Revista Será?, edição de 07 de março de 2025
Aparentemente, o governo Lula está com graves
problemas. Caindo nas pesquisas a cada dia, enquanto os seus adversários, à
direita, manifestam pujança. Os quatro governadores de oposição – RS, PR, SP,
MG – apresentam bons sinais de desempenho, todos com índices superiores a 60%
de aprovação. Lula não chega a 30%. Dentre aqueles governadores deverá sair
pelo menos um candidato à presidência. E se ocorrer uma aliança entre eles,
será difícil vencê-la.
Criticar o governo Lula, cuja eleição nos
impediu de hoje estar sob um regime ditatorial não é fácil. Esta é uma dívida
que contraímos com ele, e não poderemos jamais esquecer. Ou alguém duvida que
Bolsonaro no poder aqui, e Trump lá, sobraria algo da nossa democracia?
O fracasso do governo Lula será a porta para a direita alcançar o poder. E não sabemos quais concessões a direita vitoriosa fará para a extrema-direita. Por isso, mas não só, é preciso torcer pelo sucesso do governo Lula, o que implicará atrair a direita democrática para o governo de forma mais clara, dando-lhe também papel de protagonista. Seguir o conselho que escutei de Miguel Arraes: “aqui (diria no momento atual) para vencer (eleitoralmente) é preciso dividir a direita, atraindo sua vertente democrática”.
De toda forma, é preciso saber, inicialmente,
as razões que estão levando o governo ladeira abaixo. Vou anunciar algumas, e
de forma aleatória, deixando ao leitor a tarefa de hierarquizá-las. As razões
dividem-se em duas ordens, aquelas de ordem conjuntural, as primeiras, seguidas
daquelas de ordem estrutural.
Que não me chamem de machista (pois com
certeza minha mulher sairá em minha defesa), mas a “companheira” Janja é uma
presença mais nociva que positiva no Planalto. Sua participação no governo,
para o qual não foi eleita, é um desastre. Sua simpatia junto à população se
desfaz na medida em que ela “mete os pés pelas mãos”. Fez a cabeça de Lula para
escolher uma ministra da cultura que ninguém sabe a que veio, quando o
presidente tinha à sua disposição o melhor ministro da cultura deste Pais, Juca
Ferreira; decidiu que entende de comunicação e começou a disputar o cargo com o
ministro da comunicação social, que terminou saindo, deixando o governo na
lona. Isso para ilustrar com dois simples exemplos, teríamos dezenas. Mete-se
em tudo e mais alguma coisa, das quais não entende um terço, como se diz no
popular.
A comunicação do governo é um fiasco. Os
frutos da economia com a queda do desemprego, do aumento da renda média dos
trabalhadores, da inflação baixa e da retomada do crescimento econômico nos
primeiros dois anos não se traduziram em popularidade. E agora, com o mundo
conturbado, a inflação voltando a crescer, o desemprego parando de cair, a
situação não será tão benfazeja. Mudou-se a comunicação, ótimo, porém, não se
pode esquecer que sem política ela não surte efeitos consistentes. Não se
sustenta.
Lula se cercou de uma assessoria palaciana
medíocre. Nada de militantes experientes, com inteligência e sagacidade,
capacidade de conversa entre iguais. Pessoas como José Dirceu, Luiz Gushiken,
Gilberto de Carvalho e Tarso Genro, entre outros, que se fizeram políticos
junto com Lula, todos sabiam quem eram. Eles tinham história, e foram
substituídos por pessoas inexperientes política e administrativamente, que
ninguém sabe quem são. O único mérito, o de se mostrarem fiéis a Lula quando
estava na prisão, é bonito, mas nada diz de suas competências em assessorar um
Presidente da República. Não falam, e quando o fazem, é equivocadamente, como
no caso da suspensão do “decreto do PIX”. Neste episódio, o governo errou três
vezes: quando não previu a reação que o decreto iria causar, quando suspenderam
o decreto (que o Lula não queria) e quando resolveram criar uma publicidade
(parece que recuaram, mas saiu nos jornais e não foi desmentida), dizendo que
não haveria taxas sobre o PIX. Custo previsto: 50 milhões. Seria um desastre. A
oposição iria morrer de rir: “Claro, não tem taxação porque nós obrigamos
o governo a suspender o decreto”.
Seus ministros não fazem entrega e não
entendem o momento político, estimulando a cada dia a polarização, e brigando
entre si. Há personalidades importantes como Haddad na economia,
Camilo na educação e Marina no meio ambiente. Fora estes, o povo não sabe o que
estão fazendo. O Fernando Haddad, preparado, inteligente, e que conhece as
tramas do mercado, o PT e o governo trabalham para desgastá-lo. Impropriamente,
diga-se de passagem, pois é o único político do PT que poderá substituir Lula
caso ele não seja candidato.
Somam-se à assessoria medíocre os
erros que Lula comete a cada dia. Perdão. Segundo alguns jornais é um erro a
cada três dias. Entre eles, esta pérola, em relação à inflação dos alimentos:
“Deixem de comprar os alimentos mais caros e comprem os mais baratos”. Uma
amiga me citou uma rainha que disse frase similar – “Se o povo não pode comprar
pão, compre brioche” – e perdeu, literalmente, a cabeça.
Lula e o PT desprezam seus aliados, como
Cristovam Buarque, desconvidado a participar de cerimônia no palácio sob a
alegação de que não havia lugar suficiente. Era para a assinar o decreto de
proibição do uso de telefone celular nas escolas, coisa pela qual Cristovam, um
dos primeiros políticos fora do PT a apoiar Lula em 2022, tanto lutou.
Atualmente, o governo busca desesperadamente
jogar dinheiro nas mãos dos menos favorecidos, e de uma maneira estabanada, que
passa a impressão de que não tem qualquer compromisso com o equilíbrio das
contas públicas. Só falta jogar dinheiro de helicóptero como, diz a lenda, fez
Sarney para ser eleito senador do Amapá. E esta impressão impulsiona para a
oposição parte do empresariado que não é ideologicamente de extrema-direita.
Lula é um gênio na política, nascido no
interior de Pernambuco, dirigiu-se a São Paulo como um pau de arrara, tornou-se
operário e, finalmente, foi eleito presidente da República, por três vezes. Não
é pouca coisa. Ele precisa descobrir, porém, que o mundo mudou; que as políticas
do passado não funcionam mais; que a comunicação política se faz
diferentemente. Para enfrentar esta nova situação, tem que ter na assessoria
pessoas competentes, que conversem e explanem sobre a natureza das mudanças que
estão ocorrendo no mundo e no Brasil. Por mais genial, ele não sabe tudo. De
nada adiantam assessores que apenas dizem sim, ou que dizem tolices.
É preciso distensionar o ambiente político,
que favorece à extrema-direita. Como Lula fez no dia 27 de fevereiro em São
Paulo, com o seu governador, notoriamente um opositor e possível candidato à
presidência. Porém, Gleisi Hoffmann nas relações institucionais parece ser um
tiro no pé. Ela é o ícone da antipatia, defensora de Maduro, e que segundo uma
amiga brasiliense “gostaria de não pisar no chão, com aquele narizinho
empinado”. Parte do PT está contente, mas será ela competente para o cargo? Ela
amplia as alianças do governo para reduzir suas dificuldades com o Congresso e
preparar a esquerda para as novas eleições? Aparentemente, sua
nomeação foi uma forma de ligar mais o PT ao governo. E Lula, assim, parece
estar aplicando a mesma estratégia de sempre: agrupar a esquerda para em
seguida ganhar aliados no centro e na direita.
Entre as razões estruturais está a de que a
situação hoje é muito distinta de 2003. Hoje, o Congresso Nacional controla
parte significativa do orçamento, graças a inoperância do ex-presidente. É um
fato. Não adianta argumentar que vivemos em um regime presidencialista. Por
outro lado, os partidos de esquerda perderam espaço nos governos estaduais e
nas prefeituras municipais. Dessa forma o governo tem que ampliar seu aliados,
tem que governar em uma frente ampla.
Hoje, os meios de comunicação estão divididos
entre as mídias sociais, de controle individual, e os meios clássicos de
comunicação (rádio, TV e jornais), na maioria em mãos de empresas. E a esta
situação a esquerda ainda não conseguiu se adaptar. Há exceções, como o
prefeito de Recife, do PSB, João Campos. Mas são poucas.
O mais importante, porém, é que o mundo mudou
e a esquerda, não. Seus partido não se renovaram. Seus quadros estão
envelhecidos. Desligaram-se dos jovens, dos empreendedores. Perderam a classe
média urbana. Não entenderam as mudanças religiosas no País e os impactos das
inovações tecnológicas. Por isso, é fundamental governar de olho da renovação
dos quadros, na incorporação dos jovens, de todas as classes e procedências. De
forma universal.
Finalmente, a esquerda não entendeu que o
ciclo da esquerda se esvaneceu com o nascimento do século XXI. A onda
conservadora cresceu e toma conta de tudo. A esquerda abandonou o
discurso universal pelas particularidades identitárias. Os ministérios da
mulher, dos povos originários, da igualdade racial e dos direitos humanos,
juntos, não valem um. Inoperantes, sem recursos, e produtores de escândalos. A
postura identitária é um sinal do abandono do discurso universal, agora ocupado
pela direita. Que não significa, em absoluto, abandonar os clamores e
reivindicações legítimas de segmentos discriminados, como as mulheres, os
pretos, os povos originários, os quilombos, os LGBTQ+. Mas, é preciso ter um
discurso includente para estes e outros segmentos sociais, para a grande
maioria da população.
A direita, e com ela a extrema-direita,
montou um quarteto ideológico de sucesso, como diz Guilherme Casarões em
conversa com Marco Aurélio Nogueira: pátria, família, deus e liberdade. Esta,
entendida sem o seu complemento, o da responsabilidade. E este quarteto está
ganhando as multidões, temerosas das mudanças e do futuro sombrio que se
desenha. Trump está enfrentando este mundo sombrio, tentando construir um novo
para os seus, norte-americanos e ricos. Está retomando a lei do mais forte no
mercado e na política. Construindo um Estado privado, que funcionará com a
lógica empresarial norte-americana: perdedor não merece nem respeito nem
consideração. Traduzindo, pessoas socialmente vulneráveis não merecem a atenção
do Estado. Trump usa a força bruta para recuperar o declínio dos Estados
Unidos, tentando separar a Rússia da China e submeter seus aliados,
humilhando-os. Este acúmulo de humilhações, a que se somam os funcionários
públicos norte-americanos, não ficará completamente inerte. Reações estão surgindo,
como diz Marta Batalha em artigo recente no O Globo.
Hoje, as esquerdas pagam o erro de terem
passado quase 16 anos no poder executivo, sem terem construído qualquer mudança
substantiva (responsabilidade sobretudo do PT). Trataram seus eleitores como
consumidores, esquecendo que são também cidadãos. Não realizaram uma reforma
política. Não mudaram a educação de base. Investiram muito em assistência
social e pouco em educação fundamental. Nesse período seria possível realizar
uma revolução educacional se tivessem definido a melhoria da qualidade do
ensino básico, e adotado medidas eficientes. Trataram os pobres como
beneficiários de ajuda estatal, sem criar condições de transformá-los em
produtores, com autonomia de renda, capacidade tecnológica e de gestão. Não
introduziram mudanças no modelo de desenvolvimento, deixando-o prisioneiro do
consumo intensivo de petróleo. Não adotaram medidas fortes para transformar o
Estado em um agente efetivo de desenvolvimento sustentável, eficiente, que
justifique a montanha de impostos que arrecada. Não adotaram programas substantivos
para transformar a floresta amazônica, mais da metade do território nacional,
em um espaço produtivo com a floresta em pé. Não lutaram pela existência de um
mercado comum latino-americano.
Os grandes projetos de combate à fome e
habitação para todos tiveram sucesso temporário, pois sustentados em políticas
assistencialistas. Esqueceram que o mais importante é ensinar a pescar e não
distribuir o peixe. Este é necessário aqui e ali, mas é sempre um paliativo,
que tem vida curta, e não dispensa o ensino.
Por isso, os dois grandes desafios hoje são:
renovar as ideias e os quadros da esquerda e impedir a ascensão da
extrema-direita. É preciso criar uma aliança democrática, que vá da esquerda à
direta. É preciso reinventar um discurso universal que incorpore a segurança do
cidadão, sua liberdade, suas diferenças, e a capacidade de trabalhar com a
informação, que nasce em uma escola viva e de qualidade; que funde um Estado
eficiente; que caminhe em direção a um modelo econômico, com disseminação de
práticas de uso racional dos recursos naturais e de medidas de contenção dos
desastres climáticos. Em termos imediatos, é preciso enfrentar os problemas
mais sentidos pela população: segurança, renda e saúde. E, sem esquecer de
propor um sonho novo, pois ninguém vive sem sonho. E não se produz um sonho
novo apenas com indivíduos que nasceram no meio do século passado, embora
indispensáveis pela experiência.
*Sociólogo, doutor em Sociologia, professor associado II da Universidade de Brasília, ex- diretor do Centro de Desenvolvimento Sustentável/UnB (2007/2011).
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