sexta-feira, 13 de julho de 2012

Soberania e crise financeira:: Tony Volpon

A natureza extrema da crise europeia advém do fato que ela mistura dois tipos de crise ao mesmo tempo: superendividamento com um suporte político inadequado para sustentar uma união monetária. A solução para a primeira crise é bem conhecida. A solução para a segunda crise é muito mais difícil e provavelmente terá um desfecho que não vai preservar a zona do euro na sua forma presente.

Hoje está claro que a raiz da crise foi um ciclo de superendividamento que muitas vezes acompanha momentos de inovação financeira. A constituição da moeda única possibilitou uma queda expressiva da percepção de risco na periferia europeia, gerando um forte fluxo de capital do rico norte do continente ao pobre sul periférico.

Toda a crise de superendividamento, algo que o Brasil já conheceu muito bem, se resolve por três mecanismos que transferem "renda" de devedores a credores na medida do possível, a saber: pagar, reestruturar ou inflacionar. Respostas distintas da política econômica ou da engenharia financeira trabalham sempre ao longo dessas três dimensões. Infelizmente, para os países da periferia, o único expediente que une estímulo com austeridade, uma forte desvalorização cambial, não está disponível. Uma desvalorização estimularia o setor exportador e também ofereceria uma maneira "politicamente correta" de diminuir o nível dos salários reais, trazendo austeridade.

Nenhum artifício ou engenharia financeira pode substituir a necessária perda de soberania nacional

Grande parte da dinâmica recessiva vista hoje na periferia europeia tem muito mais a ver com a incapacidade de se promover uma desvalorização dentro da zona do euro e muito menos com uma austeridade fiscal que foi ainda pouca implementada na prática.

Enquanto uma combinação de austeridade e estímulo cambial deve ser o suficiente para resolver a maioria dos casos de superendividamento (pensem na crise asiática de 1997), há níveis extremos que requerem reestruturação. Há, para cada sociedade, um limite político e social para a extração de recursos de devedores para credores, e são esses fatores mais do que qualquer "conta" de sustentabilidade que definem o que pode ser pago.

A experiência diferenciada entre a Latvia e a Grécia na crise atual demonstra como esses fatores influenciam a capacidade de pagamento de uma sociedade. Baixos níveis de coesão social e política combinado com endividamento para credores externos diminui a capacidade de haver pagamento sem alguma reestruturação.

Poderíamos então imaginar uma solução para a crise de superendividamento utilizando os elementos acima, essencialmente uma combinação de austeridade nos países devedores e estímulo nos países credores para facilitar a transferência de renda entre eles, com uma política monetária amplamente expansionista gerando uma combinação benéfica de desvalorização cambial para a zona como um todo e um diferencial de inflação entre o sul e o norte, gerando um ganho relativo de competitividade na periferia e assim incentivando suas exportações. A "receita" econômica e financeira, até levando em conta as restrições impostas pelas instituições europeias, não é difícil de desenhar teoricamente.

O problema é que nada disso resolve o pecado original da crise: a falta de suporte institucional e político adequado para uma moeda única. Aqui o debate se divide. De um lado aqueles na periferia advogando algum tipo de mutualização do endividamento entre países e do outro, aqueles advogando "mais Europa", ou controle centralizado de políticas fiscais e tributarias para garantir o pagamento pronto das dívidas.

Apesar de ser bastante criticada por muitos analistas, na verdade é a posição dos credores, liderados pela Alemanha, que atinge o cerne essencialmente político da crise: não há como sustentar politicamente as transferências fiscais necessárias dentro de uma moeda comum sem uma efetiva união política. Mas aqui está exatamente o problema: a Alemanha estaria disposta a bancar financeiramente uma união federativa até se essa união fosse montada dentro dos preceitos que ela defende? E os outros países estariam dispostos a enfrentar a perda de soberania que tal união implica?

Olhando para as divergências dentro da zona do euro temos que responder negativamente a ambas perguntas. A "experiência" europeia tem nos ensinado que uma moeda única não é somente um arranjo financeiro mas uma expressão de coesão política e social. Apesar da experiência com a moeda única ter se iniciado com as melhores intenções, a de trazer junto um continente que tinha visto poucos anos antes a mais devastadora guerra da história, ela falhou. Nenhum artifício ou engenharia financeira pode substituir a necessária perda de soberania nacional sem qual não há como sustentar uma moeda única. Dado a complexa interação entre elementos de mercado e da política, não é possível prever como chegaremos ao fim, mas aqui vale a regra de que ao longo do tempo aquilo que não é sustentável não se sustenta.

Tony Volpon é diretor do Nomura Securities International, Inc.

FONTE: VALOR ECONÔMICO

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