sexta-feira, 5 de abril de 2024

Bruno Boghossian - Mundo jurássico

Folha de S. Paulo

Discussão tardia dentro do governo reflete visões distintas sobre dignidade e trabalho

Lula não hesitou antes de incluir o assunto Uber na campanha eleitoral. O petista dizia com convicção que era preciso regulamentar o trabalho por aplicativo de motoristas e entregadores. "Tem que ter descanso semanal remunerado, jornada de trabalho, férias, senão ele voltou a ser escravo", afirmou, em abril de 2022.

O tema entrou no governo como prioridade. O Ministério do Trabalho criou um grupo para elaborar um projeto de lei, chamou empresas e ouviu trabalhadores. Houve tanta incerteza desde o início que foi preciso desmembrar a proposta. Em março, Lula assinou um texto que tratava só de motoristas de carros, deixando as motos para depois.

O projeto chegou ao Congresso há poucas semanas, mas há gente no governo decretando a morte da proposta. Alguns auxiliares de Lula dizem que não há votos para aprovar uma regulamentação ampla. Outros aliados argumentam que os petistas já haviam perdido o debate público antes do início das discussões.

Reuniões sobre o tema nos últimos dias ficaram marcadas por uma tensão entre governistas com opiniões distintas sobre o mundo do trabalho. Num encontro, um petista disse ao ministro Luiz Marinho que era preciso respeitar opções do trabalhador e que não era possível ficar preso à lógica sindical que formou o PT.

A discussão tardia dentro do governo reflete um conflito entre a visão histórica de Marinho e a maneira como muitos trabalhadores enxergam a atividade. Os pontos mais vulneráveis da proposta seriam o pagamento por hora trabalhada e a determinação de pagamento de contribuição previdenciária —o que, para alguns motoristas, engessaria e aumentaria o custo da atividade.

Na campanha, Lula definiu bem o assunto como uma questão de dignidade desse trabalhador. Ele tem dificuldade para transformar a defesa numa ação política porque há uma ação organizada de oposição nesse segmento, mas também porque certos integrantes do governo ainda operam mais perto de princípios jurássicos do que da realidade atual.

 

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