Valor Econômico
Proposta de emenda constitucional que tenta
dar previsibilidade ao orçamento do Ministério da Defesa dá sinais de avanço
Cerca de um ano e meio depois de protocolada
no Senado, a proposta de emenda constitucional que tenta dar previsibilidade ao
orçamento do Ministério da Defesa dá sinais de avanço. É uma movimentação
silenciosa e ainda sem prazo para ser concluída. Mas, diante de um cenário
externo que se deteriora a cada dia, já está nos bastidores inclusive o debate
para tentar aperfeiçoar o texto da PEC 55 de 2023.
Mudou o cenário observado desde o primeiro
ano do atual mandato do presidente Lula, quando ocorreram os ataques do 8 de
janeiro e interlocutores da cúpula militar deram por interditada a tramitação
da proposta. Para essas fontes, sinal claro deste novo momento é a recente
articulação para a indicação do senador Randolfe Rodrigues (PT-AP) como relator
da matéria na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ).
Líder do governo no Congresso Nacional e
representante do Amapá, avalia-se que Randolfe pode retirar da PEC o carimbo
que seus críticos colaram nela de ser uma proposta da oposição. Afinal, quem a
apresentou foi Carlos Portinho (PL-RJ), mas ela trata de uma questão de Estado.
Adicionalmente, Randolfe conhece de perto a realidade da Amazônia e a
necessidade de proteção da Margem Equatorial.
Concluída a análise da constitucionalidade da PEC, a ideia é avançar nas discussões sobre mérito e forma.
Quanto à forma, planeja-se alterar o texto
original. Ele define que a União deve destinar por ano um valor igual ou
superior a 2% do Produto Interno Bruto do exercício financeiro anterior para
ações e serviços relativos à Defesa Nacional, a cargo do Ministério da Defesa,
ante a marca atual de aproximadamente 1,1% do PIB.
Uma saída seria substituir esse percentual
utilizado como referência pelos países da Organização do Tratado do Atlântico
Norte (Otan) por um percentual da receita corrente líquida (RCL), algo que já
ocorre com saúde e educação, por exemplo. O ponto de partida seria a previsão
de 1,5% da RCL, com a possibilidade de um crescimento gradativo até a marca de
2%. Mas ainda assim a PEC enfrenta resistências na equipe econômica devido ao
risco de maior engessamento do Orçamento e à criação de novas vinculações, em um
momento em que diminuem as despesas discricionárias do Executivo.
Já uma fonte militar que acompanha de perto
as discussões diz que, independentemente do percentual, o importante é a
disposição de definir critérios que assegurem a previsibilidade orçamentária de
projetos estratégicos de longo prazo necessários para a defesa da soberania
nacional. Até maio, diz essa autoridade, as Forças Armadas estão operando com
apenas 5/18 das verbas previstas para 2025 devido à demora na aprovação da lei
orçamentária anual.
É verdade que existem alternativas paliativas
sobre as mesas dos comandantes das Forças Armadas, como a obtenção de parcela
de royalties do petróleo ou recursos de fundos setoriais, como o Fundo Naval e
Fundo de Desenvolvimento do Ensino Profissional Marítimo. Também se discute a
alteração do escopo de contratos, por exemplo com a aquisição de um número
maior de aeronaves em vez de uma quantidade menor de equipamentos de última
geração. Ou ainda a utilização de recursos obtidos com o aluguel de imóveis.
Mas nenhuma dessas saídas seria estrutural.
Além disso, na visão de integrantes da equipe
econômica, em muitos desses casos a receita obtida seria irrelevante em
comparação às necessidades de investimentos e custeio das instituições
militares. A intenção também é atrelar essa discussão a um debate mais amplo
sobre gastos com pessoal: no ano passado, por exemplo, o governo enviou uma
proposta para reduzir os desembolsos com o sistema de proteção social dos
militares.
Quanto ao mérito, a conjuntura internacional
infelizmente tem fornecido argumentos de sobra para legitimar o debate.
Observa-se um exponencial aumento de dispêndios militares por todos os pontos
do globo.
Nos últimos meses, por exemplo, o presidente
Donald Trump e outras autoridades americanas ameaçaram tomar a Groenlândia e o
Canal do Panamá. Pete Hegseth, secretário de Defesa dos Estados Unidos,
criticou em uma entrevista a crescente influência da China na América do Sul e
Central. Ao sinalizar que os EUA querem retomar a presença no continente,
chamou a região de “quintal”.
Em março, a Organização das Nações Unidas
reconheceu a ampliação do território marítimo brasileiro em 360 mil quilômetros
quadrados, na chamada Margem Equatorial, em uma consolidação da Amazônia Azul
como fronteira estratégica. O Brasil passa a ter direitos sobre uma imensa área
rica em biodiversidade e recursos energéticos, um território onde são
encontradas ameaças relacionadas ao tráfico de drogas, pesca ilegal e
pirataria, além de riscos à infraestrutura crítica. Porém, de forma paradoxal,
a Marinha pode perder por volta de 40% de seus navios até 2028.
O Exército também fez recentemente uma
mobilização considerável para aumentar sua presença em Roraima, na fronteira
com a Venezuela. Demanda recursos, por exemplo, para garantir a compra e o
equipamento de blindados sobre lagartas e artilharia antiaérea de média altura.
Isso sem falar em investimentos em defesa cibernética.
Esta é uma discussão que não pode se
restringir ao meio militar. Além do Ministério da Defesa e do Palácio do
Planalto, o Congresso precisa se apropriar do tema com responsabilidade, ciente
dos desafios geopolíticos enfrentados pelo Brasil e respeito às regras fiscais.
O diálogo foi aberto.
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