O Estado de S. Paulo
Talvez a nossa sorte em 2022 seja que parte
do oficialato resistiu aos devaneios golpistas
Uma das justificativas utilizadas para tentar minimizar a tentativa de golpe de Estado que ocorreria no final de 2022 é dizer por aí que se tratava de um delírio de meia dúzia de militares delirantes. Que planejar conspiração não é crime e por aí vai. O raciocínio não leva em conta que os golpes bem-sucedidos na história do Brasil partiram de ações ou tresloucadas ou de arroubos não planejados. Já acusado de tramar um atentado no qual o sistema de abastecimento de água do Rio de Janeiro seria atingido, o que abreviou sua carreira militar, o ex-presidente Jair Bolsonaro foi formado nessa cultura sublevações.
Tome se o caso da decisão do general Olímpio Mourão Filho, comandante da 4ª divisão de infantaria.
Aparentemente sem consultar os superiores, na noite do dia 31 de março de 1964
partiu de Juiz de Fora, Minas Gerais, em direção ao Rio de Janeiro para tomar o
poder do então presidente João Goulart. Acabou precipitando uma ação longamente
calculada, de expulsar Jango, mas não executada. O resultado foram 21 anos de
ditadura que começou, diga-se de passagem, com o apoio de grande parte da
classe média, das classes empresariais e mesmo da elite política.
Cerca de três décadas antes, um estratagema
inventado pelo mesmo Mourão Filho, o Plano Cohen, que colocava o Brasil sob o
risco iminente de uma insurreição comunista, foi uma das principais
justificativas para Getúlio Vargas dar um autogolpe e instalar o Estado Novo,
que durou oito anos. Tudo a partir de um engenho fantasioso. Getúlio, aliás,
que também caiu por outro golpe, mas pelo menos para instalar uma breve
democracia.
Há também uma série de tentativas que deram
errado. Como as rebeliões da Força Aérea para impedir a posse de Juscelino
Kubitschek – militares envolvidos anistiados estiveram envolvidos no golpe de
1964, aliás. Houve um plano do brigadeiro João Paulo Burnier de explodir o
Gasômetro, no Rio de Janeiro e colocar a culpa na oposição, no final dos anos
60. Foi impedido por militares legalistas. Imagine o tanto de esquemas que
nunca chegaram ao público. “Quando um golpe “dá certo” (para os golpistas),
ninguém se lembra de que ele começou com uma iniciativa ousada. Quando um golpe
fracassa, a tendência é ridicularizar o plano como delirante ou inviável”,
afirmou, no “X”, o professor titular de história do Brasil na UFRJ, Carlos
Fico.
Talvez a nossa sorte em 2022 seja que parte
do oficialato resistiu aos devaneios golpistas, assim como resistiram à pressão
dos perturbados que foram para a porta dos quartéis pedir golpe de Estado até
descerem à Esplanada dos Ministérios para quebrar os três poderes no dia 8 de
janeiro de 2023. Pode ser que a sociedade esteja mais consciente da importância
da democracia e os militares tiveram que recuar. São muitas lacunas que
precisam ser esclarecidas. Mas o fato é que esse mundo de derrubadas, bombas,
insubordinação e indisciplina – além da admiração pelo regime instalado em 1964
- foi o que forjou Jair Bolsonaro. Em outras palavras, foi criado em um ninho
de golpistas alucinados.
Um comentário:
Ok, ok...
Mas, para alguns, " tudo isso é apenas narrativas " ( sic ).
😏😏😏
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