Folha de S. Paulo
Aos trancos e barrancos, as instituições de
ensino erguem-se como bastiões de defesa contra o avanço do neofascismo
O ataque
de Trump às universidades americanas, maioria no rol das melhores do mundo,
é sintoma forte do neofascismo transnacional. Não foi adiante no período
de Bolsonaro,
mas exerce controle total na Hungria
de Orban. Pode ser característica de toda autocracia, porém tem mais a ver
com fascismo do que com nazismo ou stalinismo, apesar do sinistro parentesco
entre os três.
Suscita-se uma hipótese de vingança pessoal de Trump contra as altas instituições de ensino, de onde provém a elite dirigente dos EUA. Não só oito presidentes foram formados na Ivy League, núcleo de excelência universitária, assim como professores, economistas e cientistas, sempre nas pautas do Prêmio Nobel. Obama graduou-se em Harvard. Trump, embora proveniente da Ivy League (onde nunca foi benquisto), é produto de show televisivo. Respira e transpira banalidades, mas soube navegar no vácuo de credibilidade do elitismo: desde Truman, o povo americano descobriu que seus líderes eram grandes mentirosos. A verdade sobre as guerras inúteis do Vietnã e do Iraque não foi revelada aos jovens por governos, mas pela imprensa e pelas universidades.
O neofascismo trumpista constrói-se na
mentira aberta, sem descambar no neonazismo. É que o nazismo como programa
político "tinha uma teoria do racismo e do arianismo, uma noção precisa da
entartete Kunst, a ‘arte degenerada’, uma filosofia da vontade de potência e do
Übermensch. O nazismo era decididamente anticristão e neopagão" (Umberto
Eco, "Fascismo Eterno"). O fascismo, ao contrário, sem bases
filosóficas nem controle ideológico real, articulava-se emocionalmente em torno
de arquétipos tradicionais. Houve só um nazismo, mas vários os fascismos.
Duas características do velho fascismo
permitem identificar o novo: oposição ao avanço
do conhecimento e ação irracional do chefe. Em Trump, o açodamento da
guerra comercial e ameaças de conquistas territoriais. Depois, universidades
como alvos de alegações infundadas, dentre as quais o antissemitismo. Ele finge
desconhecer participação de judeus nas manifestações contra o massacre em Gaza
e agora a própria revolta interna em Israel.
Na realidade, o ambiente universitário no
mundo todo é conservador. Não exatamente de direita, mas de valores
universalistas derivados de um sistema de ideias. Isso comporta uma
diferenciação estrutural, processo pelo qual a estrutura de ensino se abre ao
surgimento de institutos e laboratórios. Para tanto é imprescindível o avanço
do saber, logo, liberdade de
pesquisa e opiniões. Manifestações estudantis e docentes são o
epifenômeno desse espírito libertário, sujeito ao debate.
Nenhuma comunidade de saber é possível num
sistema educativo à distância nem em universidades-empresas. Isso não significa
que o conhecimento esteja restrito às universidades. Mas, entre nós, as
instituições públicas são fontes de ensino aliadas à produção de conhecimento.
Vivem na corda bamba de orçamentos mesquinhos e cortes drásticos, em meio à
farra de emendas parlamentares sem prestação pública de contas. Ainda assim,
ascendem, como acaba de acontecer com a UFRJ,
no ranking das melhores. Aos trancos e barrancos, aqui e no mundo,
a universidade ergue-se
como bastião de defesa contra a metástase progressiva do neofascismo.
Nenhum comentário:
Postar um comentário