Merval Pereira
DEU EM O GLOBO
Janeiro, pelo menos no que se refere ao bolso do brasileiro, foi o mês que marcou o ponto crítico dos efeitos da crise econômica internacional. A classe C, que vinha crescendo nos últimos cinco anos, chegando a 53,8% da população em dezembro de 2008, caiu para 52% em janeiro, perdendo 2,2% em apenas um mês, no primeiro e único sinal até agora de que a crise chegou ao bolso do cidadão médio. O economista Marcelo Neri, da Fundação Getulio Vargas do Rio de Janeiro, ressalta que em fevereiro a crise não se aprofundou, o que é uma boa notícia, mas também não vieram sinais de que será revertida tão cedo. A classe AB, que vinha crescendo num ritmo até maior — 35% nos últimos cinco anos —, vem caindo desde setembro.
Na última semana de fevereiro, passou a ser 13,2% da população, quando já fora mais de 14%.
A redução da desigualdade na distribuição de renda, e o crescimento da classe média, registrados por pesquisas da Fundação Getulio Vargas do Rio e do Ipea no ano passado, eram fenômenos em escala global antes que a crise financeira eclodisse, em setembro.
Segundo estudo da Goldman Sachs dos Estados Unidos, esse fenômeno teria uma longa duração, durante a qual haveria a mudança do poder de compra em direção às economias médias, a tal ponto que elas poderiam vir a dominar o gasto global pela primeira vez em décadas, à medida que os países de maiores populações, como os incluídos nos Bric, fortalecessem suas economias.
Nesse contexto, a classe média, grupo que vinha crescendo em escala mundial nos últimos dez anos, aumentaria sua participação na renda, fazendo com que a distribuição da renda mundial ficasse menos desigual.
Trabalho de Nora Lustig, professora da Universidade George Washington, publicado nos Cadernos do Conselho Mexicano de Assuntos Internacionais sobre “A pobreza e a desigualdade na América Latina e os governos de esquerda”, mostra que, entre 1990 e 2005, a incidência da pobreza extrema em nível mundial, medida com a linha internacional de pobreza de US$ 1,25 por dia, caiu de 42% para 25%.
Com relação à América Latina, entre 2002 e 2006 a pobreza extrema se reduziu em 14 países, entre eles o Brasil, enquanto em outros três países — Nicarágua, República Dominicana e Uruguai — a pobreza moderada subiu no mesmo período.
O índice de Gini, indicador usado pela ONU para medir a desigualdade de renda nos países, foi reduzido no Brasil e em mais dez dos 14 países pesquisados, e aumentou em quatro outros, além dos mesmos Nicarágua, República Dominicana e Uruguai, mais Honduras.
Portanto, a redução da desigualdade foi um fenômeno bastante generalizado na região na última década.
Segundo o estudo de Nora Lustig, em geral os países da América Latina governados pela esquerda experimentaram uma redução da desigualdade e da pobreza maior que nos governos anteriores, com exceção da Venezuela, que tem uma trajetória incerta nas políticas sociais, com a pobreza aumentando e sendo reduzida no mesmo governo Chávez, ao sabor do preço do petróleo.
No caso da Argentina, houve uma clara reversão, com a redução da pobreza e da desigualdade no governo justicialista de esquerda, enquanto aumentou nos períodos anteriores. No caso do Brasil, o estudo destaca que no governo Lula se detecta uma aceleração da pobreza e da desigualdade, que nos anos anteriores se mantiveram estáveis ou haviam sido reduzidos ligeiramente.
No Chile, a pobreza extrema foi reduzida durante todo o período do governo da Concertação, inclusive retomando essa tendência em 2001, com a chegada ao governo do Partido Socialista.
A partir de 2002, a pobreza extrema foi reduzida na região em uma velocidade maior do que em períodos anteriores, especialmente pelo benefício que a alta das matérias primas no mercado internacional trouxe às economias da região.
A professora Nora Lustig diz que, embora os números indiquem que os governos de esquerda da América Latina têm maior êxito em reduzir a pobreza e a desigualdade do que governos de outras tendências políticas, e que entre os governos de esquerda, os populistas têm mais êxito do que os social-democratas, é possível que esse melhor desempenho se deva mais à macroeconomia do que às políticas sociais assistencialistas.
Diz a professora que outra questão é se as políticas de redistribuição de renda são sustentáveis. Ela cita os casos de Argentina e Venezuela, que, enquanto os preços das matérias-primas estavam altos e crescentes, puderam disfarçar seus problemas fiscais, e agora, com a crise internacional, ficará mais difícil manter as políticas distributivistas.
Embora o estudo de Nora Lustig não se refira ao Brasil como país em dificuldade para manter suas políticas sociais, é sintomático que o índice de Gini, que vinha sendo reduzido na última década, tenha voltado a crescer.
O aumento médio da desigualdade na década de 60 do século passado foi de 2,28%, enquanto na década atual houve uma queda média de 2,6% ao ano.
A crise econômica internacional afetou em janeiro a desigualdade do trabalho de maneira contundente, de acordo com o estudo da Fundação Getulio Vargas. Em um mês, a taxa acumulada desde maio de 2002 passou de 3,32% para 2,09%.
O índice de Gini apresenta em fevereiro deste ano um número superior ao do mesmo mês do ano passado, a primeira alta da década.
Será o fim do longo período de redução da desigualdade iniciado em 2001? — pergunta o estudo da FGV.
(Continua amanhã)
DEU EM O GLOBO
Janeiro, pelo menos no que se refere ao bolso do brasileiro, foi o mês que marcou o ponto crítico dos efeitos da crise econômica internacional. A classe C, que vinha crescendo nos últimos cinco anos, chegando a 53,8% da população em dezembro de 2008, caiu para 52% em janeiro, perdendo 2,2% em apenas um mês, no primeiro e único sinal até agora de que a crise chegou ao bolso do cidadão médio. O economista Marcelo Neri, da Fundação Getulio Vargas do Rio de Janeiro, ressalta que em fevereiro a crise não se aprofundou, o que é uma boa notícia, mas também não vieram sinais de que será revertida tão cedo. A classe AB, que vinha crescendo num ritmo até maior — 35% nos últimos cinco anos —, vem caindo desde setembro.
Na última semana de fevereiro, passou a ser 13,2% da população, quando já fora mais de 14%.
A redução da desigualdade na distribuição de renda, e o crescimento da classe média, registrados por pesquisas da Fundação Getulio Vargas do Rio e do Ipea no ano passado, eram fenômenos em escala global antes que a crise financeira eclodisse, em setembro.
Segundo estudo da Goldman Sachs dos Estados Unidos, esse fenômeno teria uma longa duração, durante a qual haveria a mudança do poder de compra em direção às economias médias, a tal ponto que elas poderiam vir a dominar o gasto global pela primeira vez em décadas, à medida que os países de maiores populações, como os incluídos nos Bric, fortalecessem suas economias.
Nesse contexto, a classe média, grupo que vinha crescendo em escala mundial nos últimos dez anos, aumentaria sua participação na renda, fazendo com que a distribuição da renda mundial ficasse menos desigual.
Trabalho de Nora Lustig, professora da Universidade George Washington, publicado nos Cadernos do Conselho Mexicano de Assuntos Internacionais sobre “A pobreza e a desigualdade na América Latina e os governos de esquerda”, mostra que, entre 1990 e 2005, a incidência da pobreza extrema em nível mundial, medida com a linha internacional de pobreza de US$ 1,25 por dia, caiu de 42% para 25%.
Com relação à América Latina, entre 2002 e 2006 a pobreza extrema se reduziu em 14 países, entre eles o Brasil, enquanto em outros três países — Nicarágua, República Dominicana e Uruguai — a pobreza moderada subiu no mesmo período.
O índice de Gini, indicador usado pela ONU para medir a desigualdade de renda nos países, foi reduzido no Brasil e em mais dez dos 14 países pesquisados, e aumentou em quatro outros, além dos mesmos Nicarágua, República Dominicana e Uruguai, mais Honduras.
Portanto, a redução da desigualdade foi um fenômeno bastante generalizado na região na última década.
Segundo o estudo de Nora Lustig, em geral os países da América Latina governados pela esquerda experimentaram uma redução da desigualdade e da pobreza maior que nos governos anteriores, com exceção da Venezuela, que tem uma trajetória incerta nas políticas sociais, com a pobreza aumentando e sendo reduzida no mesmo governo Chávez, ao sabor do preço do petróleo.
No caso da Argentina, houve uma clara reversão, com a redução da pobreza e da desigualdade no governo justicialista de esquerda, enquanto aumentou nos períodos anteriores. No caso do Brasil, o estudo destaca que no governo Lula se detecta uma aceleração da pobreza e da desigualdade, que nos anos anteriores se mantiveram estáveis ou haviam sido reduzidos ligeiramente.
No Chile, a pobreza extrema foi reduzida durante todo o período do governo da Concertação, inclusive retomando essa tendência em 2001, com a chegada ao governo do Partido Socialista.
A partir de 2002, a pobreza extrema foi reduzida na região em uma velocidade maior do que em períodos anteriores, especialmente pelo benefício que a alta das matérias primas no mercado internacional trouxe às economias da região.
A professora Nora Lustig diz que, embora os números indiquem que os governos de esquerda da América Latina têm maior êxito em reduzir a pobreza e a desigualdade do que governos de outras tendências políticas, e que entre os governos de esquerda, os populistas têm mais êxito do que os social-democratas, é possível que esse melhor desempenho se deva mais à macroeconomia do que às políticas sociais assistencialistas.
Diz a professora que outra questão é se as políticas de redistribuição de renda são sustentáveis. Ela cita os casos de Argentina e Venezuela, que, enquanto os preços das matérias-primas estavam altos e crescentes, puderam disfarçar seus problemas fiscais, e agora, com a crise internacional, ficará mais difícil manter as políticas distributivistas.
Embora o estudo de Nora Lustig não se refira ao Brasil como país em dificuldade para manter suas políticas sociais, é sintomático que o índice de Gini, que vinha sendo reduzido na última década, tenha voltado a crescer.
O aumento médio da desigualdade na década de 60 do século passado foi de 2,28%, enquanto na década atual houve uma queda média de 2,6% ao ano.
A crise econômica internacional afetou em janeiro a desigualdade do trabalho de maneira contundente, de acordo com o estudo da Fundação Getulio Vargas. Em um mês, a taxa acumulada desde maio de 2002 passou de 3,32% para 2,09%.
O índice de Gini apresenta em fevereiro deste ano um número superior ao do mesmo mês do ano passado, a primeira alta da década.
Será o fim do longo período de redução da desigualdade iniciado em 2001? — pergunta o estudo da FGV.
(Continua amanhã)
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