DEU EM O GLOBO
Apesar de deixar 40 mil cariocas sem luz durante quase 24 horas, a Light ainda não tem uma explicação convincente para o apagão, que atingiu principalmente Ipanema, Leblon e Lagoa. A empresa já apresentou três versões: excesso de calor, apesar de o fenômeno se repetir todo ano; maior consumo por causa do aumento de eletrodomésticos, embora o efeito da redução do IPI venha do início do ano e os novos aparelhos serem mais econômicos; e o roubo de equipamentos - fato já corriqueiro na cidade que teria causado o alagamento de uma galeria. A Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) deu 48 horas para a Light explicar o apagão e tomar medidas.
O apagão da Light
Calor, aumento de consumo e vandalismo teriam causado pane; Aneel cobra explicações
Bruno Rosa, Elenilce Bottari e Isabela Bastos
Recorrentes como a falta de luz na cidade - mais de 40 mil pessoas ficaram sem energia, de anteontem para ontem, por quase 24 horas em parte da Zona Sul e da Leopoldina - são algumas das desculpas da Light: excesso de calor e aumento do consumo. Especialistas em meteorologia e energia concordam que esses fatores contribuem para apagões, mas estão longe de ser um bom argumento. Na pré-estreia do verão carioca, essas situações são tradicionais e, portanto, mais do que previsíveis.
Segundo o meteorologista Lúcio de Souza, do Instituto Nacional de Meteorologia, houve no último mês um ligeiro aumento de dois graus na média de temperatura, mas isso pode mudar até o fim do mês, com as chuvas. Na verdade, há décadas este calor está previsto para outubro e novembro:
- As temperaturas de 40 graus são recorrentes nos meses de outubro e novembro. Nos últimos três anos, devido ao fenômeno da zona de convergência do Atlântico Sul, também chove muito a partir da última semana de dezembro e as primeiras três semanas de janeiro, mas em fevereiro o calor também tem sido intenso - informou o meteorologista.
A Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) deu ontem 48 horas à Light para explicar o apagão de Ipanema e do Leblon e a falta de luz registrada em Copacabana no último dia 13. Segundo nota da Aneel, a empresa terá que "prestar as informações sobre as causas e a duração de cada interrupção, os locais afetados e as medidas adotadas para evitar que os eventos se repitam". Se for contatado algum tipo de problema, a Light poderá receber advertência e ser multada em até 1% do faturamento anual.
A Light diz que três fatores contribuíram para os problemas que ocorreram num perímetro formado pelas ruas Cupertino Durão e Garcia D"Ávila, a orla e a Lagoa. O vice-presidente de Clientes da empresa, Roberto Alcoforado, citou furto de cabos em diversos pontos; acréscimo de 27% no consumo na área, entre quarta-feira da semana passada e anteontem, por causa do calor; e aumento de carga (volume de energia disponibilizada) de outubro passado em comparação com o mesmo mês de 2008, período em que a economia estava em recessão.
O aumento do consumo foi atribuído por ele a um crescimento na quantidade de eletrodomésticos nas casas, por causa da redução do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) do setor, mesmo tendo a área afetada um dos maiores IDHs da cidade - ou seja, a maioria dos moradores já possuía esse tipo de aparelho.
- Tivemos um crescimento de carga por conta do aumento do número de eletrodomésticos. Isso sozinho não é motivo para o sistema não suportar. Mas houve aumento grande do consumo em função da alta temperatura. As pessoas ligam mais o ar-condicionado, abrem mais a geladeira. Isso, associado ao vandalismo de roubo de fios, fez com que tivéssemos problemas em três cabos, deixando o sistema em risco. Faltou luz porque desligamos o sistema para evitar danos maiores e mais tempo para consertos - disse Alcoforado.
O vice-presidente da Light explicou ainda que três dos oito de cabos de média tensão que saem da subestação do Leblon para abastecer a região entraram em curto-circuito. Equipes da Light constataram furtos de cabos de baixa tensão que distribuem a energia para os imóveis. A falta desses cabos gerou danos na rede de média tensão, fazendo com que se optasse pelo desligamento do sistema. Técnicos encontraram ainda galerias alagadas em razão de furtos de boias de contenção de águas pluviais. Segundo Alcoforado, a Light contabiliza uma média de 30 quilômetros de cabos furtados ao ano. Ele negou que a empresa não tenha se preparado para o aumento de demanda por energia desta época:
- A empresa investiu R$1,2 bilhão em melhorias na rede nos últimos três anos, exatamente para suportar o crescimento do consumo. Somos a melhor empresa em termos de indicadores de qualidade do Brasil. Temos a menor frequência de interrupção por cliente do país - afirmou Alcoforado.
Light investiu 10% menos em 2009
Apesar dos transtornos causados, o presidente da Light, José Luiz Alquéres, afirmou, em entrevista ao "RJ-TV", da Rede Globo, que o Rio tem "o melhor serviço de energia do país" e que estão "investindo mais do que nunca para manter o sistema adequado":
- Queremos chegar, inclusive, às Olimpíadas 2016 com um padrão superior a qualquer país do mundo.
Especialistas ouvidos pelo GLOBO, contudo, dizem o contrário. Nos primeiros nove meses deste ano, a companhia aplicou R$300 milhões em aumento de capacidade da rede, manutenção corrente e novas ligações. No mesmo período do ano passado, foram investidos R$334 milhões. Ou seja, houve uma redução de 10%.
Segundo a Light, a falta de energia atingiu 12.300 clientes (relógios) em Ipanema e Leblon, de um total de 40 mil sem luz em toda a cidade. Na Zona Sul, 60 dos 160 transformadores de Ipanema e Leblon desligaram. Em seis bairros da Leopoldina, 200 desses equipamentos, de um total de 70 mil, apresentaram problemas. Na Zona Sul, 70 técnicos trabalharam no conserto da rede. Mais 250 foram distribuídos em outros bairros com problemas. O apagão começou na tarde de segunda-feira e a luz só foi restabelecida ontem, por volta das 14h30m. Às 18h, ainda havia alguns pontos sem energia, mas, segundo a empresa, por problemas específicos.
O secretário estadual de Desenvolvimento Econômico, Energia, Indústria e Serviços, Julio Bueno, pediu agilização para firmar convênio entre a Agência Reguladora de Energia e Saneamento Básico do Rio de Janeiro (Agenersa) e a Aneel. O objetivo é transferir para a Agenersa a responsabilidade pela fiscalização da Light.
Para Helder Queiroz, professor do Grupo de Energia do Instituto de Economia (IE) da UFRJ, é visível que houve problema de investimento na rede. Para ele, foi isso que fez a companhia enfrentar problemas com o calor intenso dos últimos dias, quando a demanda chegou a aumentar mais de 20% em alguns bairros. Segundo Queiroz, a Light parece não estar pronta para o verão, e a percepção é que o investimento em modernização na rede ficou em segundo plano:
- O planejamento não foi intensivo, pois essas falhas deveriam ser pontuais. Isso pode ser apenas uma especulação, mas é a sensação.
Rafael Quintanilha, da Brascan Corretora, lembra que todo o orçamento da companhia está dentro das regras estabelecidas pela Agência Nacional de Energia Elétrica. Ele ressalta ainda que um dos principais acionistas da Light é a Cemig, empresa mineira conhecida no mercado como "uma companhia focada em resultados".
- A Cemig sempre está ligada a coisas boas e ruins, como queda de transformador e de linha. Hoje, a Cemig está se preparando para ser o principal acionista da Light, abaixo apenas do bloco de controle da companhia - afirma Quintanilha.
Colaborou:Geralda Doca
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