Valor Econômico
Para especialistas, é mais provável um
cenário de mudança do trabalho que de perda de vagas
A inteligência artificial generativa tem
potencial de afetar 31,3 milhões de trabalhadores no Brasil, em maior ou menor
grau, aponta um estudo da LCA 4Intelligence que adapta metodologia usada pela
Organização Internacional do Trabalho (OIT) para tratar do tema. Desses, um
contingente de 5,5 milhões enfrenta o maior risco.
Em termos proporcionais, o trabalho mostra que a parcela do pessoal ocupado exposto de alguma forma à IA generativa era de 30,6% no primeiro trimestre de 2025, acima dos 26,8% no primeiro trimestre de 2012 e dos 23,8% da média mundial observada no estudo da OIT. O grupo dos que podem ser mais afetados representa 5,4% dos trabalhadores ocupados no Brasil e 3,3% no mundo como um todo.
Na leitura da OIT e de especialistas ouvidos
pelo Valor, o
cenário provável é mais de uma transformação do trabalho que de perda de postos
de trabalho, ainda que o panorama seja de mais dúvidas do que certezas sobre o
futuro.
A nova tecnologia é descrita como
revolucionária e comparada por alguns dos entrevistados à máquina a vapor e à
energia elétrica. A IA generativa já tem transformado modos de trabalho e pode
trazer mais eficiência à realização de diferentes atividades e consequentes
ganhos de produtividade, apontam estudiosos. Ao mesmo tempo, alertam, há
possibilidade de ampliar desigualdades.
“A maioria das ocupações inclui tarefas que
ainda exigem intervenção humana, o que indica que a transformação dos empregos
é o impacto mais provável da IA generativa, em vez da automação total”, afirma
Bruno Imaizumi, responsável pelo trabalho.
A OIT criou, em 2023, um indicador global de
exposição de ocupações à IA Generativa, pelo potencial de automação de tarefas.
Agora, em maio, divulgou nova edição do indicador, com metodologia aprimorada -
inclusive com ajuda da própria IA generativa.
O índice classifica as ocupações por quatro
graus de exposição à IA generativa - de gradiente 1, com menor nível de
impacto, a gradiente 4, de maior extensão desse efeito. Além disso, há a
parcela dos trabalhadores sem exposição ou com exposição mínima. Além do grau
de exposição, o indicador também calcula a probabilidade de influência dentro
de cada ocupação, se é mais ou menos espalhada.
Imaizumi usou essa metodologia para chegar
aos resultados específicos para o Brasil, a partir dos microdados da Pesquisa
Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua, do Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística (IBGE). No caso brasileiro, foram incluídas 435
ocupações, que foram classificadas por essa gradação do nível de exposição.
Um aspecto chama atenção nos resultados do
estudo: quanto maior o grau de instrução, mais exposto está o trabalhador. O
filme “Tempos Modernos”, de Charles Chaplin, produzido há quase um século, é
geralmente usado como referência para debater o potencial de substituição de
tarefas rotineiras por tecnologias. Dessa vez, mesmo ocupações com mais
complexidade estão sujeitas às transformações, mostram os dados.
“A IA generativa é uma tecnologia
revolucionária como foram a máquina a vapor, a energia elétrica, a computação e
a internet. E já é uma realidade hoje. Quando de se fala de tecnologia no mundo
do trabalho, muitas vezes se lembra da substituição de tarefas rotineiras e
repetitivas. Isso entra na IA generativa, mas é muito mais. Difícil pensar numa
ocupação que não será afetada”, diz o professor da Faculdade de Economia,
Administração e Contabilidade (FEA) de Ribeirão Preto da Universidade de São
Paulo Luciano Nakabashi.
No estudo da OIT, há o detalhamento por maior
ou menor qualificação do trabalhador. Entre os mais qualificados, 13,1% estão
no maior nível de exposição à IA generativa, enquanto a fatia é de 0,8% entre
os menos qualificados. Países de renda mais alta - e com maior proporção de
trabalhadores mais qualificados - têm índices maiores nos graus mais elevados
de risco.
A IA generativa foi popularizada a partir do
lançamento do ChatGPT no fim de 2022 e hoje tem várias plataformas
concorrentes. A IA tradicional se volta mais para automação de tarefas
específicas, análise de dados, reconhecimento de padrões, classificação de
informações e previsões com base em dados históricos. No caso da IA generativa,
existe a capacidade de criação de conteúdos novos, como textos, imagens ou
áudio, a partir de grandes volumes de dados.
É este diferencial de criação de conteúdos,
segundo Nakabashi, que explica esse efeito da nova tecnologia entre os
profissionais mais qualificados, e não apenas entre os menos qualificados, e
permite vislumbrar um ganho de produtividade: “Estamos falando do impacto não
apenas da IA generativa, mas da interação com internet e automação, por
exemplo”.
Mesmo negócios marcados pela criatividade têm
sido influenciados por essas mudanças. Segundo Marcos Ceravolo, sócio da Air,
produtora de filmes para publicidade e entretenimento, a IA Generativa está em
100% dos projetos.
Ele conta que a tecnologia faz parte de todo
o processo criativo e produtivo, como apoio nas diferentes etapas de criação de
textos e imagens dos vídeos, do processo inicial à finalização. Criada em 2021,
a Air inicialmente planejava que a IA generativa fosse mais predominante nos
projetos, mas aos poucos a empresa tem ampliado as etapas de revisões, para ter
mais controle sobre o produto final entregue aos clientes.
“A IA generativa funciona como assistente
criativo, ajuda a otimizar processos e pular etapas. Mas é uma ferramenta e
veio para somar. Não sou da linha ‘Exterminador do Futuro’”, diz.
Na avaliação de Luciano Nakabashi, o número
de 31,3 milhões de trabalhadores brasileiros afetados pela IA generativa - de
um total de 103,2 milhões de pessoas ocupadas no país - pode até mesmo ser
subestimado. “Existe muita incerteza sobre o real impacto. Esta é uma tentativa
de quantificar e acho que o número pode ser até pequeno diante do que espero de
influência”, afirma o professor da FEA de Ribeirão Preto.
O professor da Universidade do Estado do Rio
de Janeiro (UERJ) e especialista da FGV Projetos, Bruno Ottoni, também vê
“mudança drástica” no mercado de trabalho e cita que os dados do estudo mostram
“números grandes” diante do tamanho do mercado de trabalho brasileiro.
“A IA generativa será uma mudança drástica no
mercado de trabalho nas próximas décadas”, afirma ele, ao citar que a
tecnologia entra em áreas diferentes de produção do trabalho, como criatividade
e geração de conteúdos, com os riscos associados.
Para dar a dimensão do potencial impacto,
Ottoni lembra que o contingente de desempregados no Brasil hoje é da ordem de 7
milhões: “O número de 31,3 milhões de ocupados que podem ser afetados pela IA
generativa é grande. Se tivermos 10 milhões a mais de desempregados, por
exemplo, pode ser bem problemático”.
No trabalho de Imaizumi, a ocupação de
escriturário geral é a de maior potencial de impacto no mercado brasileiro:
eles são mais de 4 milhões dos 5,5 milhões de trabalhadores no maior grau de
exposição (gradiente 4). Ao todo, são 14 ocupações nesse maior risco de
impacto.
“Tem espaço para ganhos de produtividade
principalmente em funções administrativas, liberando tempo para tarefas mais
complexas”, afirma o economista da LCA 4Intelligence, ao citar o potencial para
o setor público.
O estudo também faz recortes por gênero e por
faixa etária. Mulheres têm mais chances de serem expostas à IA Generativa. No
grau 4, que é mais elevado, a proporção é de 7,8% entre as mulheres e de 3,6%
entre os homens. Nesse caso, explica Imaizumi, vale lembrar que mulheres estão
mais concentradas em ocupações administrativas, de escritório e atendimento ao
cliente - funções que têm maior risco de automação.
Na avaliação por faixa etária, o trabalho
mostra que, à medida que a idade avança, cresce a fatia de trabalhadores em
ocupações pouco expostas à tecnologia. Quase 60% dos trabalhadores com 50 anos
ou mais não devem ser afetados pela automação, enquanto a proporção varia de
48,9% a 51,5% no caso daqueles de até 39 anos.
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