O Globo
O plano revelado pela operação que prendeu
nesta semana um general, um coronel, dois majores e um policial federal
acusados de tramar um golpe de Estado no final de 2022 pode parecer delirante —
e é. Não quer dizer que não deva ser levado a sério.
A história do submundo militar está cheia de
tramas ousadas e amalucadas. Se tivesse ocorrido de forma isolada, a viagem da
tropa do general Olímpio Mourão de Juiz de Fora ao Rio de Janeiro teria sido
uma quartelada sem maiores consequências, e não o ato inicial do golpe de 1964.
Anos depois, quando o fim da ditadura era
questão de tempo, outro grupo de militares desembestados planejou detonar
bombas durante um show do Dia do Trabalhador, no Riocentro. A intenção era
incriminar a oposição e sabotar a redemocratização, mas a única vítima fatal
foi um sargento que estava no carro onde um dos artefatos explodiu.
Diante desse histórico, não surpreende que uma facção fardada tenha trabalhado até o final do governo Bolsonaro para impedir a posse de Lula — mesmo que, para isso, fosse necessário sequestrar Alexandre de Moraes, então presidente do Tribunal Superior Eleitoral, e envenenar o presidente e o vice-presidente eleitos.
A trama detalhada em documentos apreendidos
pela Polícia
Federal, que mapeou ainda mensagens, ligações e deslocamentos, não
deixa dúvida sobre a disposição desses golpistas. Mas ainda há perguntas
importantes no ar. E as respostas, além de necessárias, podem ser decisivas
para o futuro da nossa democracia.
A investigação sugere que Jair
Bolsonaro e seu vice na chapa à reeleição, Walter Braga
Netto, sabiam o que se passava e podem ter até autorizado a execução
do plano.
Em etapas anteriores do inquérito sobre a
trama golpista, Braga Netto foi flagrado incentivando os golpistas e
disseminando fake news sobre o comandante do Exército que se recusava a aderir
ao golpe, Freire Gomes, e sobre o futuro comandante de Lula, Tomás Paiva.
Segundo a PF, porém, Braga Netto fez bem mais
que isso: também abrigou em sua casa uma das reuniões de planejamento dos
golpistas, de que participou. Mas o relatório não explica como os
investigadores chegaram a essa conclusão.
Também ainda não está claro por que, se
consideram que ele teve participação tão relevante na trama, os delegados não
pediram a prisão de Braga Netto, com os demais.
A PF também constatou que o grupo chegou a
tomar posição ao longo do trajeto percorrido por Moraes, falando em códigos
militares.
Mas, embora os investigadores digam que se
tratava de uma operação para sequestrar o ministro, ainda não está claro se
pode ter sido apenas monitoramento. A ação foi abortada de uma hora para outra,
mas ainda é mistério por que isso aconteceu e quem deu a ordem.
Falta definir, também, o papel de Bolsonaro
na trama. As informações recolhidas pela PF mostram que o general Mário
Fernandes não só imprimiu parte dos planos para o golpe dentro do Palácio do
Planalto, como tinha acesso livre ao Alvorada, onde o presidente se enclausurou
depois da derrota.
Num áudio enviado já tarde da noite do dia 8
de dezembro de 2022 a Mauro Cid,
o ajudante de ordens de Bolsonaro que se tornou delator da PF, o general relata
a conversa que teve horas antes com o então presidente:
“Ele citou que o dia 12, pela diplomação do
vagabundo, não seria uma restrição, que isso pode, que qualquer ação nossa pode
acontecer até 31 de dezembro e tudo. Mas, porra, aí na hora eu disse, pô
presidente, mas quanto antes, a gente já perdeu tantas oportunidades”.
Inconformado, Fernandes pede a Cid que
reforce com o chefe a necessidade de agir rápido para que o pessoal acampado
nas portas dos quartéis não esmorecesse.
No dia seguinte, Bolsonaro surgiu na frente
do Alvorada com Braga Netto e disse: “As decisões, quando são exclusivamente
nossas, são menos difíceis e menos dolorosas. Mas, quando elas passam por
outros setores da sociedade, são mais difíceis e devem ser trabalhadas. Se algo
der errado, é porque eu perdi minha liderança. Eu me responsabilizo por meus
erros. Mas peço a vocês que não critiquem sem ter certeza absoluta do que está
acontecendo”. Fernandes comemorou: “ Que bacana que ele aceitou aí o nosso assessoramento”.
Tudo o que já veio à tona mostra quanto
estivemos perto de um golpe depois da eleição de 2022. O relatório final da PF
amarrando as pontas soltas está previsto para os próximos dias. Se cumprir o
seu propósito, vai ficar faltando apenas que Moraes se declare impedido para
relatar o inquérito sobre um crime de que era um dos alvos. O que não pode
acontecer é abrir brecha aos golpistas para seus advogados alegarem falta de
provas e pedirem arquivamento ou anulação de processos — ou mesmo para que se
volte a falar em anistia.
4 comentários:
É muita sujeira!
" O que não pode acontecer é abrir brecha aos golpistas para seus advogados alegarem falta de provas e pedirem arquivamento ou anulação de processos — ou mesmo para que se volte a falar em anistia. "
Perfeito !
Excelente coluna! E quem acha que cabeça de militar é normal e previsível? Uma boa parte deles é maluca e/ou violenta... Treinam com armas, se familiarizam com elas, mas a violência interna que carregam dentro deles é descontrolada em muitos casos. Jair Bolsonaro é só o caso mais evidente e exemplar, até didático!
Em treinamento recente, cadetes da AMAN iniciaram incêndio que consumiu 300 hectares de uma reserva florestal. Já dá para imaginar o tipo de (de) formação que recebem. Aliás, Bolsonaro, Pazuello & Cia. são crias dessa academia militar...
Postar um comentário