sábado, 28 de junho de 2025

Guerras são estúpidas - Eduardo Affonso

O Globo

Em vez de lutar pela paz, damos munição aos que, como nós, só precisam de um gatilho para acionar a própria beligerância

A guerra é estúpida, as pessoas são estúpidas, e, em certos meios, o amor não significa nada. Quem já era nascido no emblemático ano de 1984 há de se lembrar da figura andrógina de Boy George entoando, em inglês, esse pop new age de protesto. Talvez se referisse à guerra Irã-Iraque ou àquela em que a então União Soviética se atolava, no Afeganistão. Pode ser que evocasse outra, convenientemente interminável, entre Oceania, Eurásia e Lestásia, travada no romance de George Orwell.

Se, como no filme “Underground”, de Emir Kusturica, tivéssemos nos refugiado, naquela época, em algum subterrâneo, e só botássemos a cabeça para fora 41 anos depois, acreditaríamos que tudo continuava na mesma: os russos barbarizando (agora na Ucrânia), o Irã diante de outro antagonista (agora, Israel). E Oceania, Eurásia e Lestásia, mais reais do que nunca, num embate cujo objetivo não é a vitória, mas a manutenção do conflito — e, consequentemente, da mobilização, do medo.

A guerra é estúpida e nos estupidifica. Não importa quão distantes estejamos do campo de batalha, nos alistamos voluntariamente em algum regimento e preparamos nossa carga de artilharia — nas redes sociais, na imprensa, nos canais de notícia. E, em vez de lutar pela paz, desandamos a fornecer munição aos que, como nós, só precisam de um gatilho para acionar a própria beligerância.

Aí aparecem as feministas pró-Irã — uma teocracia onde “direitos” e “mulheres” dificilmente frequentam a mesma frase, sendo cabelos e ideias igualmente inimigos do regime, combatidos na base da porrada. E os “queer pela Palestina” — solidários não ao povo que merece um Estado livre, soberano e democrático, mas ao grupo terrorista que o parasita e que ofereceria de bom grado o espetáculo de pendurar pelo pescoço (ou atirar do topo de edifícios) qualquer um que hasteasse (literal ou metaforicamente) a bandeira do arco-íris.

É o ensejo para questionar por que Israel — que precisa se defender e garantir a própria sobrevivência — pode ter armas nucleares, e o Irã — ditadura teocrática que mantinha um relógio em contagem regressiva para aniquilar um Estado laico e plural —não. Ou, a pretexto de uma pergunta técnica, se indignar por mísseis lançados contra alvos militares em Gaza atingirem a população civil — usada como escudo humano — e não haver número equivalente de baixas (“só uma mortezinha daqui, outra dali”) entre os israelenses, devidamente protegidos em bunkers ou sob o manto de baterias antiaéreas.

Não há de ser ignorância ou má-fé, mas uma ação deliberada de fazer com que os sinos que dobram em Gaza, KievTeerãTel Aviv — e talvez venham a soar em Taipé, Pyongyang, Essequibo —dobrem sempre por nós. Pelo atávico e cuidadosamente cultivado antiamericanismo de centro acadêmico que faz a esquerda reencenar o eterno retorno da luta de Davi contra Golias — em que Davi é sempre ela (ainda que indisfarçavelmente antissemita e autoritária) e Golias (como o inferno e os fascistas) é sempre o outro.

Seria bom reler Orwell e voltar a ouvir Boy George em certos meios onde o amor não significa nada, e não se percebeu quão estúpidas são as guerras e as pessoas que se deixam seduzir por elas.

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