quarta-feira, 23 de abril de 2025

Triste, mas o Brasil não é o país do futuro - Nilson Teixeira*

Valor Econômico

Discursos sobre o país se beneficiar com a guerra comercial são vazios e pouco fundamentados

O Brasil é um país atrasado frente à China sob quase todas as óticas, a não ser, principalmente, nas questões de direitos humanos, bem como de liberdade política e de expressão. Essa avaliação tem ficado ainda mais patente na minha longa viagem à China, mesmo quando não considero impressões extraídas de suas principais cidades, como Pequim, Xangai, Shenzhen ou Guangzhou. Não é só isso: o caminho na mesma direção de outros países da Ásia reforça a leitura de que o Brasil deixou de ser o país do futuro há muito tempo.

A expectativa de que o Brasil possa se beneficiar com a guerra comercial, com possível reversão desse atraso, não faz sentido. O país até exportará mais produtos agrícolas para a China, mas a venda dessas commodities para outros mercados diminuirá por conta de sua oferta inelástica. Do mesmo modo, as exportações brasileiras para os EUA não aumentarão de forma significativa, pois o país não tem capacidade de prover os mesmos produtos ofertados pela China, como eletrodomésticos, produtos eletrônicos, bens tecnológicos nem bugigangas.

O Brasil não tem mão de obra qualificada, base industrial robusta com fábricas modernas e dezenas de robôs, tecnologia e pesquisa de ponta, logística avançada, ferrovias modernas e disseminadas, rodovias bem pavimentadas nem ampla capacidade portuária e aeroportuária. A infraestrutura do país é, em resumo, pífia quando comparada com a da China, com o país não tendo condições para substituir parte significativa da demanda global. Os discursos sobre o país se beneficiar com a guerra comercial são, portanto, vazios e pouco fundamentados.

O país precisaria passar por ampla transformação para ser um vencedor nessa nova realidade, independentemente de ser um mundo mais protecionista ou, ao contrário, um com menos barreiras tarifárias e não tarifárias. As perspectivas do Brasil, porém, não são favoráveis. Além de não ser consensual, esse caminho enfrentaria resistência, seja porque grande parte da elite e seus poderosos grupos de interesse estão apenas interessados na preservação ou mesmo ampliação de seus privilégios, seja por conta das agendas do governo e do Congresso completamente desalinhadas dos ajustes requeridos, entre os quais:

Transformação educacional: o progresso exige adoção generalizada do ensino em tempo integral, melhoria da qualidade e dos salários do magistério, incentivos para os bons resultados dos alunos e das escolas em exames anuais, com aulas extras e acompanhamento psicológico para os estudantes de pior desempenho e intervenção nas escolas de performance muito abaixo da média, e exigência da presença dos alunos para recebimento de benefícios sociais pela família.

Remodelagem das contas públicas: o aumento contratado dos gastos obrigatórios nos próximos anos exigirá ações amplas para garantir a solvência da dívida pública. Essas medidas incluem:

Reforma da Previdência Social: os gastos previdenciários respondem por parte dominante das despesas públicas. O atual desequilíbrio requer novo aumento da idade mínima de aposentadoria para 67 anos para homens e mulheres tanto do setor privado como do serviço público - civil e militar. Ademais, os valores dos benefícios de pensão e aposentadoria precisam deixar de acompanhar o reajuste do salário mínimo, passando a seguir, por exemplo, a inflação relativa à cesta de gastos desse grupo.

Incorporação de todos os benefícios sociais e trabalhistas no âmbito do programa Bolsa Família: incorporação do BPC e do seguro-desemprego no programa, com congelamento desses benefícios até sua equiparação com os pagamentos do Bolsa Família.

Extinção de regras de proporcionalidade em relação à arrecadação ou ao crescimento real para gastos obrigatórios: as normas se referem, por exemplo, às despesas com saúde e educação.

Exigência de maior rigor na alocação de emendas parlamentares: os gastos precisam ter maior eficácia e melhor monitoramento, bem como ser associados a programas federais, estaduais ou municipais robustos.

Aumento da carga tributária: o corte de gastos dificilmente será suficiente para garantir a solvência das contas. A arrecadação precisará crescer por meio de uma tributação progressiva da renda e da cobrança de alíquota mínima de Imposto de Renda (IR) para a camada mais rica da população.

Corte expressivo das renúncias tributárias: muitos privilégios fiscais, com benefícios para a redução da pobreza ou elevação da produtividade inferiores aos seus custos, precisam ser eliminados.

Fim de privilégios no IR: extinção de abatimentos dos gastos com educação, saúde, contribuições para instituições sem fins lucrativos, e transferências no âmbito da Lei Rouanet.

Fim de programas trabalhistas: o FGTS e os vales refeição e alimentação podem ser extintos, com as contribuições das empresas sendo incorporadas aos salários dos empregados, sem cobrança de IR na fonte sobre esses valores. Do mesmo modo, o abono salarial também não se justifica mais.

Reforma administrativa: definição de regras transparentes de remuneração, avaliação, promoção, transferência e dispensa para o funcionalismo público dos três níveis. A imposição sem exceções do limite constitucional para os salários dos servidores públicos dos três níveis de poder é crucial para dificultar a captura do Estado pelas suas corporações.

Reforma do comércio exterior: redução de barreiras comerciais tarifárias e não tarifárias.

Privatização, incorporação e fechamento de estatais: estatais que não precisam da interveniência do Estado podem ser privatizadas, como Petrobras, Banco do Brasil e Correios. Já outras com utilidade questionável podem ser incorporadas ou fechadas, como BNB, BASA e Codevasf.

Em suma, não há como não ficar desencantado com o cenário brasileiro, pois os avanços necessários para a construção de uma nação mais desenvolvida e justa são inalcançáveis no médio prazo. Além de ser irrealista pensar no Brasil como o país do futuro, o risco é de a sua economia ficar cada vez mais para trás em termos relativos, não apenas em relação à China, mas também frente aos demais países da Ásia.

*Nilson Teixeira, Ph.D. em economia

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