- O Estado de S. Paulo
Os acontecimentos decorrentes das investigações do petrolão estão abalando as estruturas da política nacional. É certo dizer que nada, nada será como antes, depois do escândalo. As mudanças que deverão ocorrer vão se relacionar sobretudo com a forma como empresas privadas, empresas estatais e políticos se relacionam. E, também, com o modo de financiar partidos e campanhas.
Sergio Lazzarini, em seu livro Capitalismo de Laços (Elsever), descreve de forma clara como funciona o modelo no País. O mundo político opera como grande agente dos interesses privados na obtenção de contratos de obras públicas e de fornecimento para empresas estatais.
No caso da Petrobrás, a aliança ia além da obtenção de obras e contratos. Envolvia apoio político na obtenção de financiamentos públicos. Afinal, o crédito no Brasil sempre foi escasso e conseguir recursos nos bancos públicos quase sempre dependeu de influência política. Em contrapartida, o mundo privado financiava o mundo político. De acordo com as regras e, infelizmente, fora delas. No entanto, o petrolão pôs o modelo vigente em xeque.
A questão das operações feitas de acordo com a lei já está posta juntamente com a discussão sobre a imposição do financiamento público de campanhas, que não é a melhor solução para a democracia no Brasil. Devemos avaliar com urgência o teto de despesas nas campanhas. Em sendo exclusivo de uma fonte, o melhor é que seja feito apenas por cidadãos; o financiamento público exclusivo afastará ainda mais o político e os partidos da sociedade.
Porém o que o petrolão traz à tona é o desvio de recursos para políticos e partidos por conta da obtenção de contratos na esfera pública. Ou seja, o papel de intermediação ilícita que alguns no mundo político fazem em favor de interesses privados, e recebendo por isso, seja para fins de enriquecimento próprio, seja para o financiamento de esquemas políticos. Prática mais antiga do que o guaraná de rolha!
Pois bem, mesmo que o escândalo ficasse apenas no que já se sabia antes da prisão de executivos das empresas envolvidas e de mais um ex-diretor da Petrobrás, o efeito no sistema político nacional já seria devastador. Simplesmente porque muitas empresas não estarão mais dispostas a correr o risco de financiar, por baixo dos panos, políticos e partidos, já que o modelo não é sustentável, além de ser ilegal, imoral e injusto.
Para piorar a vida dos que abastecem os esquemas, o julgamento do mensalão revelou ao mundo privado que o mundo político não tem condição de proteger seus cúmplices. Alguns políticos punidos no caso já estão cumprindo suas penas em casa. Já os "não políticos", como Marcos Valério e Kátia Rabello, vão amargar na cadeia por muitos anos. Se tivessem feitos acordos de delação estariam em situação muito melhor.
O escândalo do petrolão aprofundou uma tendência do mensalão: a de buscar não apenas os operadores dos esquemas, mas também seus financiadores e, em especial, seus beneficiários. A combinação do exemplo do mensalão com as linhas de investigação do petrolão é crítica para estimular a sucessão de delações que estão ocorrendo e ampliar as consequências do escândalo a níveis inesperados.
Mas não é tudo. O petrolão tem uma dinâmica adicional, que é a investigação internacional da Securities Exchange Commission (SEC) dos Estados Unidos, que poderá resultar em punições para os envolvidos. Sabemos que as autoridades americanas estão coletando informações sobre o episódio. No limite, a Petrobrás - que é listada na Bolsa de Nova York - poderá ser punida com multas e seus diretores e conselheiros, processados criminalmente e até mesmo inabilitados para dirigir empresas de capital aberto listadas em bolsa nos EUA.
Combinando as investigações atuais com as futuras investigações no Supremo Tribunal Federal (STF) e, ainda, com as investigações internacionais, temos o petrolão num nível de escândalo jamais visto na História do País. Algo de proporções monumentais e com repercussões profundas. Dizem que já chega a 70 o número de políticos que serão julgados no STF por causa desse caso. É um número extravagante!
As consequências das investigações já estão sendo sentidas. O Congresso está temeroso do impacto do que vem por aí. O governo está em voo cego e com poucos instrumentos para a reforma ministerial, pois tudo depende da lista de investigados. Na prática, o critério número 1 é não estar na lista, que pode crescer com novas delações. Até a total divulgação dos envolvidos, a reforma ministerial deve dar-se em espasmos.
Outras consequências poderão ser sentidas. Caso não se firme um acordo de leniência, as obras públicas com as construtoras envolvidas podem ser paralisadas. Seria mais ou menos o que aconteceu com a Construtora Delta, só que em proporções maiores. Além dos efeitos na paralisação das obras de infraestrutura, poderemos ter repercussões no emprego de milhares de trabalhadores. Não é trivial.
Partidos poderão ter importantes lideranças políticas inviabilizadas ou profundamente limitadas em suas carreiras. Dezenas de parlamentares simplesmente se transformariam em fichas-sujas. Quem vai sobrar para coordenar o espólio do petrolão? Quais as repercussões para a governabilidade?
Considerando todos os aspectos, o episódio demanda das instituições públicas e privadas e de nossas lideranças civis e governamentais imensa responsabilidade e cautela. Isso não significa acobertar malfeitos, e sim buscar o equilíbrio necessário para que a justiça seja feita de forma republicana. Sociedade e políticos terão de fazer uma ampla reflexão sobre como financiar a política e sobre como impedir que escândalos como o do petrolão se repitam.
*Murillo de Aragão é advogado, mestre em Ciência Política, doutor em Sociologia pela UNB e autor do livro 'Reforma Política - o Debate Inadiável'
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