Instituições enfrentam testes impostos pelo autoritarismo de esquerda e de direita
Esta eleição precisa ser entendida como um exercício de convivência entre contrários. Todos devem aprender com os erros cometidos até aqui
A oitava eleição direta consecutiva para presidente da República, além de um marco sólido no processo de redemocratização do país, precisa ser uma renovação do compromisso com a estabilidade política, econômica e institucional como um todo.
Faz apenas 30 anos da promulgação da Constituição que formalizou o fim da ditadura militar e patrocinou o retorno da democracia representativa, período que, mesmo curto do ponto de vista da História, é o mais longo da República brasileira sem interrupções por rupturas do sistema político.
Esta eleição tem especial relevância não apenas por seu simbolismo, mas por fatos que cercam o pleito e formam uma agenda estratégica a ser necessariamente enfrentada pelo novo presidente, pelo Congresso e por todo o conjunto de autoridades ocupantes de cargos eletivos, nos diversos níveis da administração pública. Sem eximir de responsabilidades partidos, organizações da sociedade civil e cidadãos.
Pois este é um daqueles momentos em que as escolhas são decisivas para definir os rumos da nação. Não se trata de uma mudança rotineira no Executivo e Legislativo. As questões que estão postas à frente do eleitor e dos políticos não são do varejo. O país passou no biênio 2015/16 pela mais profunda recessão já registrada nas estatísticas oficiais (mais de 7%), e mesmo que a economia esteja em recuperação, o ritmo insuficiente da retomada do crescimento faz com que ainda haja 12,7 milhões de desempregados.
E parte do problema tem a ver com indefinições no campo da política, que precisam começar a ser resolvidas hoje ou, se houver segundo turno, também no dia 28. O eleitor, a depender de sua escolha, pode abrir caminho para uma restauração mais rápida da capacidade de o país voltar a produzir de forma equilibrada. Ou não.
Também está em jogo a estabilidade da nossa democracia. Há marcas deixadas na vida política do país pela renitência antidemocrática do PT em aceitar decisões do Poder Judiciário e a atuação do Ministério Público, em que dirigentes seus têm sido investigados, denunciados, processados e punidos. A começar pelo ex-presidente Lula, condenado em julgamentos com amplo direito de defesa. Lula, punido por corrupção e lavagem de dinheiro, teve o veredicto confirmado em segunda instância e, por isso, está preso e com a candidatura impugnada. Apesar de chicanas, pressões e até manobras no exterior para transformar um organismo burocrático da ONU, o Comitê de Direitos Humanos, numa câmara deliberativa que forçaria qualquer país a condenar ou absolver alguém, o que a Justiça brasileira decidiu está sendo cumprido. Petistas tentaram, sem êxito, levar o Brasil à condição de república de bananas, mas não conseguiram.
Não conseguiram porque as instituições já estão maduras o suficiente para resistir a qualquer tipo de patranha de figurino nacional-populista, como ocorre na Venezuela e outros países assemelhados. A Justiça Federal, o Tribunal Superior Eleitoral, o Superior Tribunal de Justiça e o Supremo impedem esta e outras manobras.
É necessário, porém, que políticos e partidos respeitem as instituições e as referências básicas da democracia. Presta desserviço ao país o general Hamilton Mourão, vice na chapa de Jair Bolsonaro (PSL), quando admite “autogolpe”, e também quando o próprio candidato Bolsonaro põe em dúvida a segurança da urna eletrônica. Ele, com acerto, voltou atrás da declaração, mas não deveria ter colocado em suspeição a lisura do pleito. Particularmente a urna eletrônica, que já o elegeu deputado para diversos mandatos, sem que reclamasse. A liberdade de expressão está, é claro, garantida, mas o candidato deveria rever ataques insultuosos de cunho social, em defesa de um nível aceitável, civilizado no debate político-eleitoral. Exercer as liberdades requer sensatez.
Contribuiu para elevar este tipo inaceitável de tensão nas eleições entrevista do ex-ministro petista José Dirceu — condenado por corrupção, e solto mediante liminar concedida pela Segunda Turma do Supremo, em troca do uso de tornozeleira eletrônica —, na qual disse ao jornal espanhol “El País” que o PT estava próximo de “tomar o poder”, algo “diferente de ganhar a eleição”. Insuflar a ideia de golpe, de esquerda ou de direita, é trabalhar contra a recuperação do país. Contra os milhões de desempregados. É conspirar contra as liberdades reconquistadas 30 anos atrás, é desrespeitar as gerações que padeceram no enfrentamento de uma ditadura militar de 21 anos.
Há mesmo militantes políticos que nada aprendem com o tempo. De qualquer quadrante ideológico. A campanha desta eleição tem sido uma prova. Nada tem de democrática a busca incessante pela hegemonia política, e o uso da democracia para destruí-la é um acinte. Nem justificar o garroteamento das liberdades como meio de luta contra a miséria e a pobreza é aceitável. Tampouco propagandear ideias, à direita e à esquerda, que não podem ser concretizadas por meio das instituições republicanas.
A campanha eleitoral expõe a radicalização da polarização entre direita e esquerda. Esta é uma marca das eleições de 2018. Não há problema em si neste choque, neste conflito. Enfim, a democracia é o regime dos dissensos, das divergências. É na ditadura, no autoritarismo, que reinam a paz e o silêncio dos cemitérios.
Mas o choque de propostas e de ideias não pode se dar em prejuízo da própria democracia. Há leis e ritos que têm de ser seguidos — a prisão de Lula e de outros poderosos serve de exemplo. Esta eleição precisa ser entendida como um exercício especial de convivência entre contrários, essência da democracia. Todos devem aprender com os erros cometidos até aqui.
Nenhum comentário:
Postar um comentário