executivo empenha-se na aprovação das
reformas fiscal, administrativa, tributária e no aumento do emprego. Inicia a
execução do Orçamento de 2021– receita de R$ 1,560 trilhão (20,4% do PIB) e
despesas de R$ 1,516 trilhão (19,8% do PIB) - autorizado a gastar R$ 247
bilhões a mais que a lei orçamentária, aprovada no Senado, em 10 minutos, no
final do ano passado.
A pandemia está aí, caminhando para 300 mil mortos. A vacinação não apresenta ainda resultados. Os “panacêiticos” insistem na continuidade do auxílio emergencial e na redução da taxa de juros (2% a.a). E os governadores, além de não ressarcir as prestações de dívidas acumuladas (R$ 720 bilhões) querem mais dinheiro. O ministro da Fazenda parece desnorteado: a dívida ativa da União (o governo deve à sociedade) ultrapassou a casa dos R$ 2,5 trilhões. O desemprego atinge 17 milhões de cidadãos e a informalidade no trabalho envolve 67 milhões de famílias: sem carteira assinada e sem direitos trabalhistas.
A LDO está fora da realidade. As indicações das
linhas orçamentárias estão atravessadas por uma confusa visibilidade: as receitas
caíram, os investimentos também, os investidores externos fogem, gerando
incertezas. Inconsequentes, os “panacêuticos” dão entrevistas em jornais,
falam na televisão, fazem palestras, anunciando, para 2021, como novas, velhas
soluções, baseadas em duvidosas estatísticas e formulam indicações de crescimento
do PIB: entre 2,9% a 4,0%.
Na contramão estão os indicadores de emprego, de
produção, de produtividade, de investimento. O País vive, visivelmente, em
ambiente recessivo. Só não quebra, porque a economia é amparada pelo
agronegócio, que avança faminto sobre as áreas ambientais – vamos ter problemas
aí na frente com as exportações e discussões climáticas; e as doações do setor
público, uma avalanche de recursos improdutivos. O governo já lançou mão de US$
40 bilhões das reservas internacionais.
As projeções de futuro tornam-se grandes
incógnitas. Priorizar as reformas administrativas, que vai enrolar o Estado
numa exaustiva discussão com lideranças sindicalizadas no serviço público, em
um momento em que uma sociedade e governos eletrônicos batem às portas; segundo,
não se tem um cenário e indicadores corretos que permitam uma avaliação segura
dos efeitos produtivos de uma reforma tributária.
A volta às aulas e ao trabalho
presenciais vão exigir, para terem validade jurídica, uma revisão da legislação
trabalhista e da Lei de Diretrizes e Bases da Educação. A pandemia mudou a
forma de trabalho e de estudar. O senador Fabiano Cantarato
(Rede-ES) apresentou um projeto de lei (3.512/20) de regulamentação do
teletrabalho obrigando o empregador a disponibilizar infraestrutura
necessária para o teletrabalho. Despreza-se a inteligência e a persistência
empreendedora.
O governo pede ao Congresso o
desengavetamento do projeto da Educação Domiciliar – as crianças serem
ensinadas em casa pelos pais - e a deputada Ângela Amim (PP-SC) é
autora de outro PL, em tramitação na Câmara (4513/20), instituindo
a Política Nacional de Educação Digital, por
meio da qual se prevê também a formação e a reprofissionalização de professores
do básico ao ensino superior. O MEC já tem um diploma digital.
Passada a pandemia, tudo isso aí vai
implicar, certamente, em limitação de direitos, reacendendo velhas frentes de
oposição multipartidárias e incendiando as panaceias legislativas
estimuladoras da retomada dos negócios, das aulas, dos campeonatos esportivos e
das festas, como o carnaval: R$ 8 bilhões de prejuízo em 2021, 100 mil
desempregados temporários. Nação e governo estão mesmo asfixiados. A panaceia, que historicamente mantém o País
imobilizado, abre, sem querer, espaço para a invasão do futuro, que vai nos
arrastando, entretanto, perifericamente.
*Aylê-Salassié Filgueiras Quintão, Jornalista e professor
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