Correio Braziliense
O estabelecimento de uma rede interoceânica
de infraestrutura e logística é a forma de garantir escala para conexões
diretas entre o Pacífico sul-americano e os principais portos do leste asiático
Neste 22 de abril, comemora-se 189 anos das
relações bilaterais entre o Brasil e o Chile. Embora não tenham fronteiras
terrestres compartilhadas, os dois países cultivam histórica amizade e são
fundamentais tanto para a estabilidade política regional como para a integração
econômica da América do Sul, especialmente em infraestrutura.
Atualmente, convergem na defesa da democracia, dos direitos humanos e no combate aos extremismos. Agendas importantes, mas insuficientes em um cenário de polarização multinível.
Na última década, a América do Sul vivencia
um quadro de fragmentação política e desintegração econômica concomitantes, que
se retroalimentam e transbordam tanto para aprofundar divisões internas como
para diminuir a interdependência econômica. Panorama desastroso que torna a
região vulnerável diante das tensões e incertezas globais e potenciais
ingerências extrarregionais.
A região levou 180 anos de vida independente
para realizar sua primeira reunião de presidentes. O principal fruto do
encontro realizado em Brasília em 2000 foi a Iniciativa para a Integração da
Infraestrutura Regional Sul-Americana (IIRSA) e seus eixos de integração
física, depois incorporada ao Conselho Sul-Americano de Infraestrutura e
Planejamento (Cosiplan) da União de Nações Sul-Americanas (Unasul), que
funcionou relativamente bem entre 2009 e 2017.
Embebedados pelas disputas internas,
prevaleceu o entendimento de que a Unasul seria ideológica e que a integração
prescinderia de burocracia e orçamento. Em 2019, os presidentes Piñera e
Bolsonaro criaram o Fórum Prosul, iniciativa leve e flexível composta apenas
com governos de direita e centro-direita. Um ano depois, no início da pandemia,
a inação do Prosul indicava o fracasso de se tentar construir a integração
apenas com afinidades partidárias.
O único projeto de integração regional em
infraestrutura que envolve mais do que dois países e permaneceu ativo durante o
período de fragmentação foi o Corredor Rodoviário Bioceânico entre o Mato
Grosso do Sul e os portos do norte do Chile, incluindo o chaco paraguaio e as
províncias argentinas de Salta e Jujuy. Seu grupo de trabalho (GT) foi
instituído pelos quatro presidentes em dezembro de 2015, quando afirmaram que
os eixos de integração e desenvolvimento do Cosiplan, especialmente os
corredores bioceânicos, se constituem em ferramentas centrais e indispensáveis.
Nesses quase 10 anos, o GT do Corredor
sobreviveu a mudanças de governo e orientação política nos quatro países. Mais
do que a atratividade dos mercados da Ásia-Pacífico para o noroeste argentino,
Paraguai e Centro-Oeste brasileiro, a resiliência do projeto foi garantida pelo
envolvimento direto dos atores subnacionais, tanto privados como os governos do
estado de Mato Grosso do Sul, departamentos do ocidente paraguaio, províncias
do noroeste argentino e regiões do norte do Chile.
Inicialmente prevista para ser inaugurada em
2022, a ponte entre Porto Murtinho (MS) e Carmelo Peralta, no Paraguai,
principal obra do Corredor, está 70% concluída. Mas as obras de acesso do lado
brasileiro só devem ser entregues em 2027.
Isoladamente, a conclusão da obra não garante
o incremento do comércio bilateral. Associados à conexão rodoviária, é
necessária a articulação com outros modais de transporte e gestão logística.
Hoje, mais de 40% do comércio bilateral é realizado por vias internas, mas
ainda há ineficiências que dificultam que produtos chilenos alcancem a África
por meio de portos brasileiros ou que o Brasil utilize os portos chilenos como
plataformas facilitadoras para terceiros mercados da Ásia-Pacífico.
A superação de barreiras regulatórias e
normativas e a facilitação dos trâmites aduaneiros não dependem apenas dos dois
países. Programas exclusivamente nacionais têm efeitos limitados. Em décadas
passadas, o Brasil construiu em conjunto com países vizinhos dois projetos
disruptivos de infraestrutura. A usina hidroelétrica de Itaipu e o gasoduto
Bolívia-Brasil podem servir de inspiração para a integração bioceânica conforme
corredores de desenvolvimento, incluindo outros modais, energia e comunicações.
Disruptivo para a interdependência entre
Brasil e Chile seria o estabelecimento de uma rede interoceânica de
infraestrutura e logística, com harmonização regional normativa e aduaneira que
considere os diferentes corredores de desenvolvimento como complementares e não
concorrentes. Essa é a forma de garantir escala para conexões diretas entre o
Pacífico sul-americano e os principais portos do leste asiático,
competitividade para nossos produtos diversificados com mais agregação de valor
e desenvolvimento associado com todos os nossos vizinhos.
O Texto para Discussão 3028 do Instituto de
Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), publicado semana passada também em
espanhol, sistematiza a história e os desafios das relações bilaterais entre o
Brasil e o Chile, destacando sua vocação regional e propondo, entre outras
iniciativas, a construção de conexão dutoviária e entre os dois países.
No passado, ônibus e caminhões lideravam
nossas relações comerciais com o Chile. Hoje, em consonância com a primarização
das exportações sul-americanas, o petróleo bruto transportado por navios é o
principal item das exportações brasileiras ao Chile, que vende principalmente
cobre ao Brasil.No futuro próximo, espera-se que biocombustíveis sejam
transportados em dutos através dos Andes e que haja integração produtiva com
agregação de valor regional tanto utilizando insumos brasileiros processados no
Chile dirigidos ao Pacífico como bens intermediários chilenos transformados no
Brasil que alcancem mercados do Atlântico.
*Pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea)
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