Melhorar serviços públicos é o novo desafio
Quais serão os grandes temas da disputa eleitoral, em 2014? De tanto se discutir filiação partidária e minutos no horário eleitoral, acaba-se esquecendo o que considero decisivo: a disputa pela hegemonia. Uma eleição não é só apuração de votos. É a luta "pela alma" dos cidadãos, na fórmula de Marco Aurélio Nogueira. Se tivéssemos um consenso forte entre os partidos - como no último pleito afirmava Plinio Sampaio, do PSOL, ao acusar Dilma, Serra e Marina de serem farinha de um único saco - apenas discutiríamos qual deles é mais apto a cumprir uma agenda comum. Mas nossa política está dividida. Sustentarei que temos três grandes temas para a sociedade debater; a questão é quais candidatos querem tratar de cada um deles.
O primeiro é o da inclusão social. Está no horizonte há décadas; desde Itamar Franco, os governos agiram nesse rumo. Mas só o governo Lula o inscreveu como política de Estado, como prioridade de governo. A inclusão fez os cem milhões de brasileiros que viviam na grande pobreza ou miséria, em 2005, baixarem em apenas cinco anos para metade desse número. Não acredito que em algum lugar do mundo já tenha havido ascensão social de tantos em tão pouco tempo. Mas esse inegável êxito dos governos petistas não está concluído. Restam dezenas de milhões no patamar mais baixo. O tema continua candente.
O segundo tema é o da corrupção. Aqui temos - infelizmente - um carimbo temático. Quem é pelo governo destaca seu sucesso na inclusão social. Quem é contra ressalta a corrupção. A crítica à corrupção do governo (federal, apenas) é o grande tema da oposição. Se a inclusão social gera apoio ao PT, a corrupção reúne o ódio a ele. Mas não importam nossas simpatias políticas: é um assunto importante. Há corrupção no país, embora não tenhamos indicadores objetivos para saber quem é mais corrupto. E a corrupção desmoraliza a política. Não pode ser tolerada. Foi um grave erro dos petistas relegar esse assunto a um segundo plano na discussão pública. Levou muitos a acreditar que só lhe deram importância enquanto estavam na oposição, virando a casaca mal chegaram ao governo. Não há como deixá-lo de lado.
O terceiro ponto é o que, a meu ver, foi trazido pelas ruas este ano: a exigência de serviços públicos de qualidade. Alguns amigos meus se incomodaram com as manifestações, considerando-as conservadoras. Não concordo, como não concordo com a desqualificação das queixas da classe média. Pagamos impostos para ter educação, saúde, transporte e segurança públicos. Mas estes não têm qualidade. Daí que a classe média pague - uma segunda vez - pelos mesmos serviços: põe os filhos em escolas particulares, paga plano de saúde, compra carro, contrata segurança na rua ou no prédio. Está aí a raiz de seu descontentamento com os impostos e com o governo federal, e não apenas, ou não essencialmente, em ideologias conservadoras. É justo, é necessário, a classe média indignar-se com isso. E sobretudo os pobres, que não podem pagar a mais: nosso maio começou com o clamor por transporte coletivo bom e barato para eles. A questão dos serviços públicos deverá estar na ordem do dia. Sustento que esse é o próximo grande desafio para a democracia brasileira, que foi capaz de conquistar as liberdades (1985), a estabilidade monetária (1994) e avançar significativamente na inclusão social (desde 2003).
Agora, a questão para as eleições: que candidatos, que partidos podem falar de cada um destes assuntos?
O PT continua sendo o melhor para falar em inclusão social, mas Aécio sabe muito bem que precisa disputar nessa área - rompendo com a rejeição de parte de sua base ao Bolsa Família. Seu mote pode ser: completar a inclusão social e ir além das medidas de emergência. Já a corrupção é um tema que o PT hoje subdiscute, enquanto as oposições o hiperdiscutem. Há exageros dos dois lados, mas é improvável que esse tema mude de dono. Quanto à qualidade dos serviços, que deverá logo tornar-se a bola da vez, o PSDB fala mais a respeito. Prometeu inúmeras vezes um "choque de gestão" (assunto do qual o PT pouco fala), mas é certo que os tucanos não mostram sucessos nesse capítulo. Quanto à Rede + PSB, tem estado omissa sobre os três pontos, o que me deixa cético, hoje, quanto a suas chances eleitorais.
Por ora, a oposição prefere falar aos empresários, não se sabendo ainda o que conseguirá propor ao eleitorado. O governo também corteja o capital, mas fala mais aos eleitores.
Porque nosso sistema eleitoral é curioso. Estamos agora no turno zero, em que os candidatos - sobretudo de oposição - fazem o tour do capital, para granjear apoio e financiamento. Os dois turnos, porém, são junto ao povo, cujas prioridades não são as dos ricos. O PT é o mais popular - embora sem ter maioria absoluta - nas urnas. Mas depois há um terceiro turno, que dura três anos, até as eleições seguintes, e de novo o dinheiro se faz ouvir. Equilibrar demandas sociais justas e o liberalismo inato dos empresários é um grande desafio. Por ora, prevalece a conversa com o dinheiro. Mas em breve os candidatos terão de falar ao povo, e os principais temas devem ser os que apontei.
É uma lástima que na última semana, em vez de discutirmos o futuro do país, tenhamos sido pautados pela questão da vida ou morte do deputado José Genoino. A execução das sentenças dividiria, de qualquer forma, a opinião. Portanto, esse assunto, por ser delicado, deveria ter sido tratado com a delicadeza necessária. Não o foi. O que aconteceu - e o que poderá acontecer - só aumentará o ódio no debate político brasileiro. A campanha se prefigura sombria.
Renato Janine Ribeiro é professor titular de ética e filosofia política na Universidade de São Paulo.
Fonte: Valor Econômico
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