Do primeiro ato, o julgamento do mensalão, o ministro Joaquim Barbosa saiu com a aura de grande justiceiro, de implacável cavaleiro da lei que liderou o STF na condenação de ex-dirigentes do partido no poder, banqueiros e publicitários bem-sucedidos. Mas, no segundo ato, a prisão dos primeiros condenados e a execução das penas, com seus procedimentos monocráticos e, para boa parte do meio jurídico, heterodoxos, Barbosa corre o risco de dilapidar seu elevado capital em prestígio, que já lhe valeu a lembrança de seu nome como candidato a presidente da República.
Na sequência de decisões que tomou a partir do dia 14 passado, quando decretou a prisão de 11 dos 25 condenados, Barbosa alijou o juiz da Vara de Execuções Penas, Ademar de Vasconcelos, substituindo-o pelo auxiliar Bruno André Silva Ribeiro, que seria mais dócil e menos resistente ao cumprimento de suas decisões. Pelo inusitado, a iniciativa ontem lhe rendeu críticas da Associação dos Magistrados do Brasil (AMB) e do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), que acionará o Conselho Nacional de Justiça (CNJ). As duas instituições podem ter arestas com Barbosa, mas são insuspeitas de viés partidário. A medida foi criticada por juízes diversos, que vão do "progressista" Celso Bandeira de Mello ao "conservador" Claudio Lembo, filiado ao DEM. Com a mesma disposição para a polêmica que afirmou existir no Brasil uma "elite branca", Lembo afirmou, no programa É notícia, veiculado à meia-noite de domingo pela RedeTV, que há "bases legais" para o impeachment de Barbosa. "O poder judiciário não pode ser instrumento de vendeta", disse ele. No plano da realidade, obviamente, não existe ambiente para tal hipótese mas, ao dispensar o concurso de seus pares na execução penal e assumir sozinho atitudes tão polêmicas, confiando em seu elevado prestígio, Barbosa pode estar seguindo uma estratégia de autoerosão.
A troca do "juiz natural" pelo de sua preferência elevou o tom das críticas, mas elas alcançam outros atos, como o fato de ter escolhido apenas 11, que incluem os três ex-dirigentes do PT, para a prisão imediata, embora existam condenados sem direito a recursos que seguem soltos; a escolha do 15 de Novembro para executar as prisões, com a espetaculosa transferência de avião para Brasília, quando a lei faculta o cumprimento de penas nas proximidades do domicílio; o encaminhamento irregular dos presos ao regime fechado, nos primeiros três dias, sem a devida cópia da sentença e da guia de encaminhamento dos presos, motivo de sua primeira divergência com o juiz Ademar; e a demora na concessão do regime hospitalar/domiciliar provisório a José Genoino, pela qual responsabilizou também Ademar, que não lhe teria dado informações precisas.
A escolha do juiz substituto Bruno Ribeiro, ainda que buscando apenas maior sintonia na execução, gerou críticas estridentes nas redes sociais pelo fato de ele ser filho de um dirigente do PSDB-DF, Raimundo Ribeiro. Sua mãe, Luci Rosane Ribeiro, também é ativista do PSDB local . Em sua página no Facebook, exibe manifestos contra o PT e o governador Agnelo Queiroz e convocações aos militantes tucanos para acompanhar o julgamento. Um post exibe uma foto de Joaquim Barbosa e uma frase que, naturalmente, ele nunca disse: "eu me matando para julgar o mensalão e você vota no PT? Francamente!". Um outro pergunta quando seria o "mês da consciência branca", em aparente crítica ao Dia Nacional da Consciência Negra.
Enquanto isso, os demais ministros continuam em obsequioso silêncio. Mas alguns estariam incomodados, receando que a impulsividade de Barbosa seja danosa ao próprio e também a todo o esforço realizado para levar a termo o julgamento da mais complexa ação criminal que já aportou na mais alta Corte.
Trilha do dinheiro
São abundantes na internet os comentários de cidadãos indignados dizendo que, além das prisões dos réus do mensalão, querem a recuperação do dinheiro desviado. O Banco do Brasil deu o primeiro passo na busca dos R$ 73,4 milhões que, segundo o STF, foram desviados por Henrique Pizzolato, da fatia do banco no Fundo Visanet para o valerioduto. Foram utilizados, concluiu o ministro Barbosa, para comprar o voto de parlamentares, usando como biombo empréstimos fictícios junto ao Banco Rural. O trabalho que o Banco do Brasil fará agora , em busca dos recursos, acabará por dirimir a dúvida suscitada categoricamente pelos réus, especialmente pelos publicitários Ramon Hollerbach e Cristiano Paz, condenados a penas altíssimas. Garantem eles que a campanha do cartão Ourocard Visa, correspondente aos recursos, foi executada, com peças veiculadas nas maiores emissoras de tevê do país, em outdoors, mobiliário urbano e patrocínios. Apontam uma contradição no fato de terem sido condenados por peculato, por ter a agência DNA, da qual eram sócios, ficado com os bônus de volume da campanha, um desconto dado pelas emissoras às agências. Se houve bônus, houve veiculação, dizem. Notas e comprovantes estariam nos autos. A perícia técnica do BB, como cliente, revisitará tudo isso para propor as ações de recuperação do dinheiro, oriundo da Visa Internacional.
Reação tucana
A alta cúpula do PSDB faz hoje um desagravo aos tucanos paulistas acusados de envolvimento com o esquema de propinas que teriam sigo pagas pelo cartel de fornecedores ferroviários liderados pela Siemens. Hoje pela manhã, o presidente do partido, senador Aécio Neves; o líder na Câmara, Carlos Sampaio; e o líder no Senado, Aloysio Nunes Ferreira; darão entrevista coletiva juntos. Vão subir o tom contra o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) e o ministro da Justiça, José Eduardo Cardoso, acusando-os de atuação partidária no caso. O ministro encaminhou à Polícia Federal a lista de supostos beneficiários, que envolve tucanos graúdos de São Paulo, apresentada pelo ex-diretor da Siemens Everton Rheinheimer.
Fonte: Correio Braziliense
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