Valor Econômico
Não há ativo mais precioso na política do
que já ter mandato
Átila Lins (PSD-AM) é o deputado federal
mais longevo na atualidade. Depois de três mandatos na Assembleia Legislativa
de seu Estado, ele chegou a Brasília em 1º de fevereiro de 1991 e nunca mais
saiu. Ao todo, já são quase 44 anos ininterruptos no poder. Nesse período,
passou por Arena, PDS, PFL, PPS, PMDB, PSD, PP e na janela partidária deste ano
voltou ao PSD.
O alagoano Renan Calheiros iniciou sua
carreira política no mesmo ano de 1978, ao vencer a eleição para deputado
estadual pelo partido de oposição à ditadura, o velho MDB. Em 1982 consegue se
eleger deputado federal, reelegendo-se em 1986. Derrotado na disputa ao governo
de seu Estado em 1990, deu a volta por cima quatro anos depois, ao tornar-se
senador. Desde então, já são quatro mandatos consecutivos, ao longo dos quais
sobreviveu a diversos escândalos e exerceu a Presidência do Senado duas vezes.
O sistema político brasileiro tem características que induzem à pulverização de candidaturas. Temos dezenas de partidos, poucos deles com identidade própria. Além disso, milhares de candidatos são lançados em busca de uma vaga no Congresso Nacional, fazendo campanha em territórios muito grandes e populosos. Essas características deveriam gerar maior competitividade nas eleições, resultando numa maior alternância de mandatos a cada ciclo de quatro anos. No entanto, não é o que normalmente ocorre.
Muito já se falou sobre a alta taxa de
renovação das eleições de 2018, mas apesar dos efeitos devastadores da
Lava-Jato, do forte movimento antipolítica e da onda de candidatos novatos
eleitos na esteira de Bolsonaro, 59,2% dos deputados federais que tentaram se
reeleger foram vitoriosos - o que não foi tão inferior assim à taxa de 69,7%
verificada em 2014.
Apesar de as regras do sistema eleitoral
incentivarem a concorrência, outras forças do sistema político atuam na direção
contrária, criando vantagens para aqueles que já ocupam um cargo (os
incumbentes) frente aos seus desafiantes.
Em qualquer lugar do mundo aqueles que já
possuem um cargo eletivo largam na frente na briga por um novo mandato. O
próprio exercício do poder é um anabolizante natural, pois garante visibilidade
na mídia e permite levar obras e benefícios a seus redutos eleitorais.
Mas no Brasil nossa classe política trata
de turbinar essas vantagens. Apenas no ano passado, os 513 deputados, em
conjunto, tiveram direito a R$ 208.655.392,66 de cota parlamentar, utilizados
para custear passagens aéreas, aluguel de veículos, publicidade, pesquisas e
consultorias - uma baita ajuda para divulgar seu mandato.
Além disso, há os fundos eleitoral e
partidário. Alocados aos partidos de acordo com o seu desempenho nas eleições
passadas, o controle sobre a sua distribuição cabe aos dirigentes de cada sigla
- que acabam privilegiando a si mesmo, claro.
Nas eleições de 2018, cada um dos 413
deputados que tentaram a reeleição recebeu de seus partidos, em média, R$ 1,2
milhão para custear suas campanhas. Em comparação, seus 8.165 concorrentes
receberam uma média de apenas R$ 66.137,00.
A depender do partido e do político, a
fatia do bolo pode ser ainda maior. Naquele mesmo ano, Átila Lins recebeu do
seu antigo partido, o PP, a “bagatela” de R$ 1.897.386,00. Renan Calheiros, por
sua vez, conseguiu se reeleger com a ajuda de R$ 2.015.600,00 do MDB.
Essas cifras se referem à eleição de 2018,
quando o valor do fundo eleitoral foi de R$ 1,7 bilhão e o partidário, R$ 710
milhões. Na campanha deste ano, porém, o montante de recursos públicos à
disposição dos partidos será de R$ 4,9 bilhões (eleitoral) e R$ 1,1 bilhão
(partidário).
É de se esperar, portanto, que o montante a
ser destinado aos parlamentares que tentarão renovar seus mandatos será muitas
vezes maior.
Como se não bastasse, temos ainda os
bilhões das emendas de relator sendo distribuídos pelas cúpulas da Câmara, do
Senado e da Presidência da República. Convertido em obras e equipamentos, o
orçamento secreto funciona como um doping para a reeleição de deputados e
senadores. Seja pela via dos votos dados em gratidão pela população atendida,
seja pela possibilidade de superfaturamento de contratos que levam ao
financiamento ilícito de campanhas, não é à toa que a lista das indicações de
emendas de relator não para de crescer no Congresso.
Ter acesso aos bilhões das cotas
parlamentares, orçamento secreto e fundos partidário e eleitoral é a receita
mais fácil para se ganhar uma eleição. O problema é que são poucos os
privilegiados que desfrutam dessas benesses.
*Bruno Carazza é mestre em
economia e doutor em direito, é autor de “Dinheiro, Eleições e Poder: as
engrenagens do sistema político brasileiro” (Companhia das Letras)”.
Um comentário:
Excelente análise! Pôs o dedo na ferida da pseudodemocracia brasileira! Se as oportunidades não são iguais, que governo do povo é este?? Propaganda da Justiça eleitoral não resolve este problema...
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