Correio Braziliense
A PF intimou o diretor-geral da Abin, Luiz
Fernando Corrêa, a prestar depoimento no âmbito da investigação sobre o suposto
esquema de espionagem ilegal dentro do órgão
Desde a tentativa de golpe de 8 de janeiro de
2023, cada dia que passa, a política brasileira ganha ares de um romance
policial noir, no estilo da trilogia de Joy Ellroy sobre a trama conspiratória
que resultou no assassinato do presidente John Kennedy, em 22 de novembro de
1963, e nos acontecimentos posteriores da política dos Estados Unidos,
inclusive os golpes de Estado que ocorreram no Brasil e em outros países
latino-americanos.
Por pouco, segundo investigações da Polícia Federal (PF), não se consumou o assassinato do ministro Alexandre Moraes, relator do inquérito que investiga o golpe, numa operação abortada de última hora, cujo plano previa, também, os assassinatos do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e do vice-presidente Geraldo Alckmin, para destituir um governo eleito pelo voto popular. É a impunidade dos responsáveis pelos acontecimentos de 8 de janeiro de 2023 que está em questão quando se discute uma anistia aos que participaram da tentativa de golpe.
As articulações para a aprovação da anistia
pelo Congresso utilizam os mesmos instrumentos da preparação do golpe, entre os
quais a manipulação de informações nas redes sociais, com uso de algoritmos e
inteligência artificial, para pressionar cada parlamentar isoladamente, a
partir de sua base eleitoral. Existe um "estado-maior" digital que
conduz essa operação, nos moldes do "gabinete do ódio".
Graças à força desses grupos de pressão, o
líder do PL, Sóstenes Cavalcante (RJ), emparedou o presidente da Câmara, Hugo
Motta (Republicanos-PB), e o obrigou a transferir sua prerrogativa de decidir a
pauta da Câmara para o colégio de líderes.
Segundo o líder do PL, que apresentou o
requerimento para acelerar o projeto da anistia, o presidente da Câmara tem
muitas prerrogativas, mas as decisões "mais importantes" devem ser
tomadas pelo colégio de líderes ou pela maioria dos parlamentares. Nesta
terça-feira, Motta abdicou da decisão monocrática a que tem direito e anunciou
que vai levar o pedido de urgência da anistia aos líderes, para que decidam.
Mais de mil pedidos de urgência estão na fila aguardando votação.
O paralelo com as relações golpistas e
mafiosas da política americana da década de 60 pode ser traçado a partir do
primeiro livro da trilogia de Ellroy, Tabloide Americano (Record),
título inspirado nos jornais populares que serviram de abrigo para roteiristas
expulsos de Holllywood pelo macarthismo. Os mais famosos foram Dalton Trumbo,
Lester Cole e Dashiell Hammett.
Melhor romance dos EUA de 1996, Tabloide
Americano descreve a trama golpista e mafiosa que culminou no espantoso
assassinato de Kennedy, em Dallas — que antecedeu os assassinatos de Martim
Luther King (4 de abril de 1968), o pastor negro que liderou a luta contra o
racismo e pelos direitos civis —, e de seu irmão Bobby Kennedy (6 de junho de
1968), que investigava a máfia.
Fora de controle
Nesta terça-feira, a Polícia Federal intimou
o diretor-geral da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), Luiz Fernando
Corrêa, a prestar depoimento no âmbito da investigação sobre o suposto esquema
de espionagem ilegal dentro do órgão — conhecido como "Abin
paralela". Em nota, o diretor-geral da Abin afirmou que "está à
disposição das autoridades competentes para prestar quaisquer esclarecimentos,
seja no âmbito administrativo, civil ou criminal".
Corrêa foi diretor-geral da PF durante o
segundo governo de Lula. Andrei Rodrigues, atual chefe da corporação, que
comandou a segurança do presidente durante a campanha de 2022, apura a eventual
obstrução, por parte da atual gestão, à investigação do uso da Abin durante o
governo Jair Bolsonaro (PL). No caso da chamada Abin Paralela, os principais
implicados são o deputado Alexandre Ramagem (PL-RJ) e o vereador carioca Carlos
Bolsonaro (PL), filho do ex-presidente Jair Bolsonaro; e se Corrêa tinha conhecimento
e autorizou a suposta espionagem de autoridades paraguaias por hackers da Abin.
É responsabilidade do Congresso fiscalizar as
atividades de inteligência, contrainteligência e outras ações relacionadas,
desenvolvidas no Brasil e no exterior, mas isso nunca ocorreu. São os órgãos de
inteligência que controlam a Comissão Mista de Controle das Atividades de
Inteligência (CCAI), por meio parlamentares amigos. A CCAI tem a prerrogativa
de acesso a documentos, estruturas e operações dos órgãos de inteligência.
Criada em 2013, embora já estivesse prevista
desde 1999, a comissão é composta por seis senadores e seis deputados,
incluindo os presidentes das comissões de Relações Exteriores e de Defesa
Nacional, além de líderes da maioria e minoria na Câmara e no Senado. O atual
presidente da Comissão Mista de Controle das Atividades de Inteligência é o
deputado Filipe Barros (PL-PR), presidente da Comissão de Relações Exteriores e
de Defesa Nacional da Câmara dos Deputados, um bolsonarista raiz.
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