CartaCapital
A maioria do Congresso defende regalias
tributárias para os
As últimas semanas foram marcadas por um embate acerbo entre o Executivo e o Congresso Nacional, tendo como pivô a disputa em torno da política fiscal. De um lado da disputa, deixado sem alternativas por um Poder Legislativo hostil e produtor de gastos a rodo, inclusive (mas não só) mediante emendas parlamentares, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, resolveu botar um bode na sala: o aumento da tributação por meio do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF). Nenhuma alternativa de ajuste das contas públicas sendo oferecida pelos congressistas, o Executivo decidiu recorrer a um instrumento de sua alçada imediata (o decreto) para tentar tapar ao menos parte do buraco fiscal.
O problema é que o expediente, embora
prerrogativa do Executivo, pode ser sobrestado por um decreto legislativo, que
foi rapidamente elaborado e pautado em regime de urgência, sob a alegação de
assim frear o que seria a sanha arrecadatória de um governo supostamente
viciado em aumentar impostos. Na tentativa de superar o impasse, buscou-se um
entendimento na reunião
dominical entre Haddad e os presidentes das duas casas do Congresso. Dela
saíram em júbilo, anunciando um acordo histórico, propiciando maior justiça
tributária e, finalmente, levando setores privilegiados, com isenções ou
alíquotas irrisórias, a contribuir. Com isso, atacar-se-iam estruturalmente
gastos tributários que inviabilizam qualquer ajuste fiscal.
Contudo, o acordo histórico não durou 24
horas. No dia seguinte, o presidente da Câmara, Hugo Motta, desdisse tudo o que
havia alardeado na véspera. Num arreganho juvenil, afirmou que como chefe
de um Poder não lhe cabia servir ao projeto político de ninguém – no caso, do
governo Lula. Segundo o infante, a proposta tributária do Executivo seria muito
mal recebida no Congresso. Voltava-se assim à estaca zero do conflito. O que
teria havido para que Motta pudesse revelar-se um político tão firme quanto uma
maria-mole de festa junina? Difícil apontar só um fator, mas, certamente,
pesaram os lobbies de setores econômicos apaniguados por regalias tributárias e
o interesse de lideranças partidárias em fragilizar o governo, já visando as
eleições de 2026.
Não à toa, Motta e outros congressistas,
ecoados por segmentos da imprensa alinhados aos interesses de aquinhoados com
regalias tributárias, criticaram a tentativa de redistribuir os custos do
ajuste. Reivindicaram, em vez disso, cortes em gastos direcionados aos mais
pobres: Benefício de Prestação Continuada, Bolsa Família, saúde e educação.
Houve até quem dissesse não ser o caso de cobrar Imposto de Renda das Letras de
Crédito do Agronegócio, pois beneficiam um segmento que vai muito bem. Curiosa
tal lógica: se um setor econômico prospera muito, não precisa contribuir para
as contas públicas. Seguindo-se o raciocínio, tribute-se mais quem não prospera
e, portanto, ferro nos pobres. É a moralidade neoliberal com toda a sua crueza.
Embora disputas distributivas conformem uma
arena típica do embate esquerda-direita, já que concernem a produzir maior ou
menor igualdade, no caso brasileiro a regressividade da tributação é de tal
monta que o problema transcende essa polarização. Trata-se de questão
civilizatória, atinente a assimetrias superadas há décadas em sociedades não só
menos desiguais, mas também menos tolerantes com desigualdades obscenas como as
que naturalizamos por aqui.
Os problemas nesta conjuntura dos embates
entre Executivo e Legislativo são de duas ordens. Por um lado, trata-se de um
conflito distributivo, em que a maioria do Congresso defende privilégios
tributários de ricos, enquanto o governo tenta resolver o problema fiscal
promovendo um mínimo que seja de justiça fiscal. Por outro, trata-se de uma
relação entre os poderes marcada por um novo modo de funcionamento do
presidencialismo de coalizão brasileiro, o qual denomino como “governo
congressual”. Nesta nova dinâmica, produzida por seguidas transformações
institucionais desde 2015, sobretudo relativas ao controle congressual sobre o
orçamento, mas não só, o Executivo perdeu a capacidade, que lhe havia sido
conferida pela Constituição de 1988, de ditar a agenda legislativa. Hoje é o
Congresso que determina.
Não bastasse a nova institucionalidade, temos
o Congresso mais à direita desde o fim da ditadura, dificultando ainda mais a
vida de um presidente de esquerda, cujas prioridades colidem com as
preferências majoritárias e medianas do Legislativo. Se quiser vencer esta
batalha, o presidente precisa pautá-la no debate público.
Publicado na edição n° 1368 de CartaCapital,
em 02 de julho de 2025.
Nenhum comentário:
Postar um comentário