- O Globo
O funcionalismo público no Brasil é tema recorrente na nossa história, alvo de críticas e ambições, e de politicagem desde sempre. A ponto de ter sido mote de uma marchinha de carnaval na interpretação de Blecaute em 1952: “Maria Candelária/ É alta funcionária/ Saltou de paraquedas/ Caiu na letra O/ Oh,oh,oh/ Começa ao meio-dia/ Coitada da Maria, trabalha de fazer dó/ A uma vai ao dentista/ Às duas vai ao café/ Às três vai à modista/ Às quatro assina o ponto e dá no pé/ Que grande vigarista ela é”.
Muita coisa mudou de lá para cá, os concursos públicos passaram a ser obrigatórios, mas ainda há funcionários que caem de paraquedas, agora nos DASs (cargos de direção e assessoramento superior) ou em funções gratificadas. O golpe do paletó na cadeira, sem que o dono esteja na repartição, ainda é comum.
A principal decisão da reforma administrativa apresentada ontem ao Congresso é a que retira a estabilidade de todos os funcionários, garantida apenas às carreiras de Estado, e impõe a avaliação de resultados dos futuros servidores públicos.
Os diplomatas, por exemplo, continuarão protegidos pela estabilidade, mas o ascensorista do Ministério das Relações Exteriores, não mais. Nem os demais funcionários desse e de outros órgãos de Estado que não forem da carreira, como na Receita Federal, no Banco Central ou na Polícia Federal, entre outros que serão definidos em lei complementar.
Os responsáveis pela reforma mostraram que há diversos órgãos com cargos idênticos e salários diferentes. Também salários desiguais na entrada de vários órgãos, o que também influencia a carreira como um todo. Um servidor da mesma categoria pode se aposentar com maior salário que um outro do mesmo nível, só por estar no ministério ou no órgão que oferece mais vantagens.
Além da bagunça de gestão, isso impede que um servidor de determinado ministério possa ser transferido para outro, para fazer o mesmo trabalho, e possibilitar que não seja contratado um novo funcionário. Mesmo os de carreiras de Estado serão submetidos a um período de experiência e só terão estabilidade depois de dez anos de atividade.
Essa é uma boa medida, pois os que entram na Receita Federal ou no Itamaraty estão lá para fazer carreira, e não em busca da estabilidade, que virá como decorrência da necessidade da função de Estado. Haverá também avaliação de desempenho do servidor. O objetivo é garantir a boa qualidade do serviço público, especialmente nos estados e municípios, para um futuro próximo.
O funcionamento similar ao setor privado alcançará apenas os que entrarem no serviço público depois da aprovação das mudanças no Congresso. O que for mudança constitucional, como a estabilidade, pega todos os funcionários. Mas o detalhamento que virá nas legislações, cada estado e município terá que fazer a sua reforma, sob a orientação do que for aprovado no Congresso.
A crítica de que a reforma não terá efeitos imediatos, pois só entrará em vigor quando forem sendo aposentados os atuais servidores, deixa de levar em conta a impossibilidade de uma reforma radical sem que os privilégios fossem judicializados como direitos adquiridos: licença-prêmio, adicional por tempo de serviço, promoção por tempo de serviço, entre outros.
Mesmo as vantagens que já haviam sido extintas continuam vigorando em alguns estados e municípios. O poder que o Executivo recebe na reforma, permitindo que possa fazer uma reorganização da estrutura governamental a seu modo, sem que seja preciso aprovação do Congresso, tem uma lógica correta de desburocratização, mas permitirá que um presidente eleito extinga órgãos e crie outros por uma tendência política. Só não poderá aumentar gastos como sua reforma pessoal.
Essa abertura dá chance a que, a cada governo eleito, a estrutura do Estado seja modificada, o que trará prejuízos à proposta de melhorar o serviço público. Será preciso impor certos limites. Mesmo que não precise de autorização, o presidente enfrentará a oposição do Congresso se quiser fazer mudanças prejudiciais à defesa do meio ambiente, para pegar um exemplo atual.
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