Valor Econômico
Discursos sobre o país se beneficiar com a guerra comercial são vazios e pouco fundamentados
O Brasil é um país atrasado frente à China
sob quase todas as óticas, a não ser, principalmente, nas questões de direitos
humanos, bem como de liberdade política e de expressão. Essa avaliação tem
ficado ainda mais patente na minha longa viagem à China, mesmo quando não
considero impressões extraídas de suas principais cidades, como Pequim, Xangai,
Shenzhen ou Guangzhou. Não é só isso: o caminho na mesma direção de outros
países da Ásia reforça a leitura de que o Brasil deixou de ser o país do futuro
há muito tempo.
A expectativa de que o Brasil possa se beneficiar com a guerra comercial, com possível reversão desse atraso, não faz sentido. O país até exportará mais produtos agrícolas para a China, mas a venda dessas commodities para outros mercados diminuirá por conta de sua oferta inelástica. Do mesmo modo, as exportações brasileiras para os EUA não aumentarão de forma significativa, pois o país não tem capacidade de prover os mesmos produtos ofertados pela China, como eletrodomésticos, produtos eletrônicos, bens tecnológicos nem bugigangas.
O Brasil não tem mão de obra qualificada,
base industrial robusta com fábricas modernas e dezenas de robôs, tecnologia e
pesquisa de ponta, logística avançada, ferrovias modernas e disseminadas,
rodovias bem pavimentadas nem ampla capacidade portuária e aeroportuária. A
infraestrutura do país é, em resumo, pífia quando comparada com a da China, com
o país não tendo condições para substituir parte significativa da demanda
global. Os discursos sobre o país se beneficiar com a guerra comercial são,
portanto, vazios e pouco fundamentados.
O país precisaria passar por ampla
transformação para ser um vencedor nessa nova realidade, independentemente de
ser um mundo mais protecionista ou, ao contrário, um com menos barreiras
tarifárias e não tarifárias. As perspectivas do Brasil, porém, não são
favoráveis. Além de não ser consensual, esse caminho enfrentaria resistência,
seja porque grande parte da elite e seus poderosos grupos de interesse estão
apenas interessados na preservação ou mesmo ampliação de seus privilégios, seja
por conta das agendas do governo e do Congresso completamente desalinhadas dos
ajustes requeridos, entre os quais:
Transformação
educacional: o progresso exige adoção generalizada do ensino em tempo
integral, melhoria da qualidade e dos salários do magistério, incentivos para
os bons resultados dos alunos e das escolas em exames anuais, com aulas extras
e acompanhamento psicológico para os estudantes de pior desempenho e
intervenção nas escolas de performance muito abaixo da média, e exigência da
presença dos alunos para recebimento de benefícios sociais pela família.
Remodelagem das contas
públicas: o
aumento contratado dos gastos obrigatórios nos próximos anos exigirá ações
amplas para garantir a solvência da dívida pública. Essas medidas incluem:
Reforma da Previdência Social: os gastos
previdenciários respondem por parte dominante das despesas públicas. O atual
desequilíbrio requer novo aumento da idade mínima de aposentadoria para 67 anos
para homens e mulheres tanto do setor privado como do serviço público - civil e
militar. Ademais, os valores dos benefícios de pensão e aposentadoria precisam
deixar de acompanhar o reajuste do salário mínimo, passando a seguir, por
exemplo, a inflação relativa à cesta de gastos desse grupo.
Incorporação de todos os benefícios sociais e
trabalhistas no âmbito do programa Bolsa Família: incorporação do BPC e do
seguro-desemprego no programa, com congelamento desses benefícios até sua
equiparação com os pagamentos do Bolsa Família.
Extinção de regras de proporcionalidade em
relação à arrecadação ou ao crescimento real para gastos obrigatórios: as
normas se referem, por exemplo, às despesas com saúde e educação.
Exigência de maior rigor na alocação de
emendas parlamentares: os gastos precisam ter maior eficácia e melhor
monitoramento, bem como ser associados a programas federais, estaduais ou
municipais robustos.
Aumento da carga tributária: o corte de
gastos dificilmente será suficiente para garantir a solvência das contas. A
arrecadação precisará crescer por meio de uma tributação progressiva da renda e
da cobrança de alíquota mínima de Imposto de Renda (IR) para a camada mais rica
da população.
Corte expressivo das renúncias tributárias:
muitos privilégios fiscais, com benefícios para a redução da pobreza ou
elevação da produtividade inferiores aos seus custos, precisam ser eliminados.
Fim de privilégios no IR: extinção de
abatimentos dos gastos com educação, saúde, contribuições para instituições sem
fins lucrativos, e transferências no âmbito da Lei Rouanet.
Fim de programas
trabalhistas: o
FGTS e os vales refeição e alimentação podem ser extintos, com as contribuições
das empresas sendo incorporadas aos salários dos empregados, sem cobrança de IR
na fonte sobre esses valores. Do mesmo modo, o abono salarial também não se
justifica mais.
Reforma administrativa: definição de
regras transparentes de remuneração, avaliação, promoção, transferência e
dispensa para o funcionalismo público dos três níveis. A imposição sem exceções
do limite constitucional para os salários dos servidores públicos dos três
níveis de poder é crucial para dificultar a captura do Estado pelas suas
corporações.
Reforma do comércio exterior: redução de
barreiras comerciais tarifárias e não tarifárias.
Privatização, incorporação e
fechamento de estatais: estatais que não precisam da
interveniência do Estado podem ser privatizadas, como Petrobras, Banco do
Brasil e Correios. Já outras com utilidade questionável podem ser incorporadas
ou fechadas, como BNB, BASA e Codevasf.
Em suma, não há como não ficar desencantado
com o cenário brasileiro, pois os avanços necessários para a construção de uma
nação mais desenvolvida e justa são inalcançáveis no médio prazo. Além de ser
irrealista pensar no Brasil como o país do futuro, o risco é de a sua economia
ficar cada vez mais para trás em termos relativos, não apenas em relação à
China, mas também frente aos demais países da Ásia.
*Nilson Teixeira, Ph.D. em economia
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