- Folha de S. Paulo
O Brasil da Lava Jato vive uma neoinquisição? Carta aberta assinada por mais de uma centena de advogados assegura que sim. Eles veem atropelos sistemáticos aos princípios de presunção da inocência, do juiz natural, ao direito de defesa e o desvirtuamento do uso da prisão provisória, entre outros problemas. Associações de procuradores e de juízes asseveram que não, qualificando a carta como "falatório" e "fumaça". Quem tem razão?
A resposta depende do ponto de partida. Se compararmos a Lava Jato com uma justiça idealizada, na qual todas as leis processuais devem ter aplicação literal e em que juízes teriam de atuar como autômatos, imunes aos humores da opinião pública, aí de fato encontraremos desvios. Um exemplo: é difícil acreditar que as prisões provisórias não estejam sendo usadas para incentivar delações premiadas, ainda que no espírito da doutrina do duplo efeito, que procura distinguir objetivos explícitos (interditos) de efeitos meramente colaterais (permitidos).
Se, por outro lado, consideramos que a comparação precisa dar-se com a justiça real, isto é, como ela é aplicada no dia a dia, aí poderíamos até afirmar que os envolvidos com a Lava Jato recebem tratamento privilegiado. Vivemos, afinal, num país em que boa parte dos presos nem sequer tem acesso regular a advogados. Apesar de a Constituição assegurar que ninguém será considerado culpado até que haja sentença condenatória da qual não se possa mais recorrer, cerca de 30% das pessoas que estão atrás das grades no Brasil nem ao menos foram julgadas.
Seria obviamente ridículo defender uma noção de isonomia que estenda para os políticos e empresários da Lava Jato os mesmos abusos a que são submetidos centenas de milhares de presos comuns. Mas, diante do que ocorre todos os dias nas delegacias e presídios, parece artificioso pintar só a Lava Jato e não o próprio Brasil como uma neoinquisição.
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