A independência dos procuradores deve ser preservada, para que se evite a frustração ocorrida na Itália
Com seis anos e meio de meio de existência, a Operação Lava-Jato enfrenta contingências que marcam uma fase de mudanças na maior ação coordenada contra a corrupção já ocorrida no Brasil. A substituição fortuita do procurador Deltan Dallagnol, devido a problemas de saúde na família, na coordenação da principal força-tarefa, em Curitiba, se somou à renúncia coletiva dos procuradores da seção paulista da operação, em choque com a responsável pelos processos, Viviane de Oliveira Martinez. Há desentendimentos aparentemente insuperáveis.
É mais uma crise num contexto de dificuldades. Fracassou a opção do juiz Sergio Moro — que despachava os casos da Lava-Jato em Curitiba — de aceitar o convite para ser ministro da Justiça e Segurança Pública de Jair Bolsonaro, com a intenção de atuar no Executivo e de influenciar o Congresso em favor de uma agenda anticrime, e anticorrupção em particular. Para completar, o presidente eleito com promessas de combate ao roubo do dinheiro público esqueceu o discurso de campanha e levou para a Procuradoria-Geral da República Augusto Aras, com a missão de impor freios e controles à turma de Curitiba.
Os números do balanço da Lava-Jato impressionam: 163 prisões temporárias, 130 preventivas, 1.343 buscas e apreensões, 500 denúncias à Justiça. Por trás dessas estatísticas, a operação atingiu políticos da primeira linha de poder no país, a começar pelo ex-presidente Lula. Os R$ 4 bilhões devolvidos aos cofres públicos, e os R$ 12,4 bilhões estimados em multas compensatórias lavradas em acordos de leniência, delações feitas em empresas, são mais uma evidência eloquente dos resultados da Lava-Jato. Jamais houve nada parecido no Brasil no combate à chaga histórica da corrupção.
Mas a operação não escaparia da fadiga de material. Não apenas pelo efeito das resistências previsíveis a que promotores, policiais e juízes começassem a reprimir um tipo de crime do colarinho branco ao largo do qual as instituições costumavam passar, inertes e apáticas. Mas também pela sedimentação, dentro da própria Lava-Jato, de uma cultura salvacionista, que por vezes desafiou limites e ritos legais, gerando a gritaria cada vez mais estridente contra um certo “lava-jatismo”. Não poderia ser diferente num país em que corrupção se transformara em moeda corrente nos negócios entre empresários e governos.
A operação entra agora em fase de ajuste. Nela deve haver o cuidado em preservar o que a Lava-Jato trouxe de positivo à luta contra o desvio de dinheiro do contribuinte. A questão estará presente caso prospere a ideia de uma central única de forças-tarefas, proposta com a evidente intenção de impedir que se repita a autonomia de Curitiba. Diante das mudanças inevitáveis, é essencial preservar a independência dos procuradores, para garantir que o espírito de combate aos corruptos não seja sacrificado no altar das conveniências políticas — e evitar que a Lava-Jato tenha o destino frustrante da congênere italiana Mãos Limpas.
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