• A doutora Dilma decidiu cancelar a festa de uma lei que sancionou em novembro. Melhor assim
- O Globo
Além da decisão da Standard &Poor’s de manter a classificação do Brasil, há outra boa notícia na praça. Seu método é meio girafa, mas vá lá. A repórter Vera Magalhães revelou que o governo decidiu congelar a regulamentação da lei que mudou o indexador das dívidas dos estados e municípios com a União. É girafa porque não fica bem para a doutora Dilma valer-se de um artifício burocrático (a regulamentação) para adiar o cumprimento de uma lei que sancionou em novembro. Contudo, é melhor fazer assim do que avançar no orçamento do andar de baixo.
No final do século passado, os estados e municípios repactuaram suas dividas com a União. Hoje, essa conta está em R$ 500 bilhões, que deveriam ser quitados em 25 anos. Com o novo indexador, as prefeituras do Rio e de São Paulo, bem como os governos de Minas Gerais, Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro e Alagoas livram-se de um espeto de R$ 176 bilhões. Noves fora Alagoas, estão entre as administrações mais ricas do país. Estima-se que esse refresco custe à União mais de R$ 3 bilhões a cada ano. Para um governo que pretende cortar benefícios de viúvas para economizar R$ 1 bilhão anuais nas despesas de Previdência, a ideia tem alguma lógica, pois num caso os cidadãos pagaram ao INSS, enquanto no outro os governadores e prefeitos não querem pagar o que devem.
Há aí uma aula de irresponsabilidade fiscal. Lá atrás os doutores endividaram suas administrações dentro da lógica do “eu faço e meus sucessores pagam”. Destruíram-se simultaneamente os orçamentos públicos e o valor da moeda. Veio o Plano Real e arrumou-se a casa repactuando-se as dívidas. Passou o tempo e os novos doutores, liderados pelo prefeito de São Paulo, Fernando Haddad, quiseram mudar o indexador para pagar menos. Há lógica no pleito, pois todos estão com pouco dinheiro para investir.
Numa trapaça da história, Haddad, que está hoje no guichê de quem tem que pagar, em 2010 estava no balcão que produzia despesas. Como ministro da Educação, mudou o sistema de financiamento aos estudantes de faculdades privadas. Baixou os juros de 6,5% para 3,4% anuais, afrouxou o sistema de fianças e facilitou o acesso aos créditos. Os empresários das escolas viram na mudança a estatização do risco da inadimplência e estimularam a migração dos alunos para os empréstimos públicos. Segundo o ministro do Planejamento, em quatro anos, os contratos passaram de 80 mil para quase dois milhões. A carteira foi de R$ 1 bilhão para R$ 13,4 bilhões. Se a ideia era aumentar o percentual de estudantes no ensino superior privado, deu água. Os financiamentos cresceram 448%, mas as matrículas aumentaram 13%. O estudante tirava zero na prova de redação e conseguia o crédito. A própria doutora Dilma reconheceu o engano de ter entregue às escolas a porteira de acesso aos financiamentos: “O governo cometeu um erro.”
Quando a dívida dos estados e municípios foi repactuada, o professor Fernando Haddad não podia imaginar que o abacaxi acabaria na sua mesa. Quando o ministro Fernando Haddad afrouxou as regras do financiamento estudantil, sabia que o abacaxi só seria colhido 12 anos depois da formatura dos estudantes, quando começariam os resgates. Ele sustenta que uma eventual inadimplência dos alunos financiados sem fiadores será coberta por um fundo garantidor. Um problema para o caixa de 2026.
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Elio Gaspari é jornalista
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