Exausta, com a língua seca, de olho no calendário que encurta os prazos para o início da campanha eleitoral, com os descontos das festas de fim de ano, Natal, Ano-Novo e as férias escolares, a crise da roubalheira no Senado chega ao fim, com vencidos e, sem vencedores, embrulhados no pacote de erros, despistes e denúncias cruzadas. Parece, mas não é, uma tentativa de suicídio coletivo, para enterrar o Congresso e recomeçar o espetáculo com o mesmo elenco dos salvados do incêndio e a renovação pelo voto que, por enquanto, só faz a careta da repugnância ao pior desempenho do Legislativo em todos os tempos, excluídos os 21 anos da ditadura que foram de farsa explícita.
No festival de mentiras, um espaço para a patuscada de circo mambembe do bate-boca entre a ministra candidata Dilma Rousseff, com o governo mobilizado para estancar a cascata de demissões na Receita Federal e a ex-secretária da Receita Federal Lina Vieira, que, depois da estreia com desempenho de profissional no depoimento para os senadores, escorregou na casca de banana do sumiço da sua agenda nas duas horas de voo do Rio a Natal, e dela nunca mais se teve notícia.
Dilma sustenta que não se encontrou com a ex-secretária da agenda perdida e que jamais pediu que fosse “agilizado” o papelório com as investigações sobre empresas da família do presidente do Senado, José Sarney, um aliado que no rolar da lambança rachou a bancada do PT, com arranhões no senador Aloizio Mercadante (SP), que assomou à tribuna para anunciar a renúncia irrevogável à liderança da bancada e, convocado ao gabinete de Lula, repreendido como aluno desobediente, deu marcha a ré, com o penoso discurso em que deu o dito pelo não dito.
O governo, não satisfeito com as gafes em série, voltou à carga para tentar explicar por que o sistema de segurança do Palácio do Planalto apaga o registro da entrada e saída dos carros no prazo de 30 dias. E entrou em outra alhada. O líder do governo, senador Romero Jucá (PMDB-RR), com um documento do Gabinete Institucional (GSI), passou a borracha nas informações anteriores sobre o registro das placas de carros das autoridades e das respectivas datas. E revelou o segredo até aqui guardado a sete chaves: que a ex-secretária Lina fora liberada – não disse por quem – do cadastro e credenciamento, uma prerrogativa reservada a outras autoridades.
Se Lina Vieira da agenda perdida soubesse da sua cotação no Planalto, teria convidado a ministra Dilma a comparecer ao seu gabinete para ser atendida no seu pedido de transparente ingenuidade. Mas o senador Romero Jucá também não foi feliz no seu desmentido. Pois, se a sua última versão é a palavra oficial, ela expõe que o sistema de segurança, que custou a bagatela de mais de R$ 4 milhões em 2004, é uma inutilidade. As gravações digitais com 8 gigabytes são mantidas por 30 dias. Mas o banco de dados sobre circulação de carros ou pessoas tem capacidade para seis meses e, após o prazo, é transferido para um arquivo permanente. O senador Arthur Virgílio (PSDB-AM) deu o arremate definitivo: “É uma mentira puxando a outra e deixando um grande buraco”. E convém enterrar o blablablá no grande buraco. E aproveitar a oportunidade para desafogar as mágoas com as vitórias pelo apertado escore de 5 votos a 4 da decisão do Supremo Tribunal Federal livrando o deputado Antonio Palocci (PT-SP) da acusação de ter quebrado ilegalmente o sigilo bancário do caseiro Francenildo dos Santos Costa, que atendia aos múltiplos usos da notória República de Ribeirão Preto composta por antigos auxiliares do então todo-poderoso ministro da Fazenda. Sobrou para o ex-presidente da Caixa Econômica Federal, Jorge Mattoso, que confirmou ter ordenado a funcionários da CEF a retirada dos extratos bancários de Francenildo e repassou o mimo para o então ministro da Fazenda. O turumbamba custou a demissão de Antonio Palocci, com cadeira cativa do primeiro escalão do PT.
Ao ex-presidente da CEF não faltarão advogados para provar que ele apenas atendeu ao pedido do chefe e para servir um amigo. Para o caseiro Francenildo, o castigo da sua ingenuidade. Sobrevive de bicos em obras, como ajudante de pedreiro, e agora trabalha para uma firma de limpeza em pedras de jardins. Não se faz de vítima nem renunciou à esperança de encontrar um trabalho permanente para melhorar de vida. E certamente será muito procurado pela oposição no próximo ano.
O samba-canção de 1959 da saudosa e extraordinária compositora e cantora Dolores Duran termina com o conselho perfeito para acabar com a crise da roubalheira do Senado:
Eu desconfio/ E Deus permita que eu esteja errada/ Mas eu estou desconfiada/ Que o nosso o caso/ Está na hora de acabar.
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