- O Globo
Aconteceu algo misterioso no Centro do Rio. Ele se ampliou e tudo ficou mais próximo, ao mesmo tempo. Parece contraditório, mas, com a retirada da Perimetral e a revitalização, o ambiente está mais amplo e, sem o viaduto, o que estava atrás dele ficou mais perto. A cidade virou de frente para o mar, no seu velho Porto. O visitante tem, então, essa sensação mista de amplitude e proximidade.
Oantigo Centro do Rio renovado e as mudanças nos transportes são os mais democráticos legados. No último domingo, o local, que ficava vazio nos fins de semana, estava lotado. Gente vibrante, famílias inteiras circulando entre os diversos pontos entre a Praça Mauá, Praça XV, o Porto Maravilha, o Museu do Amanhã, o Boulevard Olímpico, a Casa do Brasil. De repente, é possível ver o VLT desfilando sua modernidade em frente ao Mural do Kobra.
O mural era uma parede enorme, feia e envelhecida. Sem janelas, sem nada. As costas de uma construção que por dentro permanece envelhecida e feia. Mesmo quem conhece o Centro do Rio não consegue lembrar como era. O filme da transformação me foi mostrado pelo empresário Gaetano Lopes, da Gael, que administra o Boulevard do Centro e de Madureira, e reaviva a memória:
— Falam tanto de legado e eu quis deixar um também. Chamamos o Kobra, dissemos que a ideia era trabalhar com os anéis olímpicos, ou seja, os cinco continentes, e ele fez esse trabalho lindo.
De fato, é imperdível para quem for visitar o Centro do Rio o painel com os rostos dos povos nativos dos cinco continentes. Se der sorte, o VLT, com seu design moderno, passará na frente do Mural, num contraste perfeito entre o novo e o tradicional. A tradição nos rostos nativos, o novo da arte do grafite nascida na rua e um novo modal do transporte, limpo, leve e bonito.
Todos sabemos as dificuldades de transporte público do Rio e até num fim de semana, sem horário para cumprir, o visitante terá dificuldades de entender onde comprar o bilhete para o VLT e poderá ter que se espremer dentro dele. Mas vale a pena conferir.
Para o leitor que estranha uma coluna de viagem sobre a própria cidade onde mora a colunista há 30 anos, peço licença. Sei que a notícia econômica é a renegociação da dívida dos estados. Já falei sobre ela e voltarei a me dedicar aos temas habituais. Mas é Olimpíada no Rio e é impossível não se deixar contaminar pela vibração. A cidade está cheia do que fazer, mas o que já foi feito acentuou sua beleza natural e construída. E nosso primeiro ouro vem de uma menina, Rafaela, da Cidade de Deus. Tudo emocionante.
Os belos prédios do Centro do Rio, de épocas diferentes, das diversas vezes em que a história passou por aquele ponto da cidade, tomam-se de ares, exibem-se. Quem desvia o olhar para o mar pode ver, de repente, a caravela que veio para a Olimpíada: o Navio-Escola Sagres, que é a Casa de Portugal. O enorme transatlântico, onde está hospedado o time do basquete masculino americano, parece que entrou dentro do Rio e faz parte da paisagem de terra.
Quando se mora na cidade olímpica, o risco é ficar prisioneiro dos afazeres naturais da vida e nem ver o que é imperdível. Desde o começo, a remodelação do porto me emocionou. As obras encontraram as pedras do Valongo e aquele revolver da história, revelando o local onde passou um milhão de escravos, foi inspirador. Reencontrado o velho cais, o Rio decidiu valorizar a herança dos negros, da qual o centro da cidade é parte fundamental. Hoje, o circuito afro, com várias paradas, faz parte da cidade com o cais protegido por uma obra que respeita e valoriza o sitio arqueológico.
O movimento econômico nos bares e restaurantes do centro aumentou de forma exponencial. Difícil é encontrar um dos botecos tradicionais com fila pequena. O restaurante Mosteiro foi muito frequentado pelo mercado financeiro quando havia bolsa de valores, BVRJ, e muitas sedes de bancos no Rio. Ainda é frequentado, nos dias úteis, mas nunca havia aberto suas portas em fins de semana. Desde o começo de julho, passou a funcionar também sábado e domingo, com a casa lotada e fila de espera.
Os sinais da renovação do Centro começaram antes da Olimpíada e podem ajudar na recuperação econômica de uma cidade que, como as outras do Brasil, está batida pela recessão.
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