Alta do PIB traz apenas satisfação fugaz
O Globo
Apesar do desempenho acima da expectativa,
resultado reflete limites do modelo petista de crescimento
O resultado do PIB do
segundo trimestre ficou acima
da expectativa dos economistas. Nos 12 meses encerrados no segundo
trimestre, a economia cresceu 2,5%. Embora melhor que o esperado, o desempenho
não merece muitos festejos. Apesar da melhora na estimativa para 2024, a
previsão de crescimento segue uma cadência medíocre. Continuará abaixo das
médias do mundo e dos países emergentes.
Tal situação deveria fazer o presidente Luiz Inácio Lula da Silva reavaliar seu modelo de desenvolvimento preferido, baseado em consumo incentivado por crédito e programas sociais, além de intervenção estatal e endividamento. Por essa rota, o país continuará a crescer em ritmo lento, com taxa de investimento insuficiente para impulsionar qualquer expansão de fôlego. Quebrar esse padrão exige uma agenda voltada para estimular a competição e a produtividade na economia brasileira.
É difícil exagerar a falta de dinamismo do
Brasil. Mesmo entre 2006 e 2015, quando a economia cresceu 2,8% ao ano, o
desempenho ficou abaixo da América Latina, dos países emergentes e do mundo. De
lá para cá, o Brasil cresceu menos que os Estados Unidos em seis dos oito anos
e ficou atrás até da Zona do Euro. Em vez de diminuir, a distância que nos
separa dos países ricos aumentou. Entre 2010 e 2023, a renda per capita cresceu
mero 0,2% ao ano. A maior parte da responsabilidade pelo desempenho sofrível é
do PT,
que ocupou a Presidência em 15 dos últimos 24 anos.
A reforma tributária proposta pelo ministro
da Fazenda, Fernando
Haddad, à espera de aprovação no Congresso, tem potencial de elevar
o patamar de crescimento. Mas o país precisa de mais mudanças. Pela experiência
acumulada, é possível identificar os limites do modelo preferido por Lula.
O novo arcabouço fiscal criou uma armadilha
ao autorizar mais gastos a qualquer aumento de receita. Mesmo com crescimento,
fica mais difícil equilibrar as contas públicas. O planejamento orçamentário
para 2025 revela essa armadilha na prática. O governo terá apenas R$ 11,7
bilhões para investimento e custeio da máquina. Mas não pode reclamar. Foi sua
a opção de oferecer reajustes salariais a servidores federais, aumentar o
salário mínimo acima da inflação e adotar outras medidas que ampliaram os
gastos, em vez de estimular a eficiência do setor público.
Embora necessários, não serão programas
sociais, como Bolsa Família ou
o Benefício de Prestação Continuada, que servirão de alavanca ao crescimento
sustentado do PIB, do emprego e da renda. Em uma palavra, o Brasil precisa de
mais competição. Na esfera empresarial, companhias ineficientes não podem
continuar atuando apenas porque contam com regalias. Elas prejudicam a todos,
por absorver mão de obra e capital sem ser produtivas. A concorrência
estrangeira também precisa ser estimulada. Barreiras comerciais impostas há
décadas já se mostraram contraproducentes. O fato de países ricos terem adotado
políticas mais protecionistas em nada muda essa realidade.
Desde 2010, a produtividade no Brasil cresceu
apenas 0,3% ao ano. De tão baixa, a média só é melhor que o resultado da década
perdida dos anos 1980. Novas estratégias são necessárias para virar o jogo. Que
ninguém se iluda. Governos passados já comemoraram resultados de PIB acima das
expectativas. Sustentada em bases frágeis, a satisfação costuma ser fugaz.
Combate a assédio eleitoral deve ser
intensificado nas eleições municipais
O Globo
Levantamento do GLOBO mostrou aumento nos
casos de tentativa indevida de interferir no voto
Há três meses, o Tribunal Superior do
Trabalho (TST) confirmou a
condenação da varejista Havan por obrigar um funcionário a
assistir a lives do proprietário da empresa em favor de Jair
Bolsonaro durante a campanha eleitoral de 2018. A Justiça havia
estipulado indenização de R$ 8 mil em janeiro. A empresa recorreu, mas perdeu
mais uma vez.
Infelizmente, casos desse tipo, classificados
como assédio eleitoral, têm se tornado mais frequentes. As denúncias desde
janeiro somam 153, ante apenas 11 registradas no mesmo período em 2022, segundo
dados do Ministério Público do Trabalho (MPT). São episódios de pressão para
votar em candidatos, ameaças de perda de emprego em caso de derrota ou
promessas de benefícios em troca de votos. São atitudes inaceitáveis numa
democracia. É preciso ampliar o combate a quem tenta interferir indevidamente
na decisão dos eleitores, seja qual for a motivação.
Os dados obtidos pelo GLOBO mostram Minas Gerais como
o estado com mais denúncias, 17. São Paulo e Paraná vêm atrás, com
15, e Sergipe aparece
em terceiro lugar, com dez (no Rio, há seis). Porém tais números devem ser
vistos com cuidado. Assédio eleitoral é prática disseminada no Brasil, em
particular nas eleições municipais. A subnotificação é comum. Os estados com
mais registros podem ser apenas os mais engajados no combate, não
necessariamente aqueles com maior incidência.
Por todo o país, o assédio se manifesta de
diferentes maneiras. No interior do Rio Grande do
Norte, o dono de uma confecção pediu aos funcionários para gravar um
vídeo em favor de um candidato à Prefeitura. Com o celular na mão, o
empresário, sem temor de ser identificado, pergunta: “Tá fechado com quem? Qual
prefeito?”. Um funcionário diz o nome esperado pelo chefe. O episódio acabou no
MPT. Em agosto, o empresário assinou um Termo de Compromisso de Ajuste de
Conduta (TAC) e garantiu não mais constranger os empregados. Se quebrar a
palavra, estará sujeito a multa de R$ 10 mil.
O prefeito de São Paulo, Ricardo Nunes (MDB),
candidato à reeleição, é um dos alvos de inquérito sob suspeita de assédio
eleitoral. Ocupantes de cargos na Prefeitura paulistana são acusados de enviar
mensagens a funcionários comissionados cobrando participação em reuniões
políticas, questionando se iriam a eventos de campanha e se aceitariam pôr
propaganda do prefeito no carro. Negar qualquer um dos pedidos obviamente não
era uma opção para quem sonha em manter o emprego em caso de vitória de Nunes.
Uma das armas contra o assédio eleitoral é
punir casos com mais visibilidade, por terem poder de dissuasão. Seria salutar
se o TST tornasse públicas essas decisões. Ao mesmo tempo, o MPT deveria chamar
a atenção para canais de denúncias e selecionar sem demora que casos merecem
instauração de inquéritos ou outras medidas cabíveis. O voto é secreto, deve
depender apenas da consciência do eleitor e não estar sujeito a interferências
ilegais.
PIB cresce mais que previsto e acende alerta
sobre gasto fiscal
Valor Econômico
Manter as despesas nos níveis correntes e
assistir passivamente à elevação da inflação não deveria ser uma opção para o
governo
A economia acelerou seu ritmo no segundo
trimestre do ano e cresceu 1,4%, muito acima da mediana das expectativas dos
economistas consultados pelo Valor e
perto do topo delas, de 1,5%. Na relação do segundo trimestre passado com o
segundo de 2023, o PIB avançou 3,3% e, no primeiro semestre, 2,9%. Os estímulos
fiscais explicam boa parte do crescimento, que deixa uma herança estatística de
2,5% - o quanto o PIB evoluirá no ano se a expansão for zero nos dois
trimestres restantes. Todos os componentes da demanda cresceram, mas os
investimentos cresceram a uma velocidade menor e, sob algumas métricas, ainda
não avançaram. O aumento do consumo tem sido mais rápido do que o da capacidade
produtiva - um alerta para a possibilidade de inflação maior.
Os números do IBGE mostram que a economia
pode ter entrado no túnel do tempo, ou seja, adquiriu um ritmo de expansão que
não se vê há uma década, com a diferença de que no triênio 2011-2014 a taxa de
investimento era maior. Em quase todas as comparações, de trimestre contra
trimestre do ano anterior, semestre contra semestre ou taxa acumulada em quatro
trimestres, o ritmo da expansão do consumo das famílias e dos gastos do governo
agora foi tão forte quanto no início de 2011, excetuado o período da pandemia.
Nele, a economia mergulhou velozmente em recessão, para se recuperar com igual
rapidez em seguida.
Os gastos das famílias aumentaram 4,9% no
segundo trimestre do ano em relação ao segundo do ano passado. O consumo do
governo subiu 3,1%. Essas taxas se assemelham à conjuntura existente no início
da década de 2010, marcada, a partir de 2015, pela maior recessão da história
republicana. O mercado de trabalho estava então perto do pleno emprego, como
agora, e a inflação primeiro ficou no teto da meta da inflação, de 6%, para
depois ultrapassá-la e se alojar na casa dos dois dígitos. No período também
houve forte expansão fiscal, mas heterodoxa, com as pedaladas ilegais que
escondiam gastos não previstos no orçamento. A diferença é que agora a expansão
das despesas consta do próprio regime fiscal, à razão de aumento de 0,6% a 2,5%
acima da inflação.
A indústria de transformação ressuscitou,
crescendo a 1,8% em relação ao primeiro trimestre do ano, e nada menos de 3,9%
sobre o segundo trimestre de 2023, puxada pelos serviços de energia, gás e
esgoto, que deram um salto de 2%. Importante para o crescimento geral, a
construção civil avançou 3,5%. A expansão é ainda maior na comparação com o
segundo trimestre de 2023, de 3,9%, com o setor de transformação a um ritmo de
3,6% e a construção civil, de 4,4%.
Os serviços puxaram o PIB pelo lado da
oferta, com 1% de avanço na ponta, contra o trimestre anterior, e de 3,5% sobre
o mesmo trimestre de 2023. Este é o setor que mais tem chamado a atenção do
Banco Central, pois tem crescido acima da média da inflação. Informação e
comunicação têm liderado o crescimento, seguido por outras atividades de
serviços (4,5% em 12 meses), um segmento que se move muito em função da renda e
da evolução dos salários. É o simétrico do consumo das famílias, pelo lado da
demanda, que mostra igualmente forte expansão.
Os investimentos tiveram alguma recuperação
na ponta, devido em boa parte ao aumento da importação de bens de capital. No
trimestre, cresceram 2,1%, e 5,7% em 12 meses, mas sua evolução na taxa
acumulada em quatro trimestres é ainda negativa, de -0,9%. A trajetória segue
abaixo do avanço do PIB na mesma comparação, de 2,5%, e do consumo das
famílias, de 3,7%. A taxa de investimento geral da economia subiu para 16,8%,
ante 16,4% do PIB no segundo trimestre de 2023, ao passo que a taxa de poupança
diminuiu de 16,8% para 16%.
De maneira geral, o PIB cresce em um ritmo
semelhante ao do início da década passada, sem que os investimentos estejam
perto do nível da época, quando chegaram ao pico do século no segundo trimestre
de 2014, de 21,1% do PIB, para nunca mais sequer se aproximarem dele.
Com o embalo do impulso fiscal, que aqueceu o
mercado de trabalho e diminuiu o desemprego a seu menor nível da série
histórica para o mês de julho, os salários subiram acima da inflação. A renda
disponível bruta aumentou 7,1%, de R$ 2,62 trilhões no segundo trimestre de
2023 para R$ 2,8 trilhões no segundo trimestre deste ano. Despesas de consumo
final seguiram o mesmo compasso e subiram 7,18% - e os do governo, 9,6%.
A inflação, diante do crescimento robusto, reluta em cair e ameaça subir, como mostra a mais recente ata do Comitê de Política Monetária, que indica que novo ciclo de alta de juros é uma possibilidade iminente. O governo deveria então concentrar-se em zerar o déficit público e cortar gastos, já que tudo indica que novos bloqueios e contingenciamentos serão necessários para isso. Manter as despesas nos níveis correntes e assistir passivamente à elevação da inflação não é uma opção. Seria corroborar erroneamente o enredo de expansão além das possibilidades da economia que terminou em um desastre no governo de Dilma Rousseff, do qual o país levou uma década para começar a se recuperar.
Só alta do PIB sem inflação é sustentável
Folha de S. Paulo
Atividade volta a surpreender, mas gastos sob
Lula pressionam preços; provável alta dos juros piora contas do Tesouro
Desde a retomada da atividade econômica após
o impacto devastador da pandemia, o crescimento do Produto Interno Bruto
—medida da produção e da renda do país— tem superado as expectativas.
Assim se deu em 2021, quando a alta do PIB de
4,8% mais que reverteu a queda de 3,3% no ano anterior. Em 2022, a taxa chegou
a 3%, e no ano seguinte, a muito semelhantes 2,9%, deixando para trás o quadro
de quase estagnação do período anterior à crise sanitária. Agora, neste 2024,
as previsões de desaceleração vão sendo recorrentemente revisadas.
Os números do segundo trimestre, divulgados
nesta terça-feira (3) pelo IBGE,
mostram expansão de
1,4% em relação aos três meses anteriores e de surpreendentes
3,3% ante o período correspondente do ano passado.
Mais que isso, houve avanços importantes em
praticamente todos os setores da oferta de produtos e componentes da demanda —indústria,
serviços, consumo das famílias e investimentos. Apenas a agropecuária, que
teve desempenho excepcional em 2023, mostrou declínio.
Com isso, as projeções de mercado para o
resultado final do ano, que até então rondavam os 2,5%, tendem a se aproximar
mais uma vez da casa dos 3%. Nas atuais circunstâncias, trata-se de desempenho
a ser celebrado e devidamente compreendido. Não se está diante, porém, de um
atestado de boa política econômica.
Inexiste diagnóstico consensual sobre os
motivos do crescimento acima do esperado, mas parece claro que a forte
ampliação da despesa pública, em especial com benefícios sociais, tem
estimulado o consumo e a atividade.
É possível também que reformas econômicas nos
últimos anos, como a flexibilização da CLT e novos marcos regulatórios na
infraestrutura, tenham elevado o potencial da economia brasileira. O peso dos
gastos do governo, entretanto, indica que o ritmo do PIB tem impulso limitado.
O sintoma mais palpável é a inflação acima
das metas da política monetária. Neste segundo semestre, as expectativas
medianas para o IPCA de 2024 já subiram de 3,9% para 4,26%, distanciando-se dos
3% perseguidos pelo Banco Central.
As taxas esperadas nos próximos quatro anos tampouco dão alguma tranquilidade
ao BC.
Não por acaso, a divulgação dos números
favoráveis do IBGE reforçou de imediato as apostas numa subida dos juros básicos,
hoje de já escorchantes 10,5% ao ano.
Rompeu-se, assim, a previsão que vigorava até
o início deste ano de que a Selic pudesse cair até o patamar de um dígito.
Agora, a permanência dos juros já é tida como cenário otimista.
Além disso, a alta dos juros agrava o déficit
das contas do Tesouro Nacional, criando desconfiança no mercado que leva à alta
do dólar,
retroalimentando as pressões inflacionárias. Trata-se de um círculo vicioso que
só poderá ser rompido se e quando o governo Luiz Inácio Lula da
Silva (PT)
enfim reconhecer a
necessidade de conter gastos.
Brasil precisa subir o tom contra Maduro
Folha de S. Paulo
Diplomacia de Lula deve se aliar às de outros
países e condenar reeleição farsesca e a ordem de prisão de González
Já passa da hora de o Brasil posicionar-se
com a devida firmeza contra a ditadura de
Nicolás Maduro. O diálogo bilateral se esvaziou, e mais uma atitude evasiva
ante o recrudescimento do autoritarismo de Caracas emitirá atestado de
cumplicidade.
Prisões ilegais de jornalistas, manifestantes
da oposição e até crianças não permitem mais qualquer tentativa do governo
federal de justificar o regime de terror na Venezuela.
Todas essas ações violentas já são notórias
há anos, como atestam investigações
do Tribunal Penal Internacional e da ONU. O recente pleito de araque
foi apenas mais uma demonstração de abuso de poder e desrespeito a princípios
democráticos.
Desrespeito também ao governo brasileiro, que
em 2023 selou ao lado dos Estados
Unidos o Acordo de Barbados, no qual Maduro se comprometeu a
realizar eleições justas e transparentes.
Com a descabida ordem de
prisão expedida na segunda (2) pelo Ministério Público do país
contra Edmundo
González, adversário vitorioso de Maduro nas urnas, perdeu sentido
de vez a orientação diplomática de Luiz Inácio Lula da
Silva (PT).
A alegação de que González ignorou intimações
da Justiça para depor sobre a acusação de fraude eleitoral feita pela
oposição, atestada por
organismos internacionais, só deixa claro que se trata de fato de
perseguição política.
Pressionar o regime a divulgar as atas
eleitorais, antes de pronunciar seu reconhecimento da vitória do caudilho, só
garantiu tempo para o poder de polícia estatal avançar contra a oposição —e
sugerir nova eleição foi uma ideia despropositada.
Declarado vitorioso pelo Conselho Nacional
Eleitoral e o Tribunal Supremo de Justiça, instituições títeres da ditadura,
Maduro afirmou que só entregaria o poder a um chavista.
Somente uma concertação internacional efetiva
contra o regime pode pressioná-lo a se curvar à exigência popular de
redemocratização. Ao Brasil cabe participar desse esforço, até agora refutado,
e a adoção de providências dignas de um país que se coloca como defensor da
democracia.
É necessário que o Itamaraty se
posicione ao lado dos direitos humanos, como outros países da região já o
fizeram. Devem-se condenar com clareza as eleições farsescas e a perseguição
infame aos opositores do regime.
Se o Planalto insistir na reedição do teor
brando das últimas notas diplomáticas, emitidas em conjunto com o governo
esquerdista da Colômbia, será uma vexaminosa negativa à missão que tem a
obrigação de assumir.
A covardia do Brasil na Venezuela
O Estado de S. Paulo
Mesmo ante ordem de prisão do líder da
oposição venezuelana, Lula segue incapaz de condenar a ditadura do companheiro
Maduro, ofendendo os que bravamente lutam pela democracia
A repressão na Venezuela recrudesce a níveis
pavorosos mesmo para os padrões de truculência do chavismo. O regime está em
vias de aprovar uma “Lei contra o Fascismo” que na prática lhe dará carta
branca para prender quem bem entender. Desde as eleições presidenciais, cujos
resultados foram escandalosamente fraudados para dar a vitória ao ditador
Nicolás Maduro, quase 30 manifestantes foram mortos e cerca de 2 mil foram
detidos, entre eles dezenas de menores de idade. As milícias informais
conhecidas como “Coletivos”, a Gestapo chavista, intimidam famílias em suas
casas e jornalistas nas redações. O advogado da oposição foi sequestrado.
Agora, o regime ordenou a prisão do candidato
da oposição, Edmundo González. Como se sabe, o único “crime” da oposição foi
divulgar, graças à insubordinação cívica de funcionários dos colégios
eleitorais, fotogramas das atas eleitorais que confirmam, segundo a apuração de
vários observadores independentes, sua vitória nas urnas com dois terços dos
votos.
Chancelarias de diversos países
latino-americanos emitiram notas veementes de repúdio. Já o governo brasileiro
continua a fazer cara de paisagem. Em tom prazenteiro, o chanceler paralelo do
presidente Lula da Silva, Celso Amorim, disse que “eu sou do tempo da bossa
nova – a gente nunca sobe o tom”. Nunca, desde que se trate de tiranos
companheiros.
Se o governo, sob a retórica malandra do
“pragmatismo”, se desfaz de suas obrigações de denunciar a fraude contra a
vontade do povo venezuelano e as violações de seus direitos fundamentais, não é
por falta de saliva. Mesmo em questões em que tem pouca influência, como a
guerra na Ucrânia ou em Gaza, Lula fala e fala muito, com frequência
superlativamente, como quando equiparou as operações militares de Israel ao
Holocausto. O Brasil, por sinal, segue sem um embaixador em Israel.
Em 2012, quando o Parlamento do Paraguai
destituiu o presidente esquerdista Fernando Lugo, a então presidente Dilma
Rousseff vociferou contra uma suposta “ruptura da ordem democrática”,
engendrando com os governos esquerdistas da Argentina e do Uruguai o
afastamento do Paraguai do Mercosul. Pouco importa que missões internacionais
tenham constatado a higidez constitucional do impeachment de Lugo: como se
tratava de um companheiro progressista, Dilma deixou de lado a diplomacia
“bossa-nova” de Amorim. Para confirmar que a manobra era puramente ideológica,
o consórcio esquerdista do Mercosul, sem o inconveniente voto contrário do
Paraguai, aprovou a entrada no bloco da – ora vejam – Venezuela chavista.
Em outras palavras, em nome da “defesa da
democracia”, o lulopetismo e seus sócios sul-americanos patrocinaram um
atentado às instituições do Mercosul, alijando um país em condições de
normalidade democrática para favorecer um regime cujo autoritarismo é a
principal marca.
A oposição venezuelana tem dado ao mundo um
exemplo de heroísmo. Em outras ocasiões ela se fracionou e oscilou entre modos
diversos de resistência, de boicote às eleições a tentativas de rebelião
armada. Agora, mesmo diante de uma ditadura militar que mantém na coleira o
Legislativo, o Judiciário e a mídia, optou pelo enfrentamento nas urnas – e
venceu. Mas o governo brasileiro continua a promover a farsa da “neutralidade”,
cobrando as atas eleitorais que o chavismo trancou a sete chaves e a oposição
mostrou ao mundo.
Já ficou claro que o Brasil tem pouca
capacidade de influência num regime manietado por China, Rússia e Cuba. Mas
longe de isentá-lo, essa seria mais uma razão para que o seu chefe de Estado
denunciasse com todas as letras o atentado contra a democracia e os direitos
humanos em curso. Não é só um dever moral, mas constitucional. A Carta Magna
brasileira preconiza que as relações exteriores do Brasil se regem, entre
outros princípios, pela prevalência dos direitos humanos e o repúdio ao
terrorismo.
Ditaduras dependem de duas coisas para
subsistir: o apoio das Forças Armadas e da população. Maduro, aparentemente,
mantém o primeiro, mas o rechaço do povo venezuelano é inequívoco. Democracias
genuínas deveriam celebrar e apoiar a resistência desse povo. O Brasil, em nome
das amizades de seu presidente, prefere ofendê-lo.
A capitulação do Supremo
O Estado de S. Paulo
Ciente da fraqueza do STF para impor suas
decisões ante o poder do Congresso para dispor de emendas ao Orçamento, ao
presidente da Corte, Luís Roberto Barroso, restou a resignação
O presidente do Supremo Tribunal Federal
(STF), ministro Luís Roberto Barroso, considerou que o acordo entre os Poderes
Executivo e Legislativo com vista à liberação do pagamento de emendas
parlamentares, mediado pela Corte em 20 de agosto, não foi a solução ideal para
moralizar a disposição de recursos públicos por deputados e senadores, mas era
o que havia para o momento. “Saímos melhor do que entramos. Foi perfeito? Não,
mas foi melhor do que o que se tinha”, avaliou Barroso, durante um evento na
Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP), no dia 2 passado.
A constatação do presidente do STF, ninguém
menos, recende a capitulação da Corte diante do enorme poder acumulado pelo
Congresso nos últimos anos para se assenhorear de um quinhão cada vez maior do
Orçamento da União sem prestar contas a rigorosamente ninguém – nem ao Supremo,
que vem sendo desrespeitado desde o fim de 2022. Aí estão as famigeradas
“emendas Pix” como o estado da arte de uma desabrida avacalhação da decisão da
então ministra Rosa Weber, depois referendada por seus pares, que declarou inconstitucional
o orçamento secreto, em dezembro daquele ano.
Nesse caso, cabe perguntar ao ministro
Barroso: quem “saímos melhor”, afinal? A sociedade decerto não foi, muito menos
a instituição que ora ele preside.
Diante de uma patente e reiterada afronta à
Constituição, não deveria ter havido mediação alguma, menos ainda uma mediação
patrocinada por uma Corte que não foi concebida para mediar coisa alguma, mas
sim para se ocupar da defesa da Lei Maior. Correta, ainda que tardia, foi a
decisão do ministro Flávio Dino de simplesmente interromper o pagamento de
todas as emendas parlamentares até que seus autores, destinatários e propósitos
fossem conhecidos pelos contribuintes. No entanto, prevaleceu o arranjo entre
as cúpulas dos Poderes, cujos termos até hoje não são conhecidos.
No dia 30 de agosto, venceu o prazo dado pelo
STF para que o Palácio do Planalto e o Congresso apresentassem novas regras
para o pagamento de emendas parlamentares, supostamente mais transparentes. O
governo Lula da Silva, entretanto, pediu extensão do prazo por mais dez dias.
Não se pode condenar quem enxergue essa demora para a apresentação de critérios
republicanos para disposição de recursos públicos, que de resto deveriam ser
rotineiros, como uma elucubração de mecanismos para mudar mantendo tudo rigorosamente
como sempre foi, vale dizer, ao abrigo do escrutínio público.
Não se negocia o cumprimento da Constituição.
Chega a ser constrangedor para este jornal ter de registrar uma obviedade
ululante. E é estarrecedor constatar que esse tipo de barganha não só tenha
sido articulado em plena sede da Corte Constitucional, como ainda por cima por
um STF, ao que parece, acuado diante das ameaças explícitas ou veladas do
Congresso à sua independência. Convém lembrar que, à guisa de retaliação, tão
logo Flávio Dino decidiu liminarmente sustar o pagamento de emendas opacas, o
presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), encaminhou para a
Comissão de Constituição e Justiça da Casa duas Propostas de Emenda à
Constituição que minavam o poder da Corte – uma para limitar decisões
monocráticas, objeto de uma alteração no Regimento Interno já aprovada pelo
próprio STF, e outra para dar ao Congresso o poder de cassar decisões da Corte,
um despautério.
Os ministros do STF, não sem razão, se enchem
de brios quando são afrontados, seja como indivíduos, seja como autoridades da
mais alta instância do Poder Judiciário do País. Entretanto, quando os Poderes
Executivo e Legislativo, de forma escancarada, se unem para rasgar a
Constituição – em prol de uma suposta governabilidade, no melhor cenário, ou
para satisfazer interesses inconfessáveis, no pior – e dispor de recursos do
Orçamento da União sem a observância de quaisquer critérios objetivos e fora do
alcance dos controles republicanos, o STF, ora vejam, dá-se por conformado com
um arremedo de solução que, a rigor, só o apequena como guardião maior do texto
constitucional.
O avanço extremista alemão
O Estado de S. Paulo
Inédita vitória eleitoral de radicais de
direita escancara crise da política tradicional
O chão tremeu no lado oriental da Alemanha.
Pela primeira vez no pós-guerra, um partido da extrema direita emergiu nas
urnas como força principal em um Estado. A Alternativa para a Alemanha (AfD)
levou quase um terço dos votos na Turíngia e na Saxônia. Na primeira, foi o
partido mais votado, seguido pela Democracia Cristã, de centro-direita; na
segunda, foi o inverso. A esquerda radical também teve boa performance: a
Aliança Sahra Wagenknecht (BSW), uma dissidência da Esquerda, herdeira do
Partido Comunista, fundada há apenas nove meses, ficou em terceiro. Os três
partidos que governam o país – social-democrata, liberal e verde – somaram
nessas regiões, respectivamente, 10,6% e 13,6% dos votos. O premiê Olaf Scholz
conclamou todos a manter a AfD fora do poder.
É o que deve acontecer. Os regimentos dos
partidos tradicionais vetam coalizões com extremistas e ninguém à esquerda se
aliará à AfD. Os democratas cristãos estão em posição de governar os dois
Estados, mas através de coalizões confusas e instáveis, que exigirão
compromissos excepcionais e indigestos com a Esquerda ou a BSW ou ambas,
enquanto a AfD poderá bloquear mudanças nas constituições locais.
Além dessa foto do momento, o filme no lado
oriental da Alemanha é de radicalização. Os votos nos extremos ultrapassaram
40%. Desde a reunificação em 1990, as desigualdades entre o Oeste e o Leste
diminuíram, mas ainda são sensíveis. Por fatores socioculturais, no Leste as
organizações da sociedade civil essenciais para a democracia representativa –
partidos, sindicatos, associações – não se consolidaram. Nesse ambiente
volátil, extremistas fabricam máquinas populistas abastecidas pelo rancor.
Embora no plano ideológico a AfD e a BSW se abominem, em políticas cruciais são
indistinguíveis: ambas se opõem ao apoio à Ucrânia; são eurocéticas,
antissistema e antielites; exigem restrições draconianas à imigração; e têm
modelos nacional-socialistas para o Estado.
A contraparte da ascensão extremista é a
desmoralização dos partidos tradicionais, sobretudo da centro-esquerda. A
irritação com os custos das políticas migratórias e de transição energética
está longe de estar restrita a franjas xenófobas e radicais.
Não se deve superestimar a ascensão do
radicalismo, que tem pouca aderência no Oeste, e nas eleições para o Parlamento
Europeu a AfD parou em 15% dos votos. Mas tampouco se deve subestimá-la, pois a
AfD é o segundo partido mais popular, e nunca a dissensão entre o Oeste e o
Leste e a polarização entre os extremos foram tão agudas.
Os democratas cristãos estão bem posicionados para voltar ao governo nacional em 2025. Mas eles e os outros partidos tradicionais têm um ano para afinar suas propostas à vontade popular, hoje mais conservadora, se quiserem neutralizar os extremos e constituir um governo estável. Hoje, a clivagem entre esquerda e direita é menos relevante para o futuro da democracia alemã do que aquela entre extremistas e moderados. A grande questão é se o lado oriental da Alemanha será moderado pelo lado ocidental ou se o lado oriental radicalizará o ocidental.
A antidemocracia nas redes sociais
Correio Braziliense
O que precisa ser entendido é que o combate à
desinformação e às notícias fraudulentas não pode ser feito só por parte da
imprensa profissional. Esse dever também cabe às plataformas
A suspensão do X (antigo Twitter) no Brasil,
por decisão do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF),
repercutiu em todo o mundo. Se o embate entre a Corte e o empresário Elon Musk
coloca em evidência uma inevitável discussão política, com enorme viés
partidário, também deve servir como alerta para a falta de transparência das
chamadas big techs, as gigantes da tecnologia, que aumenta a cada período
eleitoral.
Em tempos nos quais as campanhas dos
candidatos às prefeituras e câmaras municipais se voltam pesadamente para as
redes sociais, o monitoramento das estratégias dos comitês eleitorais nesses
espaços digitais tem sido praticamente impossível — ou, no mínimo, exige algum
trabalho braçal incompatível com a rotina de redações jornalísticas e de
pesquisadores. Em março, a Meta anunciou o fim da ferramenta CrowdTangle, que
permitia acesso da população aos conteúdos em alta no Instagram e no Facebook,
ambos administrados pela empresa de Mark Zuckerberg. Esse acesso, no entanto,
sempre dependeu de linguagens de programação.
A ferramenta oferecia uma API, espécie de
interface que permitia a coleta de dados em massa. Assim, era possível comparar
mais facilmente o comportamento de determinados perfis no Instagram e no
Facebook e entender, por exemplo, se um candidato se comporta nas redes da
mesma maneira que sugere seu plano de governo. O serviço também cumpria boa
parte da base de pesquisa de cientistas da comunicação e de áreas da
tecnologia.
Hoje, o acesso a esses dados ainda pode ser
feito, mas a lista de profissionais com permissão não inclui jornalistas — o
que compromete uma das principais prerrogativas da área: a fiscalização do
poder público. Ainda assim, aqueles que podem recorrer ao serviço precisam
passar por um processo burocrático e demorado, que exige até mesmo
documentações protocoladas nos Estados Unidos.
A decisão de restrição aos dados
caminha de mãos dadas com a de Elon Musk, que manteve a recusa de nomeação de
um representante legal do escritório do X no Brasil. Isso sem contar o
desrespeito às decisões judiciais que obrigam o bloqueio de contas que espalham
informações falsas, discursos extremistas e antidemocracia no microblog. O
momento atual deixa claro que, em nome do aumento de usuários e do tráfego sem
qualquer limitação, evidentemente para faturar mais com diferentes frentes,
sobretudo a publicidade, redes sociais se colocam acima do bem e do mal,
inclusive das leis de cada país.
A postura de Musk, após o bloqueio assinado
por Moraes, é emblemática nesse sentido. O empresário classifica o ministro
como "violador de juramentos", quando o próprio bilionário não
respeita as leis do país em que sua empresa opera. Também afirma que as ações
do ministro "são contra a vontade do povo brasileiro", quando, na
realidade, o dever do STF é defender a Constituição, independentemente da
vontade popular.
A urgência por maior transparência das redes nada tem a ver com uma eventual censura dos conteúdos publicados nelas. Muito pelo contrário. A permissão do acesso a esses dados por jornalistas, pesquisadores e outros profissionais complementa o papel vigilante da democracia brasileira. O que precisa ser entendido é que o combate à desinformação e às notícias fraudulentas não pode ser feito só por parte da imprensa profissional. Esse dever também cabe às plataformas. O principal passo em direção ao resguardo da democracia só pode ser dado a partir da transparência.
Nenhum comentário:
Postar um comentário