quarta-feira, 4 de setembro de 2024

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Alta do PIB traz apenas satisfação fugaz

O Globo

Apesar do desempenho acima da expectativa, resultado reflete limites do modelo petista de crescimento

O resultado do PIB do segundo trimestre ficou acima da expectativa dos economistas. Nos 12 meses encerrados no segundo trimestre, a economia cresceu 2,5%. Embora melhor que o esperado, o desempenho não merece muitos festejos. Apesar da melhora na estimativa para 2024, a previsão de crescimento segue uma cadência medíocre. Continuará abaixo das médias do mundo e dos países emergentes.

Tal situação deveria fazer o presidente Luiz Inácio Lula da Silva reavaliar seu modelo de desenvolvimento preferido, baseado em consumo incentivado por crédito e programas sociais, além de intervenção estatal e endividamento. Por essa rota, o país continuará a crescer em ritmo lento, com taxa de investimento insuficiente para impulsionar qualquer expansão de fôlego. Quebrar esse padrão exige uma agenda voltada para estimular a competição e a produtividade na economia brasileira.

É difícil exagerar a falta de dinamismo do Brasil. Mesmo entre 2006 e 2015, quando a economia cresceu 2,8% ao ano, o desempenho ficou abaixo da América Latina, dos países emergentes e do mundo. De lá para cá, o Brasil cresceu menos que os Estados Unidos em seis dos oito anos e ficou atrás até da Zona do Euro. Em vez de diminuir, a distância que nos separa dos países ricos aumentou. Entre 2010 e 2023, a renda per capita cresceu mero 0,2% ao ano. A maior parte da responsabilidade pelo desempenho sofrível é do PT, que ocupou a Presidência em 15 dos últimos 24 anos.

A reforma tributária proposta pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, à espera de aprovação no Congresso, tem potencial de elevar o patamar de crescimento. Mas o país precisa de mais mudanças. Pela experiência acumulada, é possível identificar os limites do modelo preferido por Lula.

O novo arcabouço fiscal criou uma armadilha ao autorizar mais gastos a qualquer aumento de receita. Mesmo com crescimento, fica mais difícil equilibrar as contas públicas. O planejamento orçamentário para 2025 revela essa armadilha na prática. O governo terá apenas R$ 11,7 bilhões para investimento e custeio da máquina. Mas não pode reclamar. Foi sua a opção de oferecer reajustes salariais a servidores federais, aumentar o salário mínimo acima da inflação e adotar outras medidas que ampliaram os gastos, em vez de estimular a eficiência do setor público.

Embora necessários, não serão programas sociais, como Bolsa Família ou o Benefício de Prestação Continuada, que servirão de alavanca ao crescimento sustentado do PIB, do emprego e da renda. Em uma palavra, o Brasil precisa de mais competição. Na esfera empresarial, companhias ineficientes não podem continuar atuando apenas porque contam com regalias. Elas prejudicam a todos, por absorver mão de obra e capital sem ser produtivas. A concorrência estrangeira também precisa ser estimulada. Barreiras comerciais impostas há décadas já se mostraram contraproducentes. O fato de países ricos terem adotado políticas mais protecionistas em nada muda essa realidade.

Desde 2010, a produtividade no Brasil cresceu apenas 0,3% ao ano. De tão baixa, a média só é melhor que o resultado da década perdida dos anos 1980. Novas estratégias são necessárias para virar o jogo. Que ninguém se iluda. Governos passados já comemoraram resultados de PIB acima das expectativas. Sustentada em bases frágeis, a satisfação costuma ser fugaz.

Combate a assédio eleitoral deve ser intensificado nas eleições municipais

O Globo

Levantamento do GLOBO mostrou aumento nos casos de tentativa indevida de interferir no voto

Há três meses, o Tribunal Superior do Trabalho (TSTconfirmou a condenação da varejista Havan por obrigar um funcionário a assistir a lives do proprietário da empresa em favor de Jair Bolsonaro durante a campanha eleitoral de 2018. A Justiça havia estipulado indenização de R$ 8 mil em janeiro. A empresa recorreu, mas perdeu mais uma vez.

Infelizmente, casos desse tipo, classificados como assédio eleitoral, têm se tornado mais frequentes. As denúncias desde janeiro somam 153, ante apenas 11 registradas no mesmo período em 2022, segundo dados do Ministério Público do Trabalho (MPT). São episódios de pressão para votar em candidatos, ameaças de perda de emprego em caso de derrota ou promessas de benefícios em troca de votos. São atitudes inaceitáveis numa democracia. É preciso ampliar o combate a quem tenta interferir indevidamente na decisão dos eleitores, seja qual for a motivação.

Os dados obtidos pelo GLOBO mostram Minas Gerais como o estado com mais denúncias, 17. São Paulo e Paraná vêm atrás, com 15, e Sergipe aparece em terceiro lugar, com dez (no Rio, há seis). Porém tais números devem ser vistos com cuidado. Assédio eleitoral é prática disseminada no Brasil, em particular nas eleições municipais. A subnotificação é comum. Os estados com mais registros podem ser apenas os mais engajados no combate, não necessariamente aqueles com maior incidência.

Por todo o país, o assédio se manifesta de diferentes maneiras. No interior do Rio Grande do Norte, o dono de uma confecção pediu aos funcionários para gravar um vídeo em favor de um candidato à Prefeitura. Com o celular na mão, o empresário, sem temor de ser identificado, pergunta: “Tá fechado com quem? Qual prefeito?”. Um funcionário diz o nome esperado pelo chefe. O episódio acabou no MPT. Em agosto, o empresário assinou um Termo de Compromisso de Ajuste de Conduta (TAC) e garantiu não mais constranger os empregados. Se quebrar a palavra, estará sujeito a multa de R$ 10 mil.

O prefeito de São Paulo, Ricardo Nunes (MDB), candidato à reeleição, é um dos alvos de inquérito sob suspeita de assédio eleitoral. Ocupantes de cargos na Prefeitura paulistana são acusados de enviar mensagens a funcionários comissionados cobrando participação em reuniões políticas, questionando se iriam a eventos de campanha e se aceitariam pôr propaganda do prefeito no carro. Negar qualquer um dos pedidos obviamente não era uma opção para quem sonha em manter o emprego em caso de vitória de Nunes.

Uma das armas contra o assédio eleitoral é punir casos com mais visibilidade, por terem poder de dissuasão. Seria salutar se o TST tornasse públicas essas decisões. Ao mesmo tempo, o MPT deveria chamar a atenção para canais de denúncias e selecionar sem demora que casos merecem instauração de inquéritos ou outras medidas cabíveis. O voto é secreto, deve depender apenas da consciência do eleitor e não estar sujeito a interferências ilegais.

PIB cresce mais que previsto e acende alerta sobre gasto fiscal

Valor Econômico

Manter as despesas nos níveis correntes e assistir passivamente à elevação da inflação não deveria ser uma opção para o governo

A economia acelerou seu ritmo no segundo trimestre do ano e cresceu 1,4%, muito acima da mediana das expectativas dos economistas consultados pelo Valor e perto do topo delas, de 1,5%. Na relação do segundo trimestre passado com o segundo de 2023, o PIB avançou 3,3% e, no primeiro semestre, 2,9%. Os estímulos fiscais explicam boa parte do crescimento, que deixa uma herança estatística de 2,5% - o quanto o PIB evoluirá no ano se a expansão for zero nos dois trimestres restantes. Todos os componentes da demanda cresceram, mas os investimentos cresceram a uma velocidade menor e, sob algumas métricas, ainda não avançaram. O aumento do consumo tem sido mais rápido do que o da capacidade produtiva - um alerta para a possibilidade de inflação maior.

Os números do IBGE mostram que a economia pode ter entrado no túnel do tempo, ou seja, adquiriu um ritmo de expansão que não se vê há uma década, com a diferença de que no triênio 2011-2014 a taxa de investimento era maior. Em quase todas as comparações, de trimestre contra trimestre do ano anterior, semestre contra semestre ou taxa acumulada em quatro trimestres, o ritmo da expansão do consumo das famílias e dos gastos do governo agora foi tão forte quanto no início de 2011, excetuado o período da pandemia. Nele, a economia mergulhou velozmente em recessão, para se recuperar com igual rapidez em seguida.

Os gastos das famílias aumentaram 4,9% no segundo trimestre do ano em relação ao segundo do ano passado. O consumo do governo subiu 3,1%. Essas taxas se assemelham à conjuntura existente no início da década de 2010, marcada, a partir de 2015, pela maior recessão da história republicana. O mercado de trabalho estava então perto do pleno emprego, como agora, e a inflação primeiro ficou no teto da meta da inflação, de 6%, para depois ultrapassá-la e se alojar na casa dos dois dígitos. No período também houve forte expansão fiscal, mas heterodoxa, com as pedaladas ilegais que escondiam gastos não previstos no orçamento. A diferença é que agora a expansão das despesas consta do próprio regime fiscal, à razão de aumento de 0,6% a 2,5% acima da inflação.

A indústria de transformação ressuscitou, crescendo a 1,8% em relação ao primeiro trimestre do ano, e nada menos de 3,9% sobre o segundo trimestre de 2023, puxada pelos serviços de energia, gás e esgoto, que deram um salto de 2%. Importante para o crescimento geral, a construção civil avançou 3,5%. A expansão é ainda maior na comparação com o segundo trimestre de 2023, de 3,9%, com o setor de transformação a um ritmo de 3,6% e a construção civil, de 4,4%.

Os serviços puxaram o PIB pelo lado da oferta, com 1% de avanço na ponta, contra o trimestre anterior, e de 3,5% sobre o mesmo trimestre de 2023. Este é o setor que mais tem chamado a atenção do Banco Central, pois tem crescido acima da média da inflação. Informação e comunicação têm liderado o crescimento, seguido por outras atividades de serviços (4,5% em 12 meses), um segmento que se move muito em função da renda e da evolução dos salários. É o simétrico do consumo das famílias, pelo lado da demanda, que mostra igualmente forte expansão.

Os investimentos tiveram alguma recuperação na ponta, devido em boa parte ao aumento da importação de bens de capital. No trimestre, cresceram 2,1%, e 5,7% em 12 meses, mas sua evolução na taxa acumulada em quatro trimestres é ainda negativa, de -0,9%. A trajetória segue abaixo do avanço do PIB na mesma comparação, de 2,5%, e do consumo das famílias, de 3,7%. A taxa de investimento geral da economia subiu para 16,8%, ante 16,4% do PIB no segundo trimestre de 2023, ao passo que a taxa de poupança diminuiu de 16,8% para 16%.

De maneira geral, o PIB cresce em um ritmo semelhante ao do início da década passada, sem que os investimentos estejam perto do nível da época, quando chegaram ao pico do século no segundo trimestre de 2014, de 21,1% do PIB, para nunca mais sequer se aproximarem dele.

Com o embalo do impulso fiscal, que aqueceu o mercado de trabalho e diminuiu o desemprego a seu menor nível da série histórica para o mês de julho, os salários subiram acima da inflação. A renda disponível bruta aumentou 7,1%, de R$ 2,62 trilhões no segundo trimestre de 2023 para R$ 2,8 trilhões no segundo trimestre deste ano. Despesas de consumo final seguiram o mesmo compasso e subiram 7,18% - e os do governo, 9,6%.

A inflação, diante do crescimento robusto, reluta em cair e ameaça subir, como mostra a mais recente ata do Comitê de Política Monetária, que indica que novo ciclo de alta de juros é uma possibilidade iminente. O governo deveria então concentrar-se em zerar o déficit público e cortar gastos, já que tudo indica que novos bloqueios e contingenciamentos serão necessários para isso. Manter as despesas nos níveis correntes e assistir passivamente à elevação da inflação não é uma opção. Seria corroborar erroneamente o enredo de expansão além das possibilidades da economia que terminou em um desastre no governo de Dilma Rousseff, do qual o país levou uma década para começar a se recuperar.

Só alta do PIB sem inflação é sustentável

Folha de S. Paulo

Atividade volta a surpreender, mas gastos sob Lula pressionam preços; provável alta dos juros piora contas do Tesouro

Desde a retomada da atividade econômica após o impacto devastador da pandemia, o crescimento do Produto Interno Bruto —medida da produção e da renda do país— tem superado as expectativas.

Assim se deu em 2021, quando a alta do PIB de 4,8% mais que reverteu a queda de 3,3% no ano anterior. Em 2022, a taxa chegou a 3%, e no ano seguinte, a muito semelhantes 2,9%, deixando para trás o quadro de quase estagnação do período anterior à crise sanitária. Agora, neste 2024, as previsões de desaceleração vão sendo recorrentemente revisadas.

Os números do segundo trimestre, divulgados nesta terça-feira (3) pelo IBGE, mostram expansão de 1,4% em relação aos três meses anteriores e de surpreendentes 3,3% ante o período correspondente do ano passado.

Mais que isso, houve avanços importantes em praticamente todos os setores da oferta de produtos e componentes da demanda —indústria, serviços, consumo das famílias e investimentos. Apenas a agropecuária, que teve desempenho excepcional em 2023, mostrou declínio.

Com isso, as projeções de mercado para o resultado final do ano, que até então rondavam os 2,5%, tendem a se aproximar mais uma vez da casa dos 3%. Nas atuais circunstâncias, trata-se de desempenho a ser celebrado e devidamente compreendido. Não se está diante, porém, de um atestado de boa política econômica.

Inexiste diagnóstico consensual sobre os motivos do crescimento acima do esperado, mas parece claro que a forte ampliação da despesa pública, em especial com benefícios sociais, tem estimulado o consumo e a atividade.

É possível também que reformas econômicas nos últimos anos, como a flexibilização da CLT e novos marcos regulatórios na infraestrutura, tenham elevado o potencial da economia brasileira. O peso dos gastos do governo, entretanto, indica que o ritmo do PIB tem impulso limitado.

O sintoma mais palpável é a inflação acima das metas da política monetária. Neste segundo semestre, as expectativas medianas para o IPCA de 2024 já subiram de 3,9% para 4,26%, distanciando-se dos 3% perseguidos pelo Banco Central. As taxas esperadas nos próximos quatro anos tampouco dão alguma tranquilidade ao BC.

Não por acaso, a divulgação dos números favoráveis do IBGE reforçou de imediato as apostas numa subida dos juros básicos, hoje de já escorchantes 10,5% ao ano.

Rompeu-se, assim, a previsão que vigorava até o início deste ano de que a Selic pudesse cair até o patamar de um dígito. Agora, a permanência dos juros já é tida como cenário otimista.

Além disso, a alta dos juros agrava o déficit das contas do Tesouro Nacional, criando desconfiança no mercado que leva à alta do dólar, retroalimentando as pressões inflacionárias. Trata-se de um círculo vicioso que só poderá ser rompido se e quando o governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT) enfim reconhecer a necessidade de conter gastos.

Brasil precisa subir o tom contra Maduro

Folha de S. Paulo

Diplomacia de Lula deve se aliar às de outros países e condenar reeleição farsesca e a ordem de prisão de González

Já passa da hora de o Brasil posicionar-se com a devida firmeza contra a ditadura de Nicolás Maduro. O diálogo bilateral se esvaziou, e mais uma atitude evasiva ante o recrudescimento do autoritarismo de Caracas emitirá atestado de cumplicidade.

Prisões ilegais de jornalistas, manifestantes da oposição e até crianças não permitem mais qualquer tentativa do governo federal de justificar o regime de terror na Venezuela.

Todas essas ações violentas já são notórias há anos, como atestam investigações do Tribunal Penal Internacional e da ONU. O recente pleito de araque foi apenas mais uma demonstração de abuso de poder e desrespeito a princípios democráticos.

Desrespeito também ao governo brasileiro, que em 2023 selou ao lado dos Estados Unidos o Acordo de Barbados, no qual Maduro se comprometeu a realizar eleições justas e transparentes.

Com a descabida ordem de prisão expedida na segunda (2) pelo Ministério Público do país contra Edmundo González, adversário vitorioso de Maduro nas urnas, perdeu sentido de vez a orientação diplomática de Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

A alegação de que González ignorou intimações da Justiça para depor sobre a acusação de fraude eleitoral feita pela oposição, atestada por organismos internacionais, só deixa claro que se trata de fato de perseguição política.

Pressionar o regime a divulgar as atas eleitorais, antes de pronunciar seu reconhecimento da vitória do caudilho, só garantiu tempo para o poder de polícia estatal avançar contra a oposição —e sugerir nova eleição foi uma ideia despropositada.

Declarado vitorioso pelo Conselho Nacional Eleitoral e o Tribunal Supremo de Justiça, instituições títeres da ditadura, Maduro afirmou que só entregaria o poder a um chavista.

Somente uma concertação internacional efetiva contra o regime pode pressioná-lo a se curvar à exigência popular de redemocratização. Ao Brasil cabe participar desse esforço, até agora refutado, e a adoção de providências dignas de um país que se coloca como defensor da democracia.

É necessário que o Itamaraty se posicione ao lado dos direitos humanos, como outros países da região já o fizeram. Devem-se condenar com clareza as eleições farsescas e a perseguição infame aos opositores do regime.

Se o Planalto insistir na reedição do teor brando das últimas notas diplomáticas, emitidas em conjunto com o governo esquerdista da Colômbia, será uma vexaminosa negativa à missão que tem a obrigação de assumir.

A covardia do Brasil na Venezuela

O Estado de S. Paulo

Mesmo ante ordem de prisão do líder da oposição venezuelana, Lula segue incapaz de condenar a ditadura do companheiro Maduro, ofendendo os que bravamente lutam pela democracia

A repressão na Venezuela recrudesce a níveis pavorosos mesmo para os padrões de truculência do chavismo. O regime está em vias de aprovar uma “Lei contra o Fascismo” que na prática lhe dará carta branca para prender quem bem entender. Desde as eleições presidenciais, cujos resultados foram escandalosamente fraudados para dar a vitória ao ditador Nicolás Maduro, quase 30 manifestantes foram mortos e cerca de 2 mil foram detidos, entre eles dezenas de menores de idade. As milícias informais conhecidas como “Coletivos”, a Gestapo chavista, intimidam famílias em suas casas e jornalistas nas redações. O advogado da oposição foi sequestrado.

Agora, o regime ordenou a prisão do candidato da oposição, Edmundo González. Como se sabe, o único “crime” da oposição foi divulgar, graças à insubordinação cívica de funcionários dos colégios eleitorais, fotogramas das atas eleitorais que confirmam, segundo a apuração de vários observadores independentes, sua vitória nas urnas com dois terços dos votos.

Chancelarias de diversos países latino-americanos emitiram notas veementes de repúdio. Já o governo brasileiro continua a fazer cara de paisagem. Em tom prazenteiro, o chanceler paralelo do presidente Lula da Silva, Celso Amorim, disse que “eu sou do tempo da bossa nova – a gente nunca sobe o tom”. Nunca, desde que se trate de tiranos companheiros.

Se o governo, sob a retórica malandra do “pragmatismo”, se desfaz de suas obrigações de denunciar a fraude contra a vontade do povo venezuelano e as violações de seus direitos fundamentais, não é por falta de saliva. Mesmo em questões em que tem pouca influência, como a guerra na Ucrânia ou em Gaza, Lula fala e fala muito, com frequência superlativamente, como quando equiparou as operações militares de Israel ao Holocausto. O Brasil, por sinal, segue sem um embaixador em Israel.

Em 2012, quando o Parlamento do Paraguai destituiu o presidente esquerdista Fernando Lugo, a então presidente Dilma Rousseff vociferou contra uma suposta “ruptura da ordem democrática”, engendrando com os governos esquerdistas da Argentina e do Uruguai o afastamento do Paraguai do Mercosul. Pouco importa que missões internacionais tenham constatado a higidez constitucional do impeachment de Lugo: como se tratava de um companheiro progressista, Dilma deixou de lado a diplomacia “bossa-nova” de Amorim. Para confirmar que a manobra era puramente ideológica, o consórcio esquerdista do Mercosul, sem o inconveniente voto contrário do Paraguai, aprovou a entrada no bloco da – ora vejam – Venezuela chavista.

Em outras palavras, em nome da “defesa da democracia”, o lulopetismo e seus sócios sul-americanos patrocinaram um atentado às instituições do Mercosul, alijando um país em condições de normalidade democrática para favorecer um regime cujo autoritarismo é a principal marca.

A oposição venezuelana tem dado ao mundo um exemplo de heroísmo. Em outras ocasiões ela se fracionou e oscilou entre modos diversos de resistência, de boicote às eleições a tentativas de rebelião armada. Agora, mesmo diante de uma ditadura militar que mantém na coleira o Legislativo, o Judiciário e a mídia, optou pelo enfrentamento nas urnas – e venceu. Mas o governo brasileiro continua a promover a farsa da “neutralidade”, cobrando as atas eleitorais que o chavismo trancou a sete chaves e a oposição mostrou ao mundo.

Já ficou claro que o Brasil tem pouca capacidade de influência num regime manietado por China, Rússia e Cuba. Mas longe de isentá-lo, essa seria mais uma razão para que o seu chefe de Estado denunciasse com todas as letras o atentado contra a democracia e os direitos humanos em curso. Não é só um dever moral, mas constitucional. A Carta Magna brasileira preconiza que as relações exteriores do Brasil se regem, entre outros princípios, pela prevalência dos direitos humanos e o repúdio ao terrorismo.

Ditaduras dependem de duas coisas para subsistir: o apoio das Forças Armadas e da população. Maduro, aparentemente, mantém o primeiro, mas o rechaço do povo venezuelano é inequívoco. Democracias genuínas deveriam celebrar e apoiar a resistência desse povo. O Brasil, em nome das amizades de seu presidente, prefere ofendê-lo.

A capitulação do Supremo

O Estado de S. Paulo

Ciente da fraqueza do STF para impor suas decisões ante o poder do Congresso para dispor de emendas ao Orçamento, ao presidente da Corte, Luís Roberto Barroso, restou a resignação

O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Luís Roberto Barroso, considerou que o acordo entre os Poderes Executivo e Legislativo com vista à liberação do pagamento de emendas parlamentares, mediado pela Corte em 20 de agosto, não foi a solução ideal para moralizar a disposição de recursos públicos por deputados e senadores, mas era o que havia para o momento. “Saímos melhor do que entramos. Foi perfeito? Não, mas foi melhor do que o que se tinha”, avaliou Barroso, durante um evento na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP), no dia 2 passado.

A constatação do presidente do STF, ninguém menos, recende a capitulação da Corte diante do enorme poder acumulado pelo Congresso nos últimos anos para se assenhorear de um quinhão cada vez maior do Orçamento da União sem prestar contas a rigorosamente ninguém – nem ao Supremo, que vem sendo desrespeitado desde o fim de 2022. Aí estão as famigeradas “emendas Pix” como o estado da arte de uma desabrida avacalhação da decisão da então ministra Rosa Weber, depois referendada por seus pares, que declarou inconstitucional o orçamento secreto, em dezembro daquele ano.

Nesse caso, cabe perguntar ao ministro Barroso: quem “saímos melhor”, afinal? A sociedade decerto não foi, muito menos a instituição que ora ele preside.

Diante de uma patente e reiterada afronta à Constituição, não deveria ter havido mediação alguma, menos ainda uma mediação patrocinada por uma Corte que não foi concebida para mediar coisa alguma, mas sim para se ocupar da defesa da Lei Maior. Correta, ainda que tardia, foi a decisão do ministro Flávio Dino de simplesmente interromper o pagamento de todas as emendas parlamentares até que seus autores, destinatários e propósitos fossem conhecidos pelos contribuintes. No entanto, prevaleceu o arranjo entre as cúpulas dos Poderes, cujos termos até hoje não são conhecidos.

No dia 30 de agosto, venceu o prazo dado pelo STF para que o Palácio do Planalto e o Congresso apresentassem novas regras para o pagamento de emendas parlamentares, supostamente mais transparentes. O governo Lula da Silva, entretanto, pediu extensão do prazo por mais dez dias. Não se pode condenar quem enxergue essa demora para a apresentação de critérios republicanos para disposição de recursos públicos, que de resto deveriam ser rotineiros, como uma elucubração de mecanismos para mudar mantendo tudo rigorosamente como sempre foi, vale dizer, ao abrigo do escrutínio público.

Não se negocia o cumprimento da Constituição. Chega a ser constrangedor para este jornal ter de registrar uma obviedade ululante. E é estarrecedor constatar que esse tipo de barganha não só tenha sido articulado em plena sede da Corte Constitucional, como ainda por cima por um STF, ao que parece, acuado diante das ameaças explícitas ou veladas do Congresso à sua independência. Convém lembrar que, à guisa de retaliação, tão logo Flávio Dino decidiu liminarmente sustar o pagamento de emendas opacas, o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), encaminhou para a Comissão de Constituição e Justiça da Casa duas Propostas de Emenda à Constituição que minavam o poder da Corte – uma para limitar decisões monocráticas, objeto de uma alteração no Regimento Interno já aprovada pelo próprio STF, e outra para dar ao Congresso o poder de cassar decisões da Corte, um despautério.

Os ministros do STF, não sem razão, se enchem de brios quando são afrontados, seja como indivíduos, seja como autoridades da mais alta instância do Poder Judiciário do País. Entretanto, quando os Poderes Executivo e Legislativo, de forma escancarada, se unem para rasgar a Constituição – em prol de uma suposta governabilidade, no melhor cenário, ou para satisfazer interesses inconfessáveis, no pior – e dispor de recursos do Orçamento da União sem a observância de quaisquer critérios objetivos e fora do alcance dos controles republicanos, o STF, ora vejam, dá-se por conformado com um arremedo de solução que, a rigor, só o apequena como guardião maior do texto constitucional.

O avanço extremista alemão

O Estado de S. Paulo

Inédita vitória eleitoral de radicais de direita escancara crise da política tradicional

O chão tremeu no lado oriental da Alemanha. Pela primeira vez no pós-guerra, um partido da extrema direita emergiu nas urnas como força principal em um Estado. A Alternativa para a Alemanha (AfD) levou quase um terço dos votos na Turíngia e na Saxônia. Na primeira, foi o partido mais votado, seguido pela Democracia Cristã, de centro-direita; na segunda, foi o inverso. A esquerda radical também teve boa performance: a Aliança Sahra Wagenknecht (BSW), uma dissidência da Esquerda, herdeira do Partido Comunista, fundada há apenas nove meses, ficou em terceiro. Os três partidos que governam o país – social-democrata, liberal e verde – somaram nessas regiões, respectivamente, 10,6% e 13,6% dos votos. O premiê Olaf Scholz conclamou todos a manter a AfD fora do poder.

É o que deve acontecer. Os regimentos dos partidos tradicionais vetam coalizões com extremistas e ninguém à esquerda se aliará à AfD. Os democratas cristãos estão em posição de governar os dois Estados, mas através de coalizões confusas e instáveis, que exigirão compromissos excepcionais e indigestos com a Esquerda ou a BSW ou ambas, enquanto a AfD poderá bloquear mudanças nas constituições locais.

Além dessa foto do momento, o filme no lado oriental da Alemanha é de radicalização. Os votos nos extremos ultrapassaram 40%. Desde a reunificação em 1990, as desigualdades entre o Oeste e o Leste diminuíram, mas ainda são sensíveis. Por fatores socioculturais, no Leste as organizações da sociedade civil essenciais para a democracia representativa – partidos, sindicatos, associações – não se consolidaram. Nesse ambiente volátil, extremistas fabricam máquinas populistas abastecidas pelo rancor. Embora no plano ideológico a AfD e a BSW se abominem, em políticas cruciais são indistinguíveis: ambas se opõem ao apoio à Ucrânia; são eurocéticas, antissistema e antielites; exigem restrições draconianas à imigração; e têm modelos nacional-socialistas para o Estado.

A contraparte da ascensão extremista é a desmoralização dos partidos tradicionais, sobretudo da centro-esquerda. A irritação com os custos das políticas migratórias e de transição energética está longe de estar restrita a franjas xenófobas e radicais.

Não se deve superestimar a ascensão do radicalismo, que tem pouca aderência no Oeste, e nas eleições para o Parlamento Europeu a AfD parou em 15% dos votos. Mas tampouco se deve subestimá-la, pois a AfD é o segundo partido mais popular, e nunca a dissensão entre o Oeste e o Leste e a polarização entre os extremos foram tão agudas.

Os democratas cristãos estão bem posicionados para voltar ao governo nacional em 2025. Mas eles e os outros partidos tradicionais têm um ano para afinar suas propostas à vontade popular, hoje mais conservadora, se quiserem neutralizar os extremos e constituir um governo estável. Hoje, a clivagem entre esquerda e direita é menos relevante para o futuro da democracia alemã do que aquela entre extremistas e moderados. A grande questão é se o lado oriental da Alemanha será moderado pelo lado ocidental ou se o lado oriental radicalizará o ocidental.

A antidemocracia nas redes sociais

Correio Braziliense

O que precisa ser entendido é que o combate à desinformação e às notícias fraudulentas não pode ser feito só por parte da imprensa profissional. Esse dever também cabe às plataformas

A suspensão do X (antigo Twitter) no Brasil, por decisão do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), repercutiu em todo o mundo. Se o embate entre a Corte e o empresário Elon Musk coloca em evidência uma inevitável discussão política, com enorme viés partidário, também deve servir como alerta para a falta de transparência das chamadas big techs, as gigantes da tecnologia, que aumenta a cada período eleitoral. 

Em tempos nos quais as campanhas dos candidatos às prefeituras e câmaras municipais se voltam pesadamente para as redes sociais, o monitoramento das estratégias dos comitês eleitorais nesses espaços digitais tem sido praticamente impossível — ou, no mínimo, exige algum trabalho braçal incompatível com a rotina de redações jornalísticas e de pesquisadores. Em março, a Meta anunciou o fim da ferramenta CrowdTangle, que permitia acesso da população aos conteúdos em alta no Instagram e no Facebook, ambos administrados pela empresa de Mark Zuckerberg. Esse acesso, no entanto, sempre dependeu de linguagens de programação. 

A ferramenta oferecia uma API, espécie de interface que permitia a coleta de dados em massa. Assim, era possível comparar mais facilmente o comportamento de determinados perfis no Instagram e no Facebook e entender, por exemplo, se um candidato se comporta nas redes da mesma maneira que sugere seu plano de governo. O serviço também cumpria boa parte da base de pesquisa de cientistas da comunicação e de áreas da tecnologia.

Hoje, o acesso a esses dados ainda pode ser feito, mas a lista de profissionais com permissão não inclui jornalistas — o que compromete uma das principais prerrogativas da área: a fiscalização do poder público. Ainda assim, aqueles que podem recorrer ao serviço precisam passar por um processo burocrático e demorado, que exige até mesmo documentações protocoladas nos Estados Unidos.

 A decisão de restrição aos dados caminha de mãos dadas com a de Elon Musk, que manteve a recusa de nomeação de um representante legal do escritório do X no Brasil. Isso sem contar o desrespeito às decisões judiciais que obrigam o bloqueio de contas que espalham informações falsas, discursos extremistas e antidemocracia no microblog. O momento atual deixa claro que, em nome do aumento de usuários e do tráfego sem qualquer limitação, evidentemente para faturar mais com diferentes frentes, sobretudo a publicidade, redes sociais se colocam acima do bem e do mal, inclusive das leis de cada país.

A postura de Musk, após o bloqueio assinado por Moraes, é emblemática nesse sentido. O empresário classifica o ministro como "violador de juramentos", quando o próprio bilionário não respeita as leis do país em que sua empresa opera. Também afirma que as ações do ministro "são contra a vontade do povo brasileiro", quando, na realidade, o dever do STF é defender a Constituição, independentemente da vontade popular. 

A urgência por maior transparência das redes nada tem a ver com uma eventual censura dos conteúdos publicados nelas. Muito pelo contrário. A permissão do acesso a esses dados por jornalistas, pesquisadores e outros profissionais complementa o papel vigilante da democracia brasileira. O que precisa ser entendido é que o combate à desinformação e às notícias fraudulentas não pode ser feito só por parte da imprensa profissional. Esse dever também cabe às plataformas. O principal passo em direção ao resguardo da democracia só pode ser dado a partir da transparência. 

 

 

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