terça-feira, 3 de junho de 2025

Motta em busca de alguma identidade - Carlos Andreazza

O Estado de S. Paulo

Hugo Motta está em busca de alguma identidade para sua presidência da Câmara; que hoje tem por existência a paralisia, senão para legislar em causa própria. Quer mudar essa imagem. Farejou na questão fiscal uma oportunidade, como se o Congresso não fosse sócio na constituição deste Orçamento safado.

Disse que não haveria rubrica tabu e que toda despesa estaria suscetível à faca fiscalista, como se cortar gastos não significasse cortar obrigatoriamente emendas parlamentares – e como se sua eleição para comandar a Câmara não contivesse mandato para proteger esse quinhão.

Disse que o corte “estruturante” das despesas teria de ser para já, com efeito ainda em 2025, como se a proximidade das eleições – agenda de reeleição que será também do Parlamento – não impusesse outra ordem de prioridades. Outra ordem de prioridades, num exemplo: energia elétrica gratuita para mais de 60 milhões de pessoas.

Disse que, desde o início do governo Lula, “todas as medidas” que chegaram à Câmara “visaram ao aumento de arrecadação”, como se o Congresso não tivesse levantado barricadas lobistas em defesa da manutenção de gastos tributários. São pelo menos R$ 600 bilhões – 4% do PIB – em benefícios fiscais, boa parte dos quais ineficiente.

Por ora, a atividade de Motta contrária ao aumento de impostos poderia ser resumida a palavrório. Deu dez dias a que a Fazenda apresente proposta alternativa – para impacto imediato – à mordida do IOF. (O cronista está seguro de que Haddad combinara outra coisa, apenas para 2026, dito pelo ministro que – para agora – não haveria plano B.) E “contratou” o deputado Pedro Paulo Carvalho para que conceba conjunto capaz de suprir o pacote do IOF, a ser apresentado caso o governo não apresente aquilo que já informou que não apresentará.

Difícil é crer que algo avance antes de 2027, quando, segundo o próprio governo, o mundo acabará. O mundo já acabou, acabada a grana, o recurso ao IOF – decretado o vale-tudo – sendo movimento para garantir dinheiros a que financiemos a tentativa de reeleição de Lula e adiar a certificação de óbito do arcabouço natimorto fiscal; para rolarpedalar o presunto adiante, até o ano eleitoral, período em que toda gastança será perdoada.

Talvez Motta venha a ser reconhecido, em nota de rodapé, como aquele em cuja presidência da Câmara se iniciou para valer o debate legislativo sobre reforma das estruturas que baseiam orçamentos a cada ano mais mentirosos.

O que terá de ser feito é muito claro. Pedro Paulo deu a letra em entrevista ao Globo. Desvincular a folha previdenciária da forma de reajuste do salário mínimo; e os gastos em saúde e educação do aumento da arrecadação. Lula toparia? Mais: cortar isenções fiscais e emendas parlamentares. Toparia Alcolumbre?

Talvez Motta seja reeleito em 27 e presida a Câmara quando a explodir a bomba que todos engordam.

 

Nenhum comentário: