O Estado de S. Paulo
Governos ocidentais esperam que o pleito
encerre a pior fase da diplomacia com o País desde a redemocratização
Amenos de cem dias do primeiro turno das
eleições presidenciais no Brasil, a grande maioria dos governos ocidentais
espera que o pleito encerre a pior fase das relações diplomáticas com o País
desde a redemocratização. A “torcida” deve-se menos a uma simpatia pela
esquerda brasileira do que à percepção de que, enquanto Bolsonaro for
presidente, as divergências com a Europa e com os Estados Unidos serão
insuperáveis. Os principais integrantes de chancelarias como as de Washington,
Lisboa, Paris e Berlim afirmam que, sem troca de comando no Planalto, não há
esperança de se resolverem os impasses em áreas como o combate às mudanças
climáticas, o multilateralismo e a defesa dos direitos humanos.
A rejeição não é à direita como um todo, mas a Bolsonaro. Prova disso é que, em anos recentes, líderes de direita, como o ex-presidente chileno Sebastian Piñera e o ex-presidente argentino Maurício Macri, mantiveram boas relações com o Ocidente. A questão é que a postura antiambientalista e “antiglobalista” do mandatário brasileiro e suas falas pouco ciosas com a democracia o levam a ser visto como o principal expoente do trumpismo na atualidade. Isso também faz com que os governos do Norte global enxerguem sua derrota como um sinal de resiliência da democracia brasileira, independentemente de eventuais erros de governos petistas anteriores.
Aos olhos do Ocidente, o maior trunfo de
Lula é não ser Bolsonaro, e isso certamente lhe trará um bônus diplomático caso
seja eleito. Afinal, países como Alemanha, França e Noruega vêm nutrindo a
expectativa de ampliar a cooperação com o Brasil, sobretudo na área ambiental e
nos fóruns multilaterais. Diferentemente do atual presidente, é difícil pensar
que Lula se envolveria em bate-bocas com líderes europeus, questionaria o
resultado das eleições americanas ou defenderia pautas ultraconservadoras na
ONU, para citar alguns feitos da atual gestão. Mas o fato de ter uma postura
mais condizente com o cargo não significa que Lula seja o queridinho do
Ocidente ou que as relações estariam livres de fricções e desavenças.
SEM GUINADAS. Para começo de conversa, é
improvável que uma vitória petista trouxesse mudanças significativas na postura
brasileira em relação à questão mais premente da política internacional
contemporânea: a guerra na Ucrânia. Lula, como o antecessor, tampouco cederia
ao desejo americano e europeu de conter a crescente influência econômica e
política chinesa na América Latina. Especialmente no contexto da provável piora
na relação do Ocidente com a Rússia e com a China ao longo dos próximos anos e
do possível surgimento de uma Cortina de Ferro Digital, fruto da “guerra
tecnológica” entre Pequim e Washington, preservar laços construtivos entre o
Brasil e o Ocidente não será uma tarefa simples.
Além disso, mesmo se vencer de lavada em
outubro, é provável que Lula enfrente os mesmos obstáculos perniciosos da
polarização extrema que atualmente enfraquecem o governo Biden, com milhões de
americanos questionando a legitimidade do democrata. Esse fenômeno limita o
espaço de manobra de Biden no âmbito externo. Da mesma forma, um cenário
econômico altamente adverso – agravado pela “herança maldita” que o atual
governo deixará no âmbito fiscal – fará com que o próximo presidente brasileiro
tenha que dedicar muito mais tempo aos desafios internos, reduzindo o espaço
para projetos na área internacional e o potencial para contribuições
brasileiras no cenário global. Diferentemente da primeira “onda rosa” dos anos
2000, marcada por um boom de commodities que possibilitou gastos sociais
elevados e gerou estabilidade política, os presidentes da segunda onda rosa
devem enfrentar um cenário muito mais complexo e turbulento.
ENTRAVES? Outro aspecto a se destacar é
que, em duas áreas importantes da agenda ocidental em relação ao Brasil – a
adesão brasileira à OCDE e a ratificação do acordo de livre comércio entre o
Mercosul e a União Europeia –, o principal assessor de Lula para assuntos
internacionais, o ex-ministro Celso Amorim, tem deixado em aberto qual seria a
estratégia brasileira. Ele argumenta que ser membro da OCDE não traz
necessariamente vantagens ao Brasil.
Apesar desses prováveis entraves na relação
do Brasil com outras nações ocidentais depois de uma eventual derrota de
Bolsonaro, não há dúvida de que um possível governo Lula poderia aproveitar o
desejo ocidental de se reaproximar para negociar acordos vantajosos, seja
garantindo ajuda bilionária para preservar a Amazônia, seja cobrando medidas
concretas para atenuar o impacto econômico negativo das sanções ocidentais à
Rússia. Se for bem aproveitada, a lua de mel do governo Lula com o Ocidente
pode ser um período altamente produtivo para a diplomacia brasileira.
*É analista político e professor de Relações Internacionais da FGV-SP
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