O Globo
A disputa entre Elon Musk e
Alexandre de Moraes tem provocado defesas apaixonadas e unilaterais,
alimentadas pela dinâmica polarizada que exige apoio entusiasmado ao adversário
do inimigo. Uma análise cuidadosa sugere, porém, que os dois, Musk e Moraes,
cada um a sua maneira, contribuem para o enfraquecimento da democracia
brasileira.
Os inquéritos dos movimentos antidemocráticos
conduzidos por Moraes apresentam problemas de forma, como já discuti noutras
ocasiões nesta coluna, mas também de conteúdo. No que se refere às publicações
nas mídias sociais com conteúdos ilícitos, Moraes tem adotado uma abordagem mão
pesada.
No passado, a punição-padrão para uma publicação considerada ilícita pela Justiça era a exclusão dela especificamente. Considerava-se que a exclusão da conta do infrator configurava censura prévia, uma vez que o impedia de cometer um novo ato ilícito antes mesmo de ser cometido. Os inquéritos do STF, porém, tornaram triviais as suspensões de contas, em vez de apenas das publicações problemáticas.
Entre o final de 2022 e o início de 2023,
quando o país assistia a campanhas maciças que incentivavam intervenção
militar, parecia razoável, diante da urgência, suspender contas que publicavam
conteúdos ilícitos de maneira reiterada. Contudo, depois do fim do movimento
golpista e da prisão dos líderes, não há mais justificativa para suspender
contas inteiras. E a censura prévia não é o único problema. As ordens de
exclusão são dadas sem que os envolvidos tenham a oportunidade de se defender —
são decididas sem o devido contraditório, em segredo de Justiça.
Nada disso, é claro, justifica a resposta
moleque de Elon Musk. O empresário determinou que o X tornasse público os
pedidos de suspensão de contas que corriam em segredo de Justiça. Moraes dobrou
a aposta e ameaçou prender o representante da empresa se suas determinações não
fossem cumpridas. Musk então determinou o fechamento da subsidiária da empresa
no Brasil e desligou seu representante legal. Enquanto a disputa crescia, Musk
tratava com escárnio as tentativas da Justiça de enquadrá-lo.
Nas últimas semanas, a Justiça brasileira
tentou de todas as formas intimar o X, que não tinha mais representante ou
advogado constituído no país. Foi apenas diante desse impasse que Moraes
determinou à Anatel o
bloqueio da rede, depois de inúmeras tentativas de contato e de a empresa
acumular R$ 18 milhões em multas.
Desobedecer à Justiça brasileira é uma
resposta ilegal e inaceitável, independentemente do que possamos achar da
suspensão de contas. Qualquer empresa de mídia social que tome medidas para
escapar do alcance da Justiça deve ser suspensa no país, já que se recusa a
seguir a lei brasileira. Musk sabe disso e, embora se coloque como vítima de um
ditador, provocou deliberadamente essa resposta sobre si.
A provocação moleque de Musk custará caro. O
Brasil é o sexto país com mais usuários do X (cerca de 22 milhões) e deve
corresponder, aproximadamente, a 3,5% das receitas da empresa (pouco mais de
US$ 100 milhões). Além do prejuízo financeiro, a recusa em se submeter à
Justiça brasileira acenderá todos os sinais amarelos dos reguladores pelo
mundo, sobretudo os rigorosos europeus. Se ele se dá o direito de não cumprir
uma decisão por aqui, poderá fazer o mesmo noutras partes.
Embora o bloqueio do X seja justificado,
Moraes mais uma vez agiu de forma precipitada e excessiva. Além de bloquear a
plataforma, impôs uma multa abusiva de R$ 50 mil para qualquer usuário que
tentar acessar o X por meio de VPN — medida que esperaríamos de uma ditadura
chinesa, e não de um Supremo brasileiro. Também não tomou o cuidado de divulgar
as várias tentativas de notificação à empresa. Isso poderia ter preparado o
público, ao longo das últimas semanas, para a suspensão iminente. Como
resultado, a decisão foi percebida como abrupta e arbitrária. Esse cuidado com
a legitimidade da medida perante o público foi negligenciado porque Moraes não
parece sentir necessidade de prestar contas. No entanto, numa democracia, quem
detém poderes excepcionais, como os de Moraes, deve justificar cada ação. A
postura arrogante de se colocar como salvador da democracia, que não deve
satisfações a ninguém porque sua missão é nobre, é um dos principais fatores
para que 40% da população não confie no STF.
5 comentários:
Muito bom, bem argumentado!
" Contudo, depois do fim do movimento golpista e da prisão dos líderes, não há mais justificativa para suspender contas inteiras. "
Tenho minhas dúvidas se tais líderes foram presos. Inclusive, um deles continua livre, leve e solto dando pitacos nas eleições das maiores cidades e, por enquanto, é figura de peso na política nacional.
Realmente, só julgaram e prenderam os peixinhos miúdos (desculpem a redundância, mas é assim mesmo). Nenhum financiador e nenhum líder do golpismo recente foi preso, nem mesmo julgado por tal crime! Condenaram centenas de bagrinhos a 17 anos de prisão, e deixam os líderes agindo à solta ainda hoje.
Ninguém fala no arbítrio ditatorial do Alexandre de Moraes que vem a muito tempo atropelando o processo legal Usando todo tipo de perseguição aos inimigos que ele faz e escolhe Todo mundo aceitando o ditador nervosão numa boa, como se Elon Musk fosse um moleque que precisa tomar corretivo , existe uma legislação a respeitar, nós estamos numa democracia ou não estamos ? Existe uma constituição ou não existe ? nós brasileiros achamos que não precisa respeitar a Constituição se o Xandão falou tá falado
Impeachment pro ditador que se acha acima do bem e do mal não precisa dar conta do seus atos Autoritários Inconstitucionais
Bolsonarista preocupado com a Constituição??? Enquanto Bolsonaro preparava o golpe militar atendendo aos milhares que pediam intervenção militar, e aos que rezavam em frente aos quartéis, e quando destruíam o patrimônio público em 8/1/23, pensavam algum momento na Constituição??
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