Embora seja politicamente correto declarar-se pró-manifestações, cai a adesão e o apoio aos protestos de rua. Se a indignação coletiva persiste, evidencia-se quão difusa ela é. Mais e mais pessoas trocam o direito de bloquear pelo de ir e vir.
A reação cresce entre quem depende do bem público que o black bloc depredou. O resultado é melancólico. Sem objetivo comum, indignações individuais se anulam numa conta de soma zero.
Nem todos saem perdendo, porém. Bons calculistas sempre estão alertas à tábua de marés da política. O PMDB fez do limão que azedou a popularidade de Dilma Rousseff um oceano de limonada. Aprovou no Congresso dispositivo que obriga o governo federal a gastar o que deputados e senadores emendam no Orçamento. A diferença é que essa conta soma zeros. No plural e à direita dos cifrões.
Fora do eixo brasiliense também há quem capitalize ganhos, obtidos com slogans genéricos. São um capilé no deserto: refrescam por um tempo, mas falta substância para levar a um lugar que não seja o comum. "Horizontalidades" e redes acabam apropriadas pelos mais habilidosos ou loquazes. Na falta de líderes, reaparecem gurus. Cada tempo tem o Rhalah Rikota que merece.
Políticos que dependem dos alternativos já perceberam a mudança de vento. Tomam distância dos protestos, condenam a violência de parte dos manifestantes e defendem as regras do estado democrático. Tudo do modo mais genérico e generalista possível. Fé cega não combina com o diabo que mora nos detalhes.
Não são os únicos em fase de adaptação do discurso, todavia. Os meios adaptam a comunicação. A narrativa das manifestações reincorpora o termo "baderneiros". A segmentação é o princípio da exclusão. O passo seguinte é invocar ação mais vigorosa da polícia. E voltaremos aonde tudo começou.
Pirâmide. Apesar de apreciar obras faraônicas, o Brasil nao é o Egito. Pirâmide, aqui, só financeira. Mas há lições políticas a extrair da crise egípcia.
Lição 1: faraós não são eternos. De Tutancâmon a Anwar Sadat, mesmo os mais poderosos sempre estão sujeitos a um fim abrupto.
Lição 2: as ruas derrubam, mas não sustentam. A mesma maré humana que derrubou Hosni Mubarak e permitiu a Mohamed Morsi se tornar o primeiro presidente eleito em 5 mil anos serviu de pretexto ao golpe militar que o tirou do poder menos de dois anos depois.
Lição 3: democracia requer acordos e concessões. Morsi subestimou a oposição. Eleito por pequena margem, tentou impor os pontos de vista da Irmandade Muçulmana. Alienou apoiadores e aliou inimigos contra si. Acabou derrubado e preso.
Lição 4: poder militar sem submissão ao poder civil é ditadura. Militares egípcios "elegeram" quatro dos cinco presidentes da história do país, e derrubaram três deles. Obedecem só se lhes convém. Mandam mais que as mas e fuzilam quem os desafia.
Lição 5: manifestação não substitui eleição. Quando um lado tem 52% dos votos e o outro, 48%, ambos são capazes de arregimentar multidões impressionantes. Nem por isso elas devem suplantar a uma como medida de legitimidade de um governo.
Mausoléu. A cada gesto de intransigência, intolerância e autoritarismo, o ministro Joaquim Barbosa assenta um tijolo no mausoléu de sua suposta candidatura presidencial. Se simboliza a mudança, o presidente do Supremo Tribunal Federal comporta-se com a onísciência dos todo-poderosos. Constrói para si um reflexo da imagem atribuída à presidente Dilma Rousseff Vira seis por meia dúzia.
Se em um acesso de humildade decidir desculpar-se com o colega Ricardo Lewandowski, Joaquim Barbosa tem que respeitar a fila. Está devendo retratação pessoal e pública ao repórter que chamou de palhaço. Escusa via terceiros não é desculpa.
Fonte: O Estado de S. Paulo
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