Valor Econômico
Em comparação com 2019, houve um aumento
expressivo de pessoas que ganharam alguma forma de renda assistencial,
trabalhista ou previdenciária, diz Fernando Montero, da Tullett Prebon
A força do consumo das famílias é um dos
fatores que levaram a economia brasileira a crescer cerca de 3% em 2023,
segundo estimativas dos analistas, um desempenho bem melhor que o 0,8% previsto
no fim de 2022. O resultado excepcional da agropecuária, pelo lado da oferta, e
o impulso do setor externo, pelo lado da demanda, também contribuíram para uma
expansão mais robusta da atividade no ano passado, mas o comportamento do
consumo privado teve um papel de destaque, o que vem ocorrendo desde 2021.
Os números do PIB de 2023 serão conhecidos apenas no começo de março deste ano, mas o consenso de mercado aponta para uma expansão de 3,2% para a demanda das famílias. No fim de 2022, os analistas também esperavam para o principal componente do PIB pelo lado da demanda um crescimento de apenas 0,8% no ano passado. O economista-chefe da corretora Tullett Prebon, Fernando Montero, aponta dados que ajudam a explicar a sustentação do consumo privado, ressaltando “o notável avanço em tempos recentes da população que ganhou alguma forma de renda assistencial, trabalhista ou previdenciária”.
“Somamos 16,3 milhões de fontes adicionais de
renda nos últimos quatro anos, para uma população que avançou 4,1 milhões de
pessoas no mesmo período”, diz Montero. Em relação a 2019, há 5,1 milhões a
mais de trabalhadores empregados, 3,4 milhões a mais de pessoas recebendo
aposentadorias e benefícios assistenciais do Instituto Nacional do Seguro
Social (INSS) e 7,9 milhões de benefícios a mais do Bolsa Família, enquanto
houve uma queda de apenas 71,3 mil pessoas que recebem o seguro-desemprego. O
economista fez a comparação dos números de 2023 com os de 2019 para “limpar” o
efeito do auxílio emergencial nos anos da pandemia da covid-19, que começou em
2020.
É um volume impressionante de novas fontes de
renda no período - Montero não fala em 16,3 milhões a mais de aposentados,
beneficiários de programas sociais e assistenciais e trabalhadores ocupados
porque pode haver alguma dupla contagem, com pessoas passando a receber mais de
um deles nos últimos quatro anos. Em tese, porém, é algo que não deve ser
relevante, porque “muitos são ou deveriam ser excludentes”, observa ele. No
INSS, o total de pessoas que recebem aposentadorias, pensões e benefícios
assistenciais (como os voltados para idosos de baixa renda e pessoas com
deficiência) ficou um pouco superior a 39 milhões em novembro passado. A
população ocupada, por sua vez, atingiu 100,5 milhões de trabalhadores nos três
meses encerrados em novembro, enquanto o número de famílias beneficiadas pelo
Bolsa Família terminou 2023 em 21,1 milhões.
“Quanto mais próximo do consumo das famílias,
mais resiliência vemos na atividade”, afirma Montero. Ao comentar as 16,3
milhões de fontes adicionais de rendimento em quatro anos, ele diz que não há
aí apenas mais renda, mas também mais segurança para quem recebe esses
recursos. Isso significa maior confiança para consumir.
Montero tem destacado o aumento de grandes
agregados de renda para explicar a força do consumo privado, além do
barateamento da cesta básica, que favorece especialmente a população de baixa
renda. No acumulado em 12 meses, a chamada Renda Nacional Disponível Bruta das
Famílias em seu conceito restrito cresceu mais de 8%, descontada a inflação, na
média dos três meses até outubro, segundo números do Banco Central (BC). Aí
estão incluídos os rendimentos do trabalho, benefícios previdenciários e
transferências de programas sociais, excluindo recursos de aluguéis e
aplicações financeiras e descontando os gastos com impostos. Na média mensal
até outubro, esse agregado de renda ficou em R$ 476,4 bilhões.
O comportamento da inflação de alimentos
também ajuda a entender o ímpeto do consumo das famílias. Em 2023, o Índice
Nacional de Preços ao Consumidor Amplo -15 (IPCA-15) subiu 4,72%, com o grupo
alimentação no domicílio recuando 0,83%. Para comparar, os alimentos em casa
acumulavam alta de 17,46% nos 12 meses até julho de 2022. Em resumo, a
combinação de todos esses fatores impulsionou o consumo das famílias, que no
terceiro trimestre de 2023 teve alta de 1,1% em relação ao trimestre anterior,
período em que o PIB cresceu 0,1%.
Para 2024, a expectativa dos economistas é
que o PIB brasileiro cresça entre 1,5% e 2%, perdendo fôlego em relação ao
ritmo de 3% registrado em 2022 e 2023, dados os impactos defasados dos juros
altos e um resultado mais fraco da agropecuária. O cenário inclui desaceleração
do consumo das famílias, que tenderia a avançar a uma velocidade mais baixa, no
mesmo intervalo da expansão do PIB. Os economistas, porém, subestimaram o
crescimento nos últimos três anos, também apostando num desempenho mais fraco do
consumo privado do que o efetivamente observado. Se o mercado de trabalho não
deverá ser tão forte como nos últimos dois anos, as transferências de renda via
Bolsa Família não vão aumentar e os alimentos não terão outra deflação, a queda
dos juros e algum alívio no nível de endividamento podem dar fôlego às famílias
neste ano.
O problema maior da atividade tem sido o
investimento, cuja expansão é fundamental para garantir o crescimento da
economia a taxas mais elevadas de modo sustentado. Em 2023, a formação bruta de
capital fixo (FBCF, medida do que se investe em máquinas e equipamentos,
construção civil e inovação) deve ter recuado 2,5%, segundo o consenso do
mercado. Juros altos freiam as decisões das empresas de modernizar e ampliar a
capacidade produtiva, e incertezas sobre as contas públicas também podem
atrapalhar esse processo. Para 2024, juros menores tendem a melhorar as
perspectivas para o investimento, assim como a aprovação da reforma tributária,
ainda que as mudanças no sistema de impostos do país não entrem em vigor de
imediato.
Nesse cenário, reduzir as dúvidas quanto à
trajetória fiscal de longo prazo também é importante para que as empresas
possam investir e contratar com confiança. Sem uma expansão firme do
investimento, a economia terá fôlego curto, afetando o mercado de trabalho ao
longo do tempo e, com isso, minando o desempenho do consumo das famílias.
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